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Decisão do STF e a Urgência de Defender os Direitos Trabalhistas: Um Chamado à Resistência

Publicado: 28 Abril, 2025 - 00h00 | Última modificação: 28 Abril, 2025 - 16h52

As principais centrais sindicais convocam os trabalhadores para a Marcha Nacional em defesa dos direitos e da democracia, no próximo dia 29 de abril, em Brasília. Trata-se de ato integrado às mobilizações do 1º de Maio. Nesta oportunidade, o movimento sindical brasileiro chama a atenção dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para as consequências danosas da suspensão da tramitação dos processos judiciais contra fraudes na pejotização – decorrentes da transformação de trabalhadores subordinados em pessoas jurídicas (PJs) – burlando direitos garantidos pela legislação, pela Constituição Federal de 1988 e pelas convenções internacionais.

O caminho aberto pelas decisões que aceitam qualquer tipo de contrato de pessoa jurídica para substituir o contrato de trabalho é perigoso. Os trabalhadores esperam que o STF abandone esse caminho perigoso, que ameaça seus direitos e a sustentabilidade do sistema de proteção social, envolvendo assistência, transferência de renda e aposentadoria. 

Lembramos que precarizações do trabalho, como a reforma trabalhista, não geraram novos empregos, mas forçaram a migração de aproximadamente 2 milhões de trabalhadores de empregos formais para trabalhos sem direito, sob a forma de pessoas jurídicas, a maioria na condição de microempreendedores individuais (MEIs), entre 2018 e 2022. Em 2012 havia aproximadamente 1 MEI para cada 13,5 empregados CLT; em 2016 essa proporção passou a 1 para 5. Em 2023, chegou a cerca de 1 MEI para cada 2,4 trabalhadores formais, evidenciando a proximidade numérica entre ambas as categorias. Apenas esse deslocamento gerou uma perda potencial de arrecadação previdenciária de cerca de R$ 15 bilhões por ano. O desastre só não foi maior porque milhares de trabalhadores ingressaram com processos na Justiça do Trabalho.

São milhares de processos suspensos por decisão do STF, muitos deles envolvendo plataformas digitais e autônomos coagidos a atuar como PJs, sem acesso a direitos como férias, 13º salário e contribuições previdenciárias adequadas. Antes de o STF suspender o legítimo direito dos trabalhadores de se defenderem perante a Justiça especializada, estudos do Ipea projetavam um impacto da pejotização na necessidade de complementação do financiamento da proteção social da ordem de R$ 500 bilhões para o período entre 2015 e 2060. Com a suspensão dos processos judiciais, esse cenário desafiador tende a se agravar, pois toda vez que há retrocessos nos direitos, a precarização do trabalho se intensifica.

Isso ficou evidente após a reforma trabalhista de 2017 e a ampliação das possibilidades de terceirização: 69,4% dos MEIs foram criados depois dessas mudanças. Hoje os MEIs representam 73% de todas as empresas formais do país em número. O IBGE constatou que, dos 2,6 milhões de MEIs registrados em 2018, 54% haviam se desligado de vínculo formal de trabalho no ano anterior. Um levantamento do Ministério Público do Trabalho, em 2023, identificou mais de 500 mil casos suspeitos de “pejotização” em empresas de médio e grande porte, indicando a dimensão do problema. A remuneração média de PJs versus CLTs em funções semelhantes tende a ser semelhante ou apenas modestamente superior no caso dos PJs, o que significa que boa parte do ganho de produtividade fica com a empresa.

Os milhares de processos suspensos estão relacionados a essa avalanche de fraudes na pejotização e o STF deverá examinar o mérito para decidir por sua validação ou não, bem como, o ônus da prova sobre a fraude e se é da competência da Justiça do Trabalho julgar esses casos. 

A suspensão dos processos e os termos do voto do Ministro Gilmar indicam uma tendência gravíssima e que pode levar à destruição de um sistema de previdência e proteção social que beneficia milhares de trabalhadores, que não são “mercadorias descartáveis”. O STF não pode ceder agora a esse processo de naturalização da exploração, que fragiliza a coesão social e fragmenta as relações entre capital e trabalho.

A Justiça do Trabalho, criada para equilibrar a relação entre capital e trabalho, é hoje alvo de projeto que busca reduzir seu papel e excluí-la de analisar e julgar processos claramente trabalhistas, como aqueles que envolvem terceirização e “pejotização”. Caso o STF persista nesse caminho, estará não só desconsiderando a realidade de milhões de trabalhadores, como também estimulando um ciclo perverso: empresas deixam de arcar com encargos sociais, trabalhadores perdem acesso a proteções básicas e a previdência enfrenta déficits crescentes. 

A migração de trabalhadores para regime de falsos PJ também traz repercussões de longo prazo na segurança social do trabalhador. Sem a vinculação formal, o profissional não conta com cobertura automática de seguro-desemprego, auxílio-acidente de trabalho ou salário-família.

Dos 14,6 milhões de MEIs registrados em 2022, apenas 4,1 milhões (28,4%) estavam inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), sendo 2,1 milhões beneficiários do programa Bolsa Família. Ao deixar de ser trabalhador formal e com direitos, e se inserir na fraude do trabalho como PJ com relação de subordinação, não são apenas os trabalhadores que perdem seus direitos básicos: o sistema previdenciário perde uma parcela significativa de potenciais contribuintes, reduz sua arrecadação e compromete a capacidade de pagar benefícios no futuro próximo. Nesses casos, empresas e trabalhadores não contribuem ou o fazem em valores muito abaixo do necessário, inviabilizando a seguridade social e comprometendo o acesso dos trabalhadores aos benefícios assistenciais que procuram na velhice, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aumentando a pressão sobre os gastos públicos.

Esse cenário viola os fundamentos da Constituição Federal e contradiz compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Agenda do Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que incluem a redução das desigualdades e a promoção de trabalho digno até 2030.

Não por acaso, as entidades sindicais sugerem uma reação dos ministros do Trabalho e Emprego, da Previdência Social, da Justiça e da Fazenda. Está na hora de reunir técnicos, especialistas e representantes dos trabalhadores para debater os impactos sistêmicos da pejotização. É urgente que o Executivo federal apresente estudos sobre como a fragilização de vínculos empregatícios afeta não apenas direitos individuais, mas também o regime fiscal, a previdência e as metas de redução de desigualdades.

O mundo jurídico, acadêmico e a sociedade civil se somam às mobilizações das centrais sindicais e ao Fórum Interinstitucional de Defesa de Direitos Sociais (FIDS) para ampliar nossa capacidade de atuação e promover o retorno à rota da proteção social e sindical para todos os tipos de trabalho humano. 

A marcha de 29 de abril não é apenas um protesto, mas um chamado para reafirmar que os direitos sociais são pilares essenciais de uma verdadeira democracia. A CUT seguirá dialogando com ministros e ministras do STF e com o povo nas ruas, certa de que suas razões e a força do povo vencerão a gana daqueles que querem transformar tudo em mercadoria.