Sindicatos coreanos denunciam exclusão de trabalhadores das políticas climáticas
Encontro promovido pela CUT durante a COP30 apresentou quatro painéis sobre impactos da descarbonização, poder corporativo, precarização e fortalecimento da ação sindical na Coreia do Sul
Publicado: 19 Novembro, 2025 - 16h13
Escrito por: André Accarini
A CUT recebeu no último sábado (15), em seu espaço na COP30, uma delegação de sindicalistas coreanos para o debate Transição Justa e a Experiência Coreana. Estiveram presentes dirigentes da Confederação Nacional de Sindicatos Democráticos da Coreia do Sul (KCTU), metalúrgicos, trabalhadores de usinas a carvão e ativistas da Action for Climate Korea. O foco foi a exclusão dos trabalhadores dos planos oficiais de descarbonização e relatos de retrocesso na política climática do governo sul-coreano.
Após a saudação do secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, que ressaltou a importância de receber a delegação e conhecer as demandas dos trabalhadores do país para poder subsidiar as discussões globais sobre transição justa, quatro painéis detalharam a realidade do país.
As quatro apresentações destacara, as pressões corporativas, a fragilidade da governança climática, concentração econômica, violações trabalhistas e ausência de proteção social. Também registraram avanços na organização coletiva e na articulação com movimentos ambientais.
Setor de energia a carvão e o impacto sobre trabalhadores da KPTU KEPID
A primeira apresentação trouxe o depoimento de Taesung Lee, presidente da KPTU KEPID, que trabalha há mais de vinte anos na usina de Taean. Ele descreveu o peso simbólico e econômico imposto aos trabalhadores rotulados como “vilões climáticos”, embora dependam desses empregos para sustentar suas comunidades.
Lee criticou programas de treinamento considerados insuficientes, como o auxílio individual de 300 mil won (moeda sul-coreana/equivalente a R$ 1mil), e alertou para o avanço da privatização no setor elétrico. Ele afirmou que “nenhuma demissão é inevitável” e que trabalhadores precisam estar no centro da política climática.
Dados apresentados sobre o setor:
• Fechamento previsto de 40 das 61 usinas a carvão até 2038
• Primeiros encerramentos programados para dezembro de 2025
• 8.418 trabalhadores terceirizados e temporários diretamente ameaçados
• Até 100 mil famílias potencialmente atingidas
• Perdas econômicas estimadas em 75 trilhões de won (R$ 270 milhões)
• Ausência de planos estruturados de realocação ou garantia de emprego
• Primeira greve geral conjunta do setor em 2025
Princípios defendidos pelo sindicato
• Proteção de todos os empregos
• Centralidade dos trabalhadores nas decisões climáticas
• Transição energética baseada no setor público
• Governança integrada e democrática
O painel destacou ainda que 98% da energia solar e 91% da eólica estão sob controle de investidores privados e estrangeiros. Diante disso, sindicatos lançaram em julho de 2025 a campanha pela Lei de Energias Renováveis Públicas.
Governança da descarbonização e transição centrada no capital
O segundo painel, apresentado pelo Sindicato dos Metalúrgicos Coreanos (KMWU), denunciou que a neutralidade de carbono tem sido conduzida por conglomerados como a Hyundai. Segundo o sindicato, políticas públicas são moldadas para atender interesses empresariais, afastando trabalhadores e organizações sindicais.
O sindicato defende que o apoio estatal seja condicionado à manutenção de empregos, acompanhado de políticas de formação, fortalecimento da segurança social e participação democrática. O sindicato organizou, em 2024, um amplo programa de formação para preparar a categoria para o processo de transição.
A síntese apresentada foi clara. “Organização coletiva é condição para a justiça climática.”
Efeitos:
• Empregos precários e de baixa qualidade
• Enfraquecimento da representação sindical
• Forte concentração de mercado
• Pequenas e médias empresas sem capacidade tecnológica para se adaptar
• Risco ampliado de desemprego no setor industrial
Poder corporativo no setor manufatureiro e precarização na cadeia automotiva
A terceira apresentação investigou a influência da Hyundai em órgãos governamentais estratégicos ligados ao hidrogênio, aos veículos autônomos e à indústria automotiva. Dirigentes relataram que executivos da empresa ocupam posições estatais e influenciam políticas públicas e direcionamento de recursos.
A lógica descrita pelos sindicalistas sobre a reestruturação industrial na Coreia do Sul incluem grandes empresas elaborarem seus planos, de acordo com seus interesses; apoio e incentivos concedidos pelo governo; financiamento por bancos e consultorias e papel do Estado reduzido a formalizar decisões.
Esse modelo, de acordo com os dirigentes pressiona pequenas e médias fornecedoras, que, sem apoio para desenvolver tecnologia própria, caminham para uma “extinção natural”.
Durante o painel, foi apresentado o caso da Oficina Ihwa da Hyundai Mobis. Entre os pontos destacados que representam retrocesso para os trabalhadores estão:
• Contratos mensais
• Demissões por mensagem
• Salários baixos
• Revistas e recolhimento de celulares
• Práticas antissindicais
• Uso de subsidiárias e joint ventures para evitar organização coletiva
Esse processo aprofunda desigualdades e reduz o poder de barganha dos trabalhadores. O KMWU reforçou que a construção de um movimento sindical forte é a resposta necessária.
Crise climática, governança frágil e ausência de políticas de Transição Justa
O último painel analisou a governança climática coreana, descrita como insuficiente e permeada por influência empresarial. A Coreia é frequentemente apresentada como alinhada a um cenário de aquecimento de 4°C, com alta dependência de combustíveis fósseis.
Entre os pontos críticos apresentados estão:
• Investimento estatal em IA (inteligência Artificial) estimado em US$ 700 bilhões favorecendo conglomerados
• Metas climáticas de 2035 sem participação da sociedade civil
• Manutenção de US$ 7,5 bilhões em subsídios fósseis
• Uma das menores taxas de precificação de carbono do mundo, em US$ 6
• Sistema de comércio de emissões que permite lucro empresarial com permissões gratuitas
• Baixa participação de energias renováveis e veículos elétricos
• Ausência de políticas de Transição Justa
Mesmo após decisão da Corte Constitucional que classificou a lei de neutralidade de carbono como insuficiente e violadora de direitos das futuras gerações, o governo fixou meta de redução de 53%. Os participantes afirmaram que a decisão está ligada ao lobby dos conglomerados.
Sindicatos e movimentos climáticos reforçaram sua cooperação diante desse cenário. A conclusão comum foi que sem justiça social não há justiça climática.
Paineis
As apresentações revelaram uma transição energética marcada por contradições. Metas ambiciosas convivem com processos conduzidos por conglomerados, baixa transparência, precarização e ausência de proteção aos trabalhadores.
Em resposta, cresce a mobilização de sindicatos e movimentos ambientais, que formulam propostas ancoradas no interesse público, no direito à energia, na proteção do emprego, na participação democrática e na solidariedade.
O consenso entre os participantes foi de que não haverá transição climática bem-sucedida se ela continuar ocorrendo contra os trabalhadores. Ela precisa ser construída com eles.