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Sindicalistas vigiados pela Abin Paralela reforçam papel dos sindicatos pelo país

Sindicalistas de ramos da CUT foram vigiados pela Abin Paralela de Bolsonaro, revela documento divulgado pela PF. Eles defendiam a manutenção da Eletrobras como empresa pública

Publicado: 25 Junho, 2025 - 17h17 | Última modificação: 26 Junho, 2025 - 13h15

Escrito por: Rosely Rocha

Fabio Rodrigues Pozzebon / Agência Brasil
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A revelação pela Polícia Federal (PF) de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vigiou, ilegalmente sindicalistas do setor elétrico, do ramo da CUT,  durante o governo de Jair Bolsonaro, por serem contra a venda da Eletrobras, reforça o papel que sindicatos têm em defesa da soberania nacional. 

A chamada Abin Paralela por atuar de forma ilegal sob a direção de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL, vigiou os diretores Edvaldo Risso (Eletronuclear) e Pedro Brito (Furnas), além dos servidores Felipe Araújo, Leonardo Pessoa, Victor Costa e Caio Brasil Neto, todos ligados a Furnas, que hoje faz parte do sistema Eletrobras.

De acordo com os investigadores da PF, os nomes foram incluídos em relatórios internos da agência paralela, nos quais eram identificados como opositores à política de privatização e descritos em tom pejorativo. Um dos trechos citados pela PF revela que os agentes chamavam os servidores de “mais vermelhos que sangue”.

Felipe Araújo, um dos vigiados, engenheiro de Furnas, é diretor de negociações do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE-RJ) e membro do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). Ele reforça que os nomes citados pela Abin Paralela não tinham um milionésimo da capacidade econômica e da máquina que os interessados na venda da Eletrobras tinham.

Eles tinham a empresa e o governo na mão, e ainda a Agência Brasileira de Inteligência espionando a gente. E nós, mesmo assim, trabalhadores e trabalhadoras organizados, sob ataque constante por quase uma década, nós conseguimos equiparar nossa força, e quase conseguimos impedir a entrega desse patrimônio. O que nós somos capazes de fazer, enquanto trabalhadores e trabalhadoras organizadas nacionalmente, em sindicatos, não conseguimos fazer pelo nosso país?
- Felipe Araújo

O engenheiro reforça a necessidade cada vez maior do sindicalismo caminhar à esquerda afim de dar uma solução para a sociedade brasileira e aproximá-la de uma democracia cada vez mais popular e não liberal que já se exauriu em relação à possibilidade da resposta às necessidades da população.

“Os trabalhadores precisam enxergar a força da organização sindical. A gente ainda estava numa situação de um golpe ainda que não tinha sido instituído, mas já estava acontecendo. Você imagina se continuassem no poder por mais quatro anos? O que eles não fariam? Talvez não teríamos essa conversa hoje. É uma coisa muito perturbadora. Então, é importantíssimo reafirmar a importância premente de enfrentarmos e derrotarmos essa gente que está se apropriando do poder público para poder fazer esse tipo de ação persecutória”, diz Felipe.

Segundo ele, a informação da vigilância da Abin Paralela pegou a todos de surpresa.

“É claro que a gente sabia que estava fazendo um trabalho com bastante dedicação, um trabalho militante que estava incomodando a empresa. Agora, imaginar que a gente estava a ponto de ser investigado pela Agência Brasileira de Inteligência, ainda que de forma clandestina como foi feita, aparentemente pela estrutura interna do Bolsonaro, nunca nos passou pela cabeça”, declara.

Outro vigiado pela Abin Paralela, Victor Costa, diretor da Associação dos Empregados de Furnas e diretor de comunicação do Sindicato dos Eletricitários do Rio de Janeiro (Sinergia-RJ) e membro da coordenação de comunicação do CNE, diz que foram pegos de surpresa pela forma nada democrática do governo Bolsonaro em lidar com a oposição a seus interesses.

“Em um estado democrático de direito é normal a gente ter opiniões diferentes. Eu posso ser contrário à privatização da Eletrobras e o governo a favor. Não tem nada demais nisso. Por isso que a espionagem nos causou grande surpresa, desapontamento e revolta”, diz Victor.

Ele reforça que se Bolsonaro tivesse sido reeleito à presidência da República, ele provavelmente poderia tentar perseguir pessoas que foram resistência às iniciativas do governo dele, inclusive a da privatização da Eletrobras.

“Agora, você imagina se os casos que culminaram no ato de 8 de janeiro tivessem sido frutíferos num golpe de Estado no Brasil, como estava nos planos deles, inclusive, o de matarem o presidente da República, o vice-presidente da República e o ministro Alexandre de Moraes, segundo a imprensa. Você imagina o que que iria acontecer com as pessoas que eram colocadas nessa lista da Abin, né? “

Conseguimos escapar do pior porque começou a se fazer justiça na história. Mas agora, nesse momento, a partir desses absurdos que são a ilegalidade contra o direito à privacidade, que é um direito consagrado na Constituição de 1988 e consolidado na Lei Geral de Proteção de Dados, que ironicamente foi aprovada e sancionada durante o governo Bolsonaro, a gente tem que ir atrás de justiça e reparação política a partir disso tudo que aconteceu
- Victor Costa

Procura por justiça

Victor diz que os dirigentes sindicais já contaram seus departamentos jurídicos, para que busquem por justiça e reparação, para que uma possível ação não seja desconectada entre os citados. A forma que eles irão atuar ainda não sabe, pois é preciso que se tenha mais informações.

“A gente não pode normalizar uma ilegalidade dentro de um Estado democrático de direito. Eu já disse isso e vou repetir sempre, é preciso ter indignação sempre que há descumprimento de lei, e num caso desse, de invasão de privacidade, é muito grave. Isso não pode ser normalizado. Então é por isso que eu digo que a gente vai fazer tudo que tiver que ser feito pra que isso, que a gente tenha justiça e reparação”, diz.

Agradeço também a todas as entidades que estão se manifestando em solidariedade e apoio, a mim e aos meus companheiros que tiveram a vida aí devassada pelo desgoverno anterior e dizer que a gente vai seguir firme e que temos certeza de estarmos do lado certo da história e que não vamos recuar por conta desse tipo de tentativa de intimidação ou constrangimento”, diz acrescenta.

A venda da Eletrobras, um atentado à soberania nacional

O engenheiro de Furnas Felipe Araújo lembra que os interesses pela privatização da Eletrobras eram muito grandes em relação à entrega desse patrimônio e não eram só econômicos, mas estratégicos também. A Eletrobras foi vendida em 2022 por R$ 40 bilhões abaixo do preço do mercado, e ainda retirou do governo federal o poder de veto nas decisões do Conselho da empresa, apesar de manter a maioria das ações (43%).  Essa decisão não foi revertida.

“O governo Bolsonaro entregou boa parte da soberania energética do país, vendendo a Eletrobras para o setor privado com influência direta e indireta, de interesses internacionais muito grandes em relação a esse patrimônio”, conta Felipe.

Para Victor Costa, a questão principal é a de que o governo Bolsonaro queria passar a privatização dentro daquele “pacote da boiada”.

“Os riscos da privatização, os efeitos, incomodaram. É a única lógica que eu entendo, porque a gente não fez nada secreto, tudo que foi feito era um posicionamento público, aberto em audiências públicas, indo à imprensa, mobilizando dentro da sociedade. Então, só vejo que o que incomodou foi o fato de eles quererem fazer tudo de forma rápida, silenciosa e a gente trouxe alguns obstáculos”, conclui Victor.

Em nota o SINGE-RJ prestou solidariedade ao diretor da entidade investigado.