Serviço público e meio ambiente: CUT reforça unidade contra a PEC 38 na COP 30
Seminário reuniu entidades das três esferas do serviço público da CUT e lideranças indígenas para denunciar os impactos da PEC 38 na destruição do serviço público e na fragilização da fiscalização ambiental
Publicado: 15 Novembro, 2025 - 11h52 | Última modificação: 15 Novembro, 2025 - 15h30
Escrito por: André Accarini
Durante as atividades da programação da COP 30, na tarde desta sexta-feira, a CUT promoveu o debate “Serviço Público Forte, Meio Ambiente Protegido: Não à Reforma Administrativa!”, que conectou diretamente a crise climática ao enfrentamento político em curso no Brasil.
Organizado pelas entidades das três esferas da CUT – Condsef/Fenadsef, Confetam, Sinagências, CNTE, FENASEPE e Proifes – juntamente com a organização Indigenistas Associados (INA), o seminário denunciou os efeitos da PEC 38 sobre o Estado, a proteção ambiental e sobre os direitos da classe trabalhadora. Ao reunir dirigentes da CUT, lideranças indígenas e representantes das entidades e de outras centrais, o encontro produziu o diagnóstico de que a reforma administrativa representa um projeto de desmonte, que enfraquece a capacidade estatal e abre espaço para a privatização e para o avanço de interesses predatórios sobre os territórios.
O objetivo do seminário foi articular a defesa da transição justa com a luta pela sobrevivência do serviço público. Consenso foi de que a reforma, se aprovada, afetará toda a sociedade ao fragilizar setores responsáveis pela implementação de políticas ambientais, pela fiscalização de atividades econômicas e pela garantia de direitos básicos. Por isso, a necessidade de unidade, mobilização e reconstrução do trabalho de base foi apontada como elemento central para derrotar a proposta no Parlamento.
O secretário de Administração e Finanças da CUT, Ariovaldo de Camargo, abriu a mesa recuperando o histórico de participação da CUT em debates climáticos internacionais desde 2014, mas enfatizou que, desta vez, a presença da classe trabalhadora ocorre em outro patamar, com articulação direta sobre transição justa.
O dirigente destacou que não existe transição climática sem políticas de emprego, serviços públicos estruturados e trabalhadores protegidos, e alertou que a PEC 38 ameaça exatamente essas bases. Ao mencionar que o governo por vezes “pisca” para a proposta, afirmou que o movimento sindical está “num debate muito intenso de como enfrentar e destruir a proposta de reforma administrativa. Precisamos ter unidade para impedir que ela seja pautada. E, se for pautada, que seja derrotada. Sabemos onde ela começa, mas não sabemos como termina”, disse o dirigente reforçando que é preciso se antecipar para impedir que o Congresso amplie ainda mais os prejuízos.
Ariovaldo recordou episódios recentes, como o período do “passar a boiada” (fala do ex-ministro do Meio-Ambiente no governo Bolsonaro, Ricardo Salles) e o discurso da “granada no bolso do servidor” (dito pelo ex-ministro Paulo Guedes), para demonstrar que ataques ao serviço público não são abstratos – eles já produziram desestruturação real em áreas como fiscalização ambiental.
Por isso, para ele o momento exige foco total em “fazer a luta para a reforma administrativa não passar”, com investimento em qualidade do serviço público e proteção dos trabalhadores diante do cenário político volátil.
A secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, apresentou a perspectiva dos servidores das agências reguladoras e reforçou o papel do setor público na garantia de direitos sociais e ambientais.
“Quem somos nós, servidores públicos, nesse universo diverso da classe trabalhadora? Somos o setor que assegura direitos sociais, culturais e ambientais. Se as grandes corporações querem se apropriar do fundo público, precisam tirar do caminho esse obstáculo que é esse conjunto de 12 milhões de trabalhadores e trabalhadoras”, disse a dirigente.
Jandyra destacou o esvaziamento das agências reguladoras como exemplo concreto do problema e usou a Agência Nacional de Mineração para ilustrar a vulnerabilidade da fiscalização. “Para fiscalizar 2746 municípios com mineração legalizada, a ANM tem apenas quatro servidores. Quatro. É impossível garantir qualquer fiscalização. E estamos falando de um setor que deixou de arrecadar entre 9 e 35 bilhões em compensações.”
Ela ressaltou ainda que, sem fiscalização e sem servidores, não há condições para que as políticas de reparação ambiental e territorial sejam efetivas.
A secretária ainda reforçou o serviço público como alvo preferencial do neoliberalismo. Jandyra lembrou que são 12 milhões de servidores no país e argumentou que, para que grandes corporações ampliem o domínio sobre o fundo público, “precisam tirar do caminho esse obstáculo”.
Para ilustrar o quadro de precarização, citou o caso da ANM, que precisa fiscalizar 2.746 municípios com mineração legalizada contando com apenas quatro servidores, cenário que gera uma cadeia de prejuízos, desde sonegação estimada em 35 bilhões da CEFEM até subnotificação de 40% nas autodeclarações das mineradoras.
Para ela, a aprovação da PEC 38 aprofundaria a fragilidade institucional e inviabilizaria qualquer compromisso climático assumido pelo Brasil, já que “sem luta contra essa reforma, não há mínimo de Estado garantido”.
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O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, encerrou o seminário afirmando que a luta contra a PEC 38 também terá espaço nos ambientes oficiais da COP. Ele destacou que, para o movimento sindical, transição justa significa trabalho com direitos, e que não há como fortalecer políticas climáticas sem reforçar o investimento público e recompor o quadro de servidores. Lisboa defendeu que a CUT seguirá articulando a denúncia internacional dos efeitos da PEC e afirmou que qualquer avanço real no enfrentamento à crise climática depende de estruturas estatais capazes de atuar, fiscalizar e regular.
Outras lideranças
As lideranças indígenas presentes reforçaram o alerta. Lúcia Alberta Andrade, da FUNAI e do povo Baré, lembrou que o governo não conseguirá cumprir metas climáticas enquanto faltar gente para executar políticas públicas. Ela destacou que, embora o concurso nacional tenha ofertado 502 vagas para indigenistas, apenas 360 foram preenchidas, resultado direto das condições adversas de deslocamento e permanência na Amazônia.
Cacique Daniel Juruna, da Aldeia Kapôt Nhĩnore, afirmou que o esvaziamento da FUNAI é tão profundo que “hoje são dez funcionários para atender o Brasil todo”, e criticou a narrativa do “marco temporal”, dizendo que, ao ouvir esse argumento, muitos tratam os povos indígenas “como criança”, o que demonstra a desconexão completa do debate com a realidade das comunidades.
Já Ricardo Capô, da COAPIMA ((Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão), alertou que, se a PEC avançar, estruturas como a brigada indígena podem ser diretamente atingidas — “pode acabar com a brigada indígena”, sintetizou, relacionando o enfraquecimento institucional com a fragilidade na proteção territorial.
Interesses
O debate sobre os interesses que impulsionam a PEC 38 tornou-se mais explícito a partir da análise de dirigentes que apontaram os principais vetores da proposta. De um lado, formuladores ligados ao capital financeiro, entre eles Fecomércio, CNI, CNT, fundações e bancos como Fundação Lemann, Santander e BTG Pactual, que defendem a redução do investimento público e a ampliação da privatização via Organizações Sociais.
Do outro, grupos econômicos que lucram com a ausência de fiscalização, como fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e desmatadores. Nesse ponto, Edson Cardone, diretor da Confederação Nacional dos Trabaçlhadores no Serviço Público Federal (Condsef) alertou para o risco de permitir que “partes interessadas” participem da avaliação de servidores, provocando a plateia ao pedir que se imaginasse “madeireiros, grileiros, invasores de terra indígena e traficantes avaliando servidores da FUNAI, do IBAMA e do Incra”, como consequência prática da reforma administrativa.
Miriam Andrade, diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTSs), chamou atenção para o processo de precarização incremental que, segundo ela, avança sem que o movimento consiga reagir na mesma proporção.
Ela ainda defendeu que a única saída é a unidade. “Ou a gente se une, ou seguimos achando que o problema está nos outros”.
Jucélia Vargas, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadoes no Seviço Público Municipal (Confetam), afirmou que a força coletiva é decisiva, recorrendo à imagem do formigueiro. “Uma formiguinha pode não ter grande força, mas um formigueiro… quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”. Sua conclusão, de que a classe trabalhadora derrotará a “desgraça do três oitão”, sintetizou o clima de resistência e disposição para a mobilização.
