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Seminário Energia, Desenvolvimento e Soberania

CUT, MDA, DIEESE, Petrobrás e Universidades discutem e elaboram propostas para o novo modelo energético brasileiro

Publicado: 19 Setembro, 2008 - 18h08

Escrito por: Isaías Dalle e Paula Brandão

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O Seminário “Energia, Desenvolvimento e Soberania: Estratégias da CUT” seguiu na parte da tarde com o debate “Bionergia: organização da produção e do trabalho”. O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Arnoldo Campos, iniciou sua exposição ressaltando que o principal desafio da bioenergia em nosso país é equalizar a questão ambiental, social e o mercado. Arnoldo ressaltou a importância da implantação de um programa energético auto-sustentável que considere preço, qualidade e garantia de abastecimento.

A agricultura familiar está fortemente presente nos estudos apresentados pelo MDA. “O programa deve inserir a agricultura familiar e os assentados na cadeia do biodiesel, porém, o que deve ficar claro, é que o biodiesel é uma forma de complementação de renda da agricultura familiar”, declara.

Na proposta apresentada pelo MDA, merece destaque a política tributária, onde está prevista a desoneração total e/ou parcial da tributação em função do tipo de produtor, região e oleoginosa. Outro ponto de destaque é a criação de um selo combustível social. “Os requisitos exigidos às empresas para que conquistem o selo são, fundamentalmente, adquirir matéria-prima oriunda da produção da agricultura familiar em percentuais pré-estabelecidos nas regras, por região; contratos negociados com suas associações, cooperativas, sindicatos, federações etc.; e acompanhamento técnico.”

Arnoldo ressalta que as soluções para os inúmeros problemas que viremos a enfrentar para a implantação do projeto passam por três questões básicas – investimentos, redefinição do plano de metas dos projetos já existentes e ajustes no marco legal. Para isso, segundo Arnoldo, o MDA está criando uma estrutura organizacional, que prevê um Grupo de Trabalho (GT) de biodiesel, um GT nos pólos de produção, para organizar a base produtiva e nos núcleos de produção. “São propostas para que comecemos a solucionar problemas que temos detectado em nossos estudos e que serão fundamentais para a implantação de um programa de bionergia.”

O expositor seguinte, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Ramos, concentrou a maior parte de sua intervenção na cadeia do etanol.  Segundo ele, a mecanização da produção vai eliminar, em curto prazo, de 70% a 90% das vagas, que ele não considera dignas de serem chamadas de emprego, mas de ocupação, uma vez que “não há condições de dignidade à altura”. Isso vai diminuir a migração dos trabalhadores, o que pode possibilitar a permanência dessas pessoas em seus locais de origem”. Essa nova realidade pode e deve trazer para o movimento sindical a tarefa de desenvolver projetos de geração de emprego e renda, interferindo na elaboração de políticas setoriais, especialmente na agricultura.

Outra janela de oportunidade para que o movimento sindical avance no debate e na intervenção para criar políticas públicas é o fato, notório e comprovado, de que os países europeus e os outros ditos desenvolvidos vão se recusar sempre a adquirir nosso álcool e açúcar por conta do trabalho degradante no setor agrocanavieiro. “Isso vai continuar prejudicando nossas exportações e, diante disso, os sindicatos podem ter voz mais ativa, aproveitando a fragilidade dos capitalistas brasileiros”.

Clemente Ganz Lúcio, coordenador técnico do Dieese, iniciou sua exposição afirmando, logo de início, que qualquer projeto de desenvolvimento nacional passa pela alta produtividade dos pequenos e médios empreendimentos. Em clara referência à agricultura familiar, Clemente afirmou que “esse setor não pode ser apenas uma solução para pobres. Políticas para pobres, vistas como tais, são políticas pobres”, resumiu. Para ele, a insistência do movimento sindical e socia  l em defender a agricultura familiar não pode deixar de lado a luta por empreendimentos modernos do ponto de vista operacional, produtivo e comercial. “Para tanto, é preciso treinamento específico, pesquisa de alto nível aplicada a esse nicho de atividade, e isso ninguém tem feito, nem Sebrae, nem ninguém. Nem mesmo o movimento sindical tem se preocupado com isso”, provocou.

Como referência de possibilidade para uma nova atitude do sindicalismo, ele citou as recentes Marchas em defesa do salário mínimo, quando o movimento sindical rompeu o gueto das lutas corporativas e conseguiu pensar a classe trabalhadora como um todo. “Projeto de país é isso”, disse. Outra ação sindical de alcance nacional citada por Clemente foi  o impedimento de uma reforma da Previdência, o que contrariou a ação das elites econômicas, que queriam flexibilizar direitos. “Nessa linha, por que não as centrais não iniciarem uma nova etapa de luta para a inclusão dos informais?” Para ele, é papel das centrais investir na proteção social e nas diversas formas de luta pela distribuição de renda. ”E uma nova estrutura agrária e um novo modelo energético voltado para a inclusão social é papel das centrais, mas para tanto elas precisam de novas estratégias”.

 

O coordenador técnico do Dieese sugeriu que as centrais pensem a organização da cadeia produtiva a partir da estratégia do capital e elaborem projetos de desenvolvimento local e territorial. Daí a necessidade de pensar os pequenos e médios projetos como alternativas de alta produtividade e desempenho. Na parte da manhã, os expositores Miguel Rossetto e Jean Pierre Leroy já haviam abordado o tema do desenvolvimento local.

No encerramento do seminário, o presidente Artur Henrique apresentou uma primeira versão da sistematização dos debates dos dois últimos dias, elaborada pela relatoria do encontro, a cargo de assessores da Central. Na próxima semana, o texto final será publicado na página da CUT.

Veja, logo abaixo, um resumo dos debates do período da manhã desta sexta, dia 18. Também na página da CUT, na seção “Em Foco”, o internauta encontrará outros textos sobre o primeiro dia de seminário

Retorno ao projeto original do biodiesel brasileiro, com inclusão da agricultura familiar, combate ao trabalho degradante na cana e fortalecimento do plantio de alimentos são temas da manhã 


As condições de trabalho na produção do etanol são péssimas, configurando muitas vezes “um padrão inaceitável de degradação humana, um ataque ao processo civilizatório”, segundo o presidente da Petrobrás Biocombustíveis S.A, Miguel Rosseto, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário. Através da definição, Rosseto traduziu um diagnóstico feito por todos durante os debates do painel “Biocombustíveis: estrutura fundiária, segurança alimentar e energética”, que abriu o segundo dia e último dia do Seminário Nacional “Energia, Desenvolvimento e Soberania: Estratégias da CUT”, realizado pela Central, em São Paulo. Esta não foi a única avaliação consensual dos debates. Outra diz respeito ao fato de que os projetos de agroenergia em curso no Brasil estão amplamente em mãos de grandes grupos empresariais, em vastas extensões de monocultura – especialmente a soja, que segundo Rosseto domina mais de 95 % da produção de biodiesel –  e, ainda, que a agricultura familiar, para as quais os movimentos sociais reivindicam protagonismo, está associada apenas marginalmente às cadeias de produção dos combustíveis de origem agrícola, muitas vezes subordinada à teia de transnacionais.

A diversidade dos debates coube à apresentação de propostas para superar esses obstáculos. O primeiro debatedor da manhã, professor Francisco Alves, especialista em tecnologia e trabalho na Universidade Federal de São Carlos, apontou algumas políticas públicas que precisam ser adotadas com urgência para os cortadores de cana, o mais frágil elo da cadeia do etanol.Para ele, é preciso acabar com o pagamento por tonelada colhida e instituir, de imediato, o pagamento por horas. Instituir também o controle por quadra fechada, sob controle dos trabalhadores. “São algumas políticas para começarmos a combater as condições de trabalho que aleijam e matam trabalhadores por cansaço”, comentou Alves.

Porém, lembra, as possibilidades abertas pelo novo projeto brasileiro de etanol está acelerando, especialmente na região Centro-Sul, a substituição dos trabalhadores pela mecanização. Para estes trabalhadores que estão sendo e serão substituídos, é necessário implementar programas de alfabetização e requalificação para possibilitá-los a conquista de empregos decentes. Outra ação para combater os efeitos da mecanização é destinar áreas dedicadas ao plantio da cana para que os ex-cortadores possam produzir e comercializar alimentos.Em seguida, o professor Jean Pierre Leroy, da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), lembrou que os debates sobre a expansão do etanol e a euforia internacional causada pelas novas matrizes energéticas representam “um novo ciclo econômico que veio com força e caráter de urgência sem que os movimentos sociais consigam apresentar posições de pronto. Não pudemos nos antecipar para propor um programa para a agricultura familiar. Mas temos de fazê-lo”, concluiu.

No negócio da cana, lembrou Leroy, a participação das transnacionais passou de 15% para 70% nos últimos anos. A segurança alimentar nessas condições fica ameaçada”, alertou. E mesmo em projetos de agricultura familiar, está ocorrendo a repetição do modelo do grande agronegócio. Ele citou, como exemplo, denúncias recentes que uma cooperativa em Cáceres (MS), está sendo submetida a agrotóxicos absolutamente inadequados ao projeto original. Leroy lançou à platéia um desafio: “Temos que voltar a discutir e pensar um mercado em que a produção e a comercialização dos produtos agrícolas ocorram de e para as comunidades. Há um estudo feito na Alemanha que comprova a viabilidade de que tudo o que uma cidade precisa consumir pode ser produzido e vendido num raio de 300 km de distância”, disse.

Tal modelo, destaca Leroy, multiplica o emprego e valoriza a agricultura familiar. “Desenvolvimento ocorre quando, mesmo em processo de mudanças estruturais da economia, alguns empregos caem, mas outros tantos são criados”. O professor ainda citou a necessidade de a universidade concentrar suas pesquisas em projetos de inclusão social. Como o professor Francisco Alves, Leroy também afirmou acreditar que a universidade tem trabalhado quase exclusivamente para o agronegócio.Miguel Rosseto sucedeu a exposição de ambos. Ele afirmou que o projeto original do biodiesel do governo federal, de cuja elaboração ele participou, está desvirtuado. O princípio de priorizar a produção de mamona em regiões de clima semi-árido, com foco na inclusão social, ficou pelo caminho. “Vamos ter de rever isso. É preciso um novo marco para o projeto, onde todos os arranjos produtivos priorizem também a produção de alimentos”.

Por outro lado, Rosseto avalia que os projetos já em andamento não podem ser suspensos, ainda que temporariamente, sob o risco de inviabilizar o funcionamento da cadeia produtiva como um todo e retroceder os acertos registrados. “Não acho que temos que jogar tudo fora, seria um erro estratégico e político”. Para ilustrar como o modelo atual deve ser mantido à medida que se garantam as mudanças que, a partir da própria estrutura possam garantir a função social da terra e a produção de alimentos, Rosseto fala sobre a cultura da soja que, segundo já citado, responde por 95% da produção de biodiesel brasileiro. “Metade da soja produzida é exportada em grãos. A produção de óleo responde a 20% do total da soja, enquanto 80% é comercializada na forma de farelo. Ora, se conseguirmos um arranjo produtivo que faça parte dessa soja ficar aqui, esse farelo é fonte de insumo para produção de carne. A partir desse quadro, como está agora, já temos a possibilidade de melhorar a destinação da produção para garantir soberania alimentar”, diz.

Se o modelo do biodiesel não corresponde ao que os movimentos sociais querem, simplesmente boicotá-lo seria um erro, diz Rosseto. “Seria como perdermos o entusiasmo com a descoberta do pré-sal, porque é uma fonte não renovável  e extremamente poluente”, comparou. “A luta é por um novo marco regulatório, uma disputa política que traga aos projetos para aquilo que queremos, ou seja, benefícios para a maioria. Lembro ainda que os projetos de biodiesel a partir da mamona existem e são melhores do que nunca, ainda que não do modo como queremos e precisamos fazer”.Elio Neves, presidente da Feraesp, um dos debatedores da mesa, voltou a cobrar que os investimentos ou empréstimos públicos em empreendimentos privados tenham contrapartidas sociais, que obriguem os empresários a cumprir metas de geração de emprego e renda, sob pena de perderem acesso a recursos com juros subsidiados. “É algo que a CUT já vem cobrando no âmbito do BNDES”, lembrou.

Edson Campos, representante da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar), denunciou o grande número de trabalhadores demitidos pela mecanização e a absoluta necessidade de requalificação desse contingente. Defendeu também a necessidade de estabelecer o selo social para empresas e produtos que respeitam os direitos trabalhistas e respeito ao meio ambiente. Aquelas que não o tiverem, deveriam ser excluídas como fornecedoras tanto no atacado quanto no varejo.

O presidente nacional da CUT, Artur Henrique, exortou os presentes à leitura atenta das resoluções da 12ª Plenária Nacional da CUT sobre o tem da energia que, segundo ele, antecipam muitos dos debates do Seminário e ainda apresentam propostas consistentes de superação dos problemas, como o contrato nacional coletivo para os trabalhadores da cadeia produtiva.