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Saúde, direitos humanos e meio ambiente são debatidos em Encontro de Mineração

Sindicalistas e trabalhadores da mineração debateram os desafios do setor que envolvem normas regulamentadoras, projetos de lei e proteção ao meio ambiente, entre outros 

Publicado: 14 Junho, 2024 - 18h00 | Última modificação: 17 Junho, 2024 - 12h24

Escrito por: Rosely Rocha

Tiago Matias (Ahead)
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A difíceis condições de trabalho da mineração no Brasil que envolvem questões de saúde, o descaso com o meio ambiente nas áreas de exploração, as baixas remunerações, a terceirização e o desrespeito aos direitos humanos foram objeto de análise na mesa “Desafios da mineração e sua construção na estratégia da CUT”, nesta sexta-feira (14), o segundo e último dia do “Encontro Nacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Mineração no Brasil”, realizado na sede da CUT Brasil, na capital de São Paulo. O encontro, organizado pela pela Central Única dos Trabalhadores (CUT Brasil) e Confederação Nacional do Ramo Químico da CUT (CNQ/CUT, contou com a parceria da Solidarity Center/AFL-CIO. 

Na abertura o presidente da Central, Sérgio Nobre, traçou um panorama geral dos desafios de toda a classe trabalhadora no âmbito político e econômico pelo qual passa o país. 

“Nós estamos num momento em que é muito importante a gente responder às demandas da categoria de cada setor, mas a também estarmos muito antenado e participar das mobilizações e da luta das pautas mais gerais e estratégicas da classe trabalhadora”, disse Nobre.

Tiago Matias / AheadTiago Matias / Ahead

O dirigente destacou três projetos que são muito importantes estrategicamente para os trabalhadores. Um deles é a organização sindical e o estabelecimento de direitos aos trabalhadores em plataformas, os motoristas que transportam passageiros por aplicativos. “O mais importante para nós é o reconhecimento, o desenvolvimento desses trabalhadores enquanto categoria, o direito à organização sindical e à negociação coletiva. Isso é fundamental porque hoje metade da classe trabalhadora não tem vínculo formal de emprego”, explicou.

Os outros dois pontos destacados por Sérgio Nobre foi a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o direito de negociação dos servidores públicos, e o enfrentamento às fake News nas eleições municipais deste ano para que sejam eleitos em outubro próximo, representantes e defensores da classe trabalhadora.

A secretária de Direitos Humanos da CUT Nacional, Jandyra Uehara ,que compôs a mesa de debates destacou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem 30 artigos, sendo que 21 tratam de direitos políticos e apenas cinco artigos que falam sobre os direitos ao trabalho, ao emprego decente, à proteção contra o desemprego, à saúde, à educação, à moradia, aos direitos portanto, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Diante das mudanças econômicas e capitalista, é preciso desenvolver um trabalho sob o aspecto dos direitos humanos e empresas, e a atuação das empresas transnacionais no Brasil, o que, segundo Jandyra Uehara, tem tudo a ver com a questão da mineração. Uehara defende que o tema de direitos humanos e empresas entre no cotidiano de luta dos trabalhadores, pois há elementos que podem se adaptar às diferentes realidades.

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“A discussão dos impactos da mineração, não é só do ponto de vista ambiental, mas também do problema da desnacionalização, porque é isso que está acontecendo no Brasil. As empresas transnacionais estão se utilizando dos contratos da mineração e das energias renováveis para tomar conta do território nacional. Então, é uma questão de soberania nacional também”, afirmou a dirigente.

Nós estamos vivendo um novo processo neocolonização, onde, de muitas formas, as transnacionais têm tomado conta do nosso território numa terra sem lei, fazem o que querem
- Jandyra Uehara

A dirigente lembrou aos presentes que o Governo Federal por meio da Secretaria-geral da Presidência da República, criou dois grupos de trabalho para ouvir os impactados pela mineração, tanto as comunidades quanto os trabalhadores e, é preciso que os dirigentes sindicais participem dessa discussão.

Outro ponto abordado pela secretária de Direitos Humanos da CUT foi os processos de energia renovável, que afirma não tem nada de energia limpa diante dos impactos nas comunidades, na agricultura e no meio ambiente. As eólicas, conta Uehara, fazem muito barulho, espantam animais e as placas de energia solar estão sendo instaladas no país muito rentes ao chão e, para isso estão desmatando grandes áreas verdes e de plantação.

Para que empresas nacionais e transacionais não degradem ainda mais o meio ambiente, ela defende a aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 572 que está no Congresso Nacional. O PL tem como diretriz principal a centralidade dos trabalhadores, das comunidades, dos territórios, nesses processos de implantação de grandes projetos de mineração, infraestrutura e energia no país.

“É um marco importantíssimo e muito avançado em relação a várias leis que existem, inclusive na Europa, e ele, além de compilar tudo o que existe, muito do que está aqui nesse projeto, já tem em várias legislações dispersas”, conta Uehara. A dirigente, no entanto, diz que diante de um Congresso conservador, é preciso muita luta para que o PL avance e seja aprovado.

O Secretário Adjunto de Mobilização e Relação com os Movimentos Sociais Milton dos Santos Rezende, o Miltinho, destacou que a mineração é uma atividade econômica muito essencial para o nosso país e para o mundo. Mas ela também gera alguns impactos, seja o ambiental, seja no mundo do trabalho e o impacto social nas comunidades.

Segundo ele, a classe trabalhadora tem de construir esse diálogo e propostas para tratar desses temas que são estratégicos para nós, como os contratos trabalhistas nas convenções sob o ponto de vista dos direitos humanos e do meio ambiente.

“Isso está no nosso radar já há algum tempo e tem muito a ver não só com a mineração, mas também com diversos outros setores econômicos desse país. Porque tem o outro lado da mesa e dos governos que estão utilizando esse tema da transição justa com outros nomes, como transição, mas num olhar e numa força política muito estratégica deles. Então, nós temos que incluir esses temas na nossa agenda de negociação com as empresas, com os governos. E nós temos ambiente para construir esta agenda”, afirmou.

Ele lembrou que a COP30 aqui no Brasil é importantíssima para a participação do movimento sindical na construção da agenda e do diálogo

“Mas não é construir um diálogo só conosco. Tem outros setores dos movimentos sociais que são muito importantes para a gente construir um diálogo e uma agenda estratégica, como os Atingidos por Barragens, o Movimento de Mulheres, o Movimento Negro, o Movimento dos Sem Terra e o Movimento dos Sem Teto”, propôs.

Saúde do trabalhador

A discussão sobre a saúde do trabalhador, aposentadoria especiais e as normas regulamentadoras (NRs) foram trazidas por Marta Freitas, Mestre em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, Assessora técnica na bancada dos trabalhadores na Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT) da Normas Regulamentadoras.

Ela citou que a mineração é o setor que mais mata no mundo e o Brasil é o campeão em número de mortes. Em 2019, houve 252 fatalidades por 303,6 milhões de horas trabalhadas. Já a África de Sul, que está em segundo lugar no número de mortes registrou no mesmo ano10 fatalidades para 392,9 milhões de horas trabalhadas.

Outro ponto abordado foi a questão da saúde mental dos trabalhadores que devido descaso do setor mineral com as legislações, em especial de saúde e segurança do trabalho e de barragens, vivem sob efeitos de remédios para dormirem e acordarem.

Ainda sob o ponto de vista da saúde do trabalhador, Marta citou a Norma Regulamentadora (NR) nº 22, que estabelece parâmetros para a melhoria das condições de trabalho no setor mineral, buscando reduzir a incidência de doenças e acidentes do trabalho e que para acompanhar seu processo de implementação, foi criada a Comissão Permanente Nacional do Setor Mineral (CPNM), que é tripartite com a presença de representantes dos trabalhadores, empresas e governo e da qual ela faz parte.

Marta Freitas, lembrou que o Brasil não reconheceu a saúde e a segurança do trabalho como um direito humano, nem a defesa do meio ambiente e o maior desafio é a construção de uma política mineral dos trabalhadores.

“A gente tem que fazer uma transição justa, preservar e proteger o emprego e o ambiente. Nós não estamos discutindo, por exemplo, qual é o efeito do lítio. O lítio causa efeito no sistema nervoso central, causa problemas renais, ele mata os trabalhadores. E nós precisamos discutir a questão da tecnologia. O Brasil era um país que tinha tecnologia para usar a lítio na questão de óleos e lubrificantes e para a fabricação de remédios. Nós perdemos essa tecnologia primeiro para os norte-americanos e agora para os chineses”, disse Marta.

Outra fonte de doença trazida pelo garimpo, neste caso o ilegal, o chamado narco-garimpo, é o mercúrio. Marta alerta que no Brasil o produto que é proibido, pois o país que assinou um tratado de não-mercúrio, mas o narco-garimpo importou 135 toneladas de mercúrio.

“O mercúrio gasta 30 a 50 anos pra sair do corpo. Então, as crianças Yanomamis, que foram contaminadas pela mineração, aos 30 anos vão começar, a sentir os danos do mercúrio”, alertou.

Marta criticou ainda o licenciamento do garimpo que vai destruindo o meio ambiente local e depois de extinto vem uma grande empresa e “arruma” a terra para exploração. Para ela, a falta de fiscalização promove o que chama de rolo compressor sobre o meio ambiente.

 “A Agência Nacional de Mineração, contratou uma empresa, que eu nunca guardo o nome, para fazer a fiscalização de barragens. Essa empresa presta serviço para todos os grandes mineradores da Europa, da Austrália, dos Estados Unidos e está aqui para ‘fiscalizar’ o cumprimento das leis brasileiras. Existe uma ausência de transparência, democratização e atenção de fato dos responsáveis”, afirmou.