Resistência e sobrevivência: os múltiplos desafios da população negra LGBTQIA+
Pessoas negras LGBTQIA+ enfrentam exclusão, violência e invisibilidade no mercado de trabalho, em meio ao racismo estrutural e à LGBTfobia ainda presentes na sociedade brasileira
Publicado: 29 Junho, 2025 - 21h09 | Última modificação: 30 Junho, 2025 - 13h08
Escrito por: André Accarini | Editado por: Walber Pinto

“A juventude preta, lésbica, gay, trans, está morrendo. Espancada, assassinada. É pesado. E isso não é exceção, é estrutura”. A afirmação é de Paloma Santos, presidenta do SindiLimpeza-SP, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comércio e Serviços (CONTRACS-CUT) e integrante do Coletivo Nacional LGBTQIA+ da CUT.
Em um país onde 65% das pessoas LGBTQIA+ assassinadas em 2023* eram negras, a violência que mata caminha ao lado da exclusão econômica e social. Os dados foram levantados pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil.
A afirmação também vai de encontro com levantamos feitos por institutos e organizações como o Vote LGBT, que aponta que 25% das pessoas LGBTQIA+ negras no país atuam na informalidade, frente a 14% entre os LGBTQIA+ brancos. A renda média também é menor: cerca de 40% inferior, segundo o mesmo estudo.
No mercado de trabalho, o cenário é igualmente cruel. Mesmo quando se qualificam, essas pessoas continuam a ser alocadas em posições precarizadas. “Parece contraditório, mas quanto mais a gente se capacita, mais vem a exclusão. Porque foge da expectativa social de que a gente só sirva pra limpar chão”, diz Paloma, que completa: “Querem a gente no serviço, mas não no cargo de liderança.”
Sobrevivência
“Chega uma hora que a gente cansa de resistir, mas não dá tempo de desistir.”. É assim que Paloma Santos resume o cotidiano de milhares de pessoas negras LGBTQIA+ no Brasil, que enfrentam diariamente a intersecção de racismo, LGBTfobia, misoginia e exclusão social.
Mulher negra, lésbica, ela fala com a experiência de quem sente o preconceito na carne. “Já ouvi coisas do tipo ‘além de ser preta, é lésbica’. E os ‘além’ não param aí. Mulher, preta, lésbica, de esquerda. Cada camada fecha uma porta”, afirma. A exclusão, ela reforça, não é retórica: está presente desde o acesso a empregos dignos até a representação em espaços de poder.
Invisibilidade que começa nas estatísticas
Paloma chama atenção para um ponto central, a invisibilidade institucionalizada. “A maioria dos dados só considera quem tem registro, CLT, quem está nos grandes centros. E quem vive de bico? Quem é PJ porque foi obrigado a ser? Quem trabalha na coleta de lixo, no chão de fábrica? Essas pessoas não aparecem”, diz a dirigente
A lacuna estatística afeta não só as políticas públicas, mas a própria atuação sindical. A falta de dados inviabiliza a ação de representação dos trabalhadores. Por isso, ela reforça que é necessário que haja investimentos para que essas trabalhadores e trabalhadoras sejam mapeados para que sindicatos possam chegar até eles em suas demandas específicas.
Tais demandas englobam, por exemplo, a cobrança por condições dignas de trabalho, combate ao preconceito nos ambientes laborais, ascensão profissional, entre outras. A dirigente defende que os sindicatos precisam ir além do acolhimento habitual.
“É dar espaço nas direções, garantir cláusulas nas convenções, parar de dizer ‘estamos juntos’ e realmente estar”, pontua a dirigente.
Paloma Santos | Arquivo pessoal
Resistência não é privilégio, é sobrevivência
A resistência que a dirigente descreve é marcada por exaustão. “A gente não tem tempo de chorar. Não tem tempo de desistir. Precisa continuar resistindo porque precisa continuar vivendo”, resume.
Paloma traça também um paralelo entre a realidade na sociedade e certos espaços de destaque. A exaltação de figuras como símbolo de inclusão é inversamente proporcional ao preconceito visto na sociedade.
Ela exemplifica com pessoas trans. É comum haver quem tente negar a realidade com o a justificativa de que ‘há pessoas que alcançam algum êxito’.
“Quando uma travesti preta se destaca, parece muito. Mas é só uma. A exceção não é inclusão. É resistência individual contra um sistema que ainda nos mata”, diz Paloma
A sociedade consome nossa arte, mas não quer nos ver na política, nas campanhas de publicidade, nos cargos de chefia. É como se dissessem: ‘eu gosto de você, mas não te apresentaria pra minha mãe
Racismo no consumo, LGBTfobia nas vitrines
A crítica de Paloma ao mundo corporativo é direta. Ela aponta o que chama de racismo mercadológico. “Quando tem LGBT em propaganda, é sempre o gay ou a lésbica com padrão de beleza aceito pela sociedade, um estereótipo vendável. Uma travesti preta não aparece. Por quê? Porque dizem que não vende. Mas não vende por causa do preconceito.”
O marketing, segundo ela, opera com base em padrões de consumo que excluem identidades que fogem ao perfil eurocentrado e heteronormativo. “As marcas querem nosso talento, nossa criatividade, mas não querem nossa imagem. Só nos chamam quando estamos na moda, quando dá lucro.”