Por falta de oportunidades, cresce o número de jovens que nem trabalham nem estudam
Especialistas apontam que redução de jornada de trabalho e incentivo a programas educacionais são alternativas para reverter o quadro. Reforçam também governo deveria priorizar geração de emprego
Publicado: 19 Maio, 2021 - 11h02 | Última modificação: 19 Maio, 2021 - 15h19
Escrito por: Andre Accarini
Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que 25,5% dos jovens na faixa etária dos 15 aos 29 anos estavam fora do mercado de trabalho e sem estudar em 2020.
O aumento no número dos chamados de jovens ‘nem-nem’ - nem trabalham nem estudam – é mais um reflexo da crise econômica, agravada pela pandemia do novo coronavírus e da falta de propostas efetivas do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) para aquecer a economia e também da falta de políticas públicas para atender os jovens que, desde o golpe de 2016, estão sem oportunidades de formação e renda. O governo Bolsonaro deu continuidade ao projeto político do golpista Michel Temer (MDB-SP) de exclusão social no país.
Como alertou a CUT na tramitação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o golpe era contra o Brasil e contra a classe trabalhadora. E os dados comprovam a afirmação.
De 2016 para 2017, o Brasil começou a sofrer mais intensamente com as consequências da recessão econômica que teve início em 2015, com a perseguição política ao governo de Dilma. Os resultados mais evidentes foram o aumento do desemprego e a retirada de direitos dos trabalhadores no primeiro ano da gestão de Temer. Assim que assumiu, Bolsonaro disse que ia manter e aprofundar essa política.
Foi nesse período que número de jovens ‘nem-nem’ cresceu ainda mais. O resultado apurado em 2018 foi de índice de 23,6% de pessoas que nem trabalhavam e nem estudavam.
Em 2019, com a continuidade de políticas de ataque aos direitos, o índice passou a 24% e em 2020, 25,5%.
Economista da FGV propõe reduzir jornada para empregar os jovens
O economista da FGV, Marcelo Neri, aponta no estudo que uma das alternativas para reverter o quadro seria a redução de jornada de trabalho para que os jovens pudessem dedicar mais tempo à formação. Dessa forma, mais vagas poderiam ser criadas para um número maior de pessoas nessa faixa etária.
A iniciativa é válida desde que aliada a outras políticas públicas, como a geração de empregos propriamente dita, analisa a técnica da subseção do Dieese da CUT, Adriana Marcolino.
“De nada adiantaria reduzir jornada se não houver uma política de geração de emprego para todos, particularmente para as pessoas chefes de família, reduzindo a pressão para que os jovens procurem uma ocupação remunerada, além da geração de empregos de qualidade para a juventude”, diz Adriana.
A técnica do Dieese afirma ainda que uma redução de jornada não poderia vir acompanhada de uma redução salarial e, no que diz respeito à formação, políticas de inclusão dos jovens também teriam de ser priorizadas.
“O melhor seria ter uma política adequada de educação, incentivar o jovem a frequentar a universidade, ou mesmo retomar o Pronatec, com bolsas para que o jovem possa ter um valor, uma remuneração adequada e formação de qualidade”, explica a técnica do Dieese.
Ela reforça ainda que iniciativas como a ideia do ministro Paulo Guedes, de criar um programa que aproveite mão de obra jovem, com renda abaixo do salário mínimo, a pretexto de formação profissional, na verdade é desculpa para passar a carteira verde e amarela e retirar ainda mais direitos dos trabalhadores.
Leia mais: Plano de Guedes para juventude é precarização do trabalho com baixa remuneração
“No quadro geral, é a garantia de renda, a retomada sustentável do crescimento econômico que só vão acontecer com a vacinação de toda a população brasileira. Até lá, garantir um auxílio emergencial digno é fundamental para que todos, em especial os jovens, possam ter condições de se manter e estudar”,completa Adriana.
Por que os jovens estão nessa situação?
Para a secretária de Juventude da CUT, Cristiana Paiva, para além dos dados da pesquisa existe um universo formado por jovens que travam a batalha da sobrevivência diária em atividades informais, precarizadas, esporádicas, ou seja, “dão um jeitinho” para conseguir ter alguma renda e ajudar no sustento da família.
“O jovem quer trabalhar, estudar e ter um futuro, mas não se vê representado em nossa sociedade. Cada vez mais, eles têm essa nova visão sobre o trabalho. Acreditam que ser Uber é ser empreendedor”, diz a dirigente.
Ela explica que está havendo uma mudança de visão sobre o que é ter uma profissão, uma carreira. O resultado é que o jovem está perdendo referências. Uma delas é a formação.
“A gente vê cada vez mais jovens desanimados e sem perspectivas porque hoje um diploma não significa mais a segurança de ter um empego. A gente vê motorista de aplicativo com ensino superior, a gente vê professor com doutorado dando aula de reforço para crianças”, diz Cristiana.
“Isso faz com que o jovem desista mais fácil dos estudos e tente apenas sobreviver. Aliado ao desemprego, teremos um grande número de pessoas nem-nem”, ela afirma.
Jovens ‘sem-sem’
Estudos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre essa parcela da população apontam para a realidade descrita pela secretária de Juventude da CUT.
O correto, diz um desses estudos, seria chamar esses jovens de “sem-sem”, ou seja, sem emprego, sem estudo, já que não é por vontade própria que estão nessa situação, e sim porque há um descaso completo do governo em relação a eles.
A maior parte desses jovens, na verdade, está à procura de trabalho, exerce atividades precárias ou então, lida com afazeres domésticos. Há ainda aqueles que estão em cursos não regulares.
De acordo com um levantamento do Dieese, feito em 2018, apenas 8% dos mais de 41 milhões de jovens estavam fora das duas atividades. Somente 5% disseram que realmente não queriam nem trabalhar e nem estudar. E desses 8%, vale lembrar, muitos podem estar na informalidade, sem aparecer em estatísticas de ocupação.
Para Adriana Marcolino, técnica da subseção do Dieese na CUT Nacional, a condição “nem--nem”, realmente, não é um problema do jovem.
“Eles não têm acesso à educação e não têm oportunidades por uma série de fatores que não se configuram exatamente como uma opção pessoal e sim por causa da falta de condições para trabalhar e estudar. É o Estado que não oferece essas condições”, diz Adriana.
Dados da FGV
A média de jovens nem-nem de 2020, de 25,5%, teve seus momentos de pico. No segundo trimestre do ano passado período que coincide com os primeiros meses de pandemia no Brasil, o percentual chegou a 29,3%.
Mas os recortes da pesquisa escancaram ainda mais aquilo que várias outras pesquisas vêm demonstrando sobre o aumento da desigualdade social. Na análise por gênero, as mulheres foram mais impactadas. No quarto trimestre do ano passado, o índice chegou a 31,29%, enquanto para os homens os índices foram de 19,7%.
“Cerca de 31 a cada 100 mulheres com idade entre 15 e 29 não trabalhavam e não estudavam no quatro trimestre de 2020”
Já o recorte por raça mostrou que maior parte (57,5%) dos ‘nem-nem’ é de jovens negros. Brancos são 21,26%
Já sob o aspecto de formação, 40% têm ensino médio completo e 20,2% têm ensino superior completo.
A maior parte dos nem-nem está concentrada entre a faixa etária de 20 a 24 anos. Eles são 31,51%. Entre 15 e 19 anos, são 14,74%.
Sobre o desemprego, a pesquisa mostra que a pandemia causou impacto acentuado no mercado de trabalho para os jovens - subiu de 49,37% em 2019 para 56,34% em 2020.
Os dados levantados pela FGV têm base na Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
- Edição: Marize Muniz