PL Antifacção: Senado precisa barrar retrocessos no marco legal do crime organizado
Diferente da proposta original, texto aprovado na Câmara dificulta ações da Polícia Federal e estimula blindagem ao crime organizado
Publicado: 19 Novembro, 2025 - 15h09 | Última modificação: 19 Novembro, 2025 - 15h49
Escrito por: Luiz R Cabral | Editado por: André Accarini
A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei de combate ao crime organizado (PL 5582/2025). A iniciativa partiu do governo Lula, mas o texto aprovado não foi o encaminhado pelo Executivo.
O relator Guilherme Derrite (PP-SP) alterou profundamente a proposta, retirando pontos centrais que garantiam investigação integrada e sufocamento financeiro das facções criminosas.
O projeto original previa cooperação entre Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central e Coaf(Conselho de Controle de Atividades Financeiras), fortalecendo a capacidade de rastrear e bloquear recursos das organizações criminosas.
No entanto, essa ‘espinha dorsal’ foi desmontada no projeto substitutivo, que, embora endureça penas, reduz instrumentos de investigação e cria brechas legais que favorecem a impunidade.
Deputados da base governista denunciaram que o substitutivo dificulta o trabalho da PF e enfraquece estratégias de estrangulamento financeiro das facções. Em reportagem da Agência Câmara, o líder do PT, Lindbergh Farias, afirmou que “faltou diálogo e vontade de negociar”.
“Faltou diálogo, vontade de sentar na mesa de negociação. Continuam tirando dinheiro da Polícia Federal e atrapalhando a investigação pela Receita”
Segundo a análise dos parlamentares progressistas, a versão aprovada pode dificultar o trabalho da Polícia Federal para investigar e combater o crime organizado.
Para Glauber Braga (PSOL-RJ), a versão de Derrite também reduzirá os recursos da PF.
“o relatório é um incentivo à blindagem de organizações criminosas de colarinho branco
Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirmou que a versão atual do texto descaracteriza a proposta de enfrentar o crime organizado e as facções criminosas com segurança, inteligência e base em evidências.
“O projeto de lei [em sua versão original elaborada pelo governo] integra totalmente a PF, a Receita, o Banco Central e o Coaf para sufocar a lavagem de dinheiro. Mas no relatório a cooperação passa a não ser integrada, flexibiliza a favor do crime”
Os principais pontos da proposta aprovada pela Câmara
- Penas mais altas
- Crimes ligados a organizações criminosas passam a ser considerados hediondos.
- Penas sobem de 3–8 anos para 20–40 anos, podendo chegar a 66 anos para líderes.
- Novo tipo penal: “organização criminosa ultraviolenta”
- Cria categoria especial para grupos de maior violência, com punições mais duras.
- Governo critica por manter a lei de 2013 em paralelo, o que pode abrir brechas jurídicas.
- Novos crimes tipificados
- Inclui práticas como “novo cangaço”, domínio territorial por facções, ataques à infraestrutura, uso de explosivos e drones, além da cooptação de crianças e adolescentes.
- Progressão de pena mais rígida
- Só possível após cumprimento de 70% a 85% da pena.
- Regras valem igualmente para líderes e integrantes de baixa hierarquia, o que gera críticas.
- Confisco de bens ampliado e antecipado
- Juiz pode decretar perdimento definitivo já no inquérito, antes da denúncia.
- Inclui bloqueio de criptoativos, alienação antecipada e apreensão de empresas ligadas às facções.
- Mudança na destinação dos bens apreendidos
- Recursos deixam de ir para fundos da Polícia Federal e passam ao Fundo Nacional de Segurança Pública ou fundos estaduais.
- A PF afirma que isso descapitaliza a instituição e dificulta investigações.
- Banco nacional de criminosos ultraviolentos
- Criação de banco de dados integrado entre União, estados e órgãos de investigação.
- Monitoramento audiovisual de parlatórios
- Autoriza gravação de conversas entre presos e advogados em situações excepcionais, com ordem judicial.
- Governo alerta que pode ferir o sigilo profissional e gerar ações de inconstitucionalidade.
- Ação civil de perdimento sem prescrição
- Cria ação civil imprescritível para perda de bens ligados ao crime organizado, paralela ao processo penal.
- Representa mudança estrutural no sistema de confisco.
O que ficou de fora
Tentativa de equiparar facções a terrorismo: A oposição tentou inserir destaque para classificar facções como grupos terroristas. O presidente da Câmara, Hugo Motta, impediu a votação. Afirmou que a matéria era "estranha ao projeto" e se alinhou à posição do governo e de especialistas. O temor era de que a medida desse margem para eventuais tentativas de interferência internacional.
Riscos à população e ao país: O texto aprovado prevê que líderes de facções sejam mantidos em presídios federais de segurança máxima. Sem recursos adequados e com as limitações impostas pelo substitutivo, há risco de desestabilização dessas unidades, fundamentais para isolar chefes do crime organizado.
Direitos Sociais: Além de enfraquecer a PF, o projeto retira direitos sociais. Dependentes de presos condenados não terão acesso ao auxílio-reclusão, medida que penaliza famílias trabalhadoras sem enfrentar as causas estruturais da violência e da desigualdade.
Clique aqui para ver o texto do projeto original
Pressão no Senado
Agora, o projeto segue para o Senado. É fundamental que a sociedade pressione os senadores para que recusem o texto aprovado na Câmara. O Brasil precisa de um marco legal que fortaleça a Polícia Federal, garanta investigação integrada e ataque o financiamento das facções. Sem essa mobilização, há o risco de que seja consolidado um projeto que endurece penas apenas no papel e que fragiliza a inteligência e a capacidade de investigação, abrindo espaço para a impunidade, além de colocar em risco a democracia e a segurança coletiva.
Entenda a ligação Guilherme Derrite, Tarcísio de Freitas e PEC Antifacção
A escolha de Derrite como relator não foi técnica, mas política. Licenciado do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, no governo Tarcísio de Freitas, sua indicação contaminou o debate com interesses partidários e marcou um gesto claro de alinhamento ao bolsonarismo. A intenção foi usar Derrite como símbolo de uma agenda de linha-dura, disputando protagonismo nacional na segurança pública e tentando enfraquecer o papel do governo Lula.
Quem é Guilherme Derrite
Ex-capitão da Polícia Militar e aliado de Jair Bolsonaro, Derrite construiu sua carreira defendendo políticas de confronto. Atuou na Rota, unidade de elite da PM paulista marcada por operações violentas, e como secretário de Segurança Pública foi criticado por brutalidade policial. As operações Escudo e Verão na Baixada Santista, entre 2023 e 2024, deixaram 84 mortos e foram denunciadas por abuso de força contra jovens negros e pobres.
Com informações da Agência Câmara