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Pietro Alarcón: 'Bases na Colômbia visam...

Publicado: 19 Novembro, 2009 - 14h04

Escrito por: Correio da Cidadania



Do ponto de vistapolítico, o acordo assinado entre os governos dos Estados Unidos e Colômbiaintroduz um lamentável novo componente nas relações internacionais da região. Oacordo reproduz cabalmente, sob a forma de documento jurídico, os interesses eobjetivos das transnacionais ligadas à produção de armas e as aspirações de umacobertura militar expansionista dos EUA, a serviço de uma recomposição nosestratos do poder na América Latina. É dizer, a serviço de um retrocesso naspossibilidades de desenvolvimento autônomo e solidário entre os países da área.

A análise é de PietroAlarcón, professor da PUC/SP, assessor do convênio Cáritas-ACNUR pararefugiados e membro da Cebrapaz, em artigo publicado originalmente no Correioda Cidadania.

1) Acordo Complementáriopara a Defesa e a Segurança (...): "O governo da Colômbia, de conformidadecom sua legislação interna, cooperará com os Estados Unidos para levar a caboatividades mutuamente acordadas no marco do presente Acordo e continuarápermitindo o acesso e uso das instalações da Base Aérea de Palenquero e deMalambo; os fortes militares de Tolemaida e Larandia; a Base Aérea de Apiay; aBase Naval de Cartagena e a Base Naval de Baia Málaga (...)".

Do ponto de vistapolítico, o Acordo Complementar para a Defesa e a Segurança assinado entre osgovernos dos Estados Unidos e Colômbia introduz um lamentável novo componentena caracterização das relações internacionais da região. O acordo reproduzcabalmente, sob a forma de documento jurídico, os interesses e objetivos dastransnacionais ligadas à produção de armas e as aspirações de uma coberturamilitar expansionista dos Estados Unidos, a serviço de uma recomposição nosestratos do poder nos Estados da América Latina. É dizer, a serviço de umretrocesso nas possibilidades de desenvolvimento autônomo e solidário entre ospaíses da área.

Que a construção de umhorizonte de integração é uma tarefa titânica não é nenhum segredo. Háinteresses contrapostos, visões diversas, ritmos de integração e movimentos emvelocidades e dimensões diferentes. Contudo, ninguém pode negar que o diálogoentre os latino-americanos tem sido mais freqüente, fluido, propositivo eintenso, além de consolidado através de constituições, documentos, adesões enovos cenários nos últimos dez anos.

E é precisamente em funçãode iniciativas diplomáticas e ações conjuntas que não lhes são propícias emtermos econômicos e políticos que os Estados Unidos, como em outrasoportunidades fizeram, desenharam um projeto, seu projeto, estratégico efundamentado no potencial bélico que possui, objetivando o incremento de seupoder, influência e gerenciamento das possíveis situações que lhe impediriamseu agir de potência hegemônica.

Não é preciso ter voz deprofeta para enxergar que se trata de uma perspectiva onívora, que continuaatemporalmente a sustentar, sobre bases geopolíticas, que a guerra é um fato ea paz apenas algo desejável. E nessa lógica de pensamento e ação, toda aatividade psicológica, financeira, política e militar empreendida pela políticaexterna americana para suas finalidades não pode ser considerada surpreendente.

Daí que não tenha nada deestranho que o documento enviado pelo Pentágono ao Congresso dos Estados Unidoscontenha o já aguardado e diagnosticado até pelos mais desavisadosobservadores: que a utilização das bases militares da Colômbia não será apenaspara um polêmico e até hoje pouco frutífero combate ao narcotráfico, mas paraassegurar a presença militar dos Estados Unidos e sua projeção vigilante.

2. Acordo de (...)

"3.1. (...) realizarexercícios combinados e outras atividades acordadas mutuamente, e paraenfrentar ameaças comuns à paz, à estabilidade, à liberdade e àdemocracia".

Ao lado da proclamação dosdireitos humanos, uma das maiores conquistas da humanidade consiste naproibição da guerra, é dizer, a paz, a estabilidade, a liberdade e a democraciasão legítimas aspirações humanas.

Nesse sentido, um âmbitopropositalmente proibitivo do uso da força nas relações entre os Estados temsido construído. Entretanto, no ambiente político e militar criado pelosEstados Unidos não há disciplina nem semântica nem sintática, pois as palavrasfreqüentemente designam meras representações. O esvaziamento do conteúdo realdesses objetivos serve para sustentar teses como a de que a legítima defesapreventiva é plenamente justificável quando na interpretação de quem ostenta adefesa dos valores cristãos e democráticos do mundo ocidental, e esseselementos se encontrem ameaçados.

A interpretação do textodo Acordo será feita, obviamente, por quem assinou e, especialmente, por quem ofez em condições de subordinante. De maneira que a dinâmica das relaçõesinternacionais na região fica sujeita a um exercício hermenêutico: afetam ounão a estabilidade, a liberdade e a democracia as atividades de um governo quese oponha a um neoliberalizante TLC (tratado de livre comércio) com os EstadosUnidos, por exemplo?

3. Acordo de (...)

Artigo 4.2. "AsAutoridades da Colômbia, sem cobrança de aluguel e custos semelhantes,permitirão aos Estados Unidos o acesso e uso das instalações conveniadas e àsservidões e direitos de passagem sobre bens de propriedade da Colômbia quesejam necessários para levar a cabo as atividades (...)".

No transfundo do processohistórico de dependência da América Latina com relação aos chamados Estadoscentrais - processo com raízes nas bases organizativas e estruturais daeconomia, da política, da cultura e do Direito -, não há como negar a presença,influência e pressões do capital estrangeiro. Contudo, há que apontar também auma constelação de beneficiários nos Estados periféricos que lucraram, e lucramainda, com o favorecimento à inserção das potências dominantes nos seus espaçosterritoriais.

A Colômbia assume hoje umgeneroso papel instrumental, somente explicável em função de algumas reflexõessobre sua conjuntura interna e, logicamente, sobre sua política externa naregião.

Há de se considerar, deinício e genericamente, que os supostos benefícios da interdependência e daglobalização nunca foram evidentes na América Latina. Muito pelo contrário, aespeculação financeira e o abandono dos investimentos na produção originaram umempobrecimento maior ainda da imensa maioria da população, que pagou os custosdo fracasso das teses do Estado mínimo e da redução orçamentária no social.Estabeleceu-se um padrão privatizador dos serviços públicos e da diminuição doespaço público, com a conseqüente renúncia ao conceito de interesse públicopara, em contrapartida, ampliar a rentabilidade do capital privado.

Nesse contexto, osmovimentos sociais cresceram em resistência e, particularmente, a luta decaráter econômico adquiriu níveis de luta pelo poder estatal, é dizer, de umaexigência por conquistar espaços governamentais que redundassem na execução deprogramas de novo tipo, de resgate da efetividade dos direitos sociais erecondução das finanças públicas.

As vitórias de programaseleitorais renovadores, executados com maior ou menor sucesso e no meio de contradiçõesinternas nos diversos Estados da área latino-americana, servem para constataruma evolução onde, com certeza, é possível fazer balanços para encarar opositivo e o negativo. E onde certamente haverá também pontos importantes comoa tentativa de superar a fragilidade das relações econômicas, políticas ecomerciais dos Estados da região.

Nas relaçõesinternacionais da América Latina, ao produzir-se esta mudança, modificou-se atradicional subordinação do interesse nacional de cada país a um interessepredefinido pela potência hegemônica e, simultaneamente, se promoveu uma ampladiscussão sobre um interesse regional.

Os pontos nevrálgicosdessa possível unidade sobre novas bases implicam o reconhecimento daautodeterminação de cada Estado; da coexistência pacífica das sociedadesnacionais no intuito de fomentar a segurança e impedir aventuras militaresultrapassadas; de uma democracia participativa, em lugar de um arremedodemocrático de convite às urnas a cada dois ou quatro anos; e da elaboração deprojetos conjuntos, com capital nacional, nos marcos de um plano dedesenvolvimento econômico-social que se torne objetivo nos salários, na saúde,na educação e na agricultura.

Entretanto, na Colômbia,com 31 sindicalistas assassinados no ano de 2009, segundo o Departamento deDireitos Humanos da CUT-Colômbia no seu mais recente informe, no meio dosilêncio, impunidade e mais de um milhão de deslocados internos, importa anotarque a classe no poder governamental não tem a mesma força de outrora. Verificam-sesérios fracionamentos. Obviamente, pesa muito dentro do processo de desgaste ofracasso da denominada segurança democrática, é dizer, o esquema de denúncias,recompensas e conversão de civis em militares para auxiliar no combate àsguerrilhas, que deixou como saldo a condenação internacional pelos falsosresultados positivos.

E pesam também osescândalos financeiros do agro-seguro, das prisões dos seus aliados noCongresso pelos seus vínculos com o paramilitarismo, dentre outras questões quenão têm repercussão internacional porque a operação abafa é um costumeinternacional, perigoso, mas infelizmente um costume que se sobrepõe ao direitoà informação.

Em tais condições,internamente, para a Colômbia, o Acordo cumpre duas funções: a primeira, de introduzirum elemento político-militar novo dentro de estrutura para o exercício dopoder, na perspectiva de um assentamento a longo prazo do grupo dominanteencabeçado pela presidência.

Assim, do intervencionismovedado passou-se ao descarado, e com ares de legalidade. A segunda, que implicaa postura em matéria de política externa, a de ratificar o papel do governocolombiano como instrumento geopolítico, numa lógica de subordinação muitoparecida à de metrópole-colônia, um esquema de retorno ao que parecia superadoou, pelo menos, dissimulado.

O imediato objetivo doAcordo é claro: permitir a presença de tropas e o posicionamento de aeronavesde guerra em 7 bases militares na Colômbia, consideradas estratégicas paraqualquer possibilidade de incursão militar em Estados da região. Vale a penaressaltar que o tipo de aviões que terão pouso nas bases são os conhecidosOrion, Awad e C-17, que podem conduzir toneladas de material bélico e realizamoperações de inteligência e monitoramento.

Ninguém, em sã consciência,acha que quem se preocupa tanto com instalar suas tropas na região o faça paramantê-las cuidadosamente dispostas para limpar os aviões, caçar borboletas oucolecionar as belas lendas dos camponeses da região. Vão usar as bases para oque elas servem, é dizer, para fins militares, e projetadas em raios de açãomuito amplos, como, aliás, alerta o ex-presidente colombiano Ernesto Samper emartigo publicado no El Pais da Espanha há alguns dias.

Não existe, desde nossoponto de vista, até o momento, uma reavaliação, como sugerem alguns analistas,do tratamento e das relações dos Estados Unidos na região. Muito pelocontrário, está em curso uma estratégia político-militar de contenção dosprocessos de unidade regional e de desenvolvimento de alternativas ao modeloeconômico predador. E não é mais possível minimizar a importância para qualquercálculo ou diagnóstico em matéria de relações internacionais de algo tãoousado, drástico, irresponsável e deplorável, como o Acordo - AcordoComplementar para a Cooperação e Assistência Técnica em Defesa e Segurança -assinado pelo governo colombiano e os Estados Unidos no dia 30 de outubro.

4. Artigo 150, 16, daConstituição da Colômbia: "Corresponde ao Congresso (...): aprovar oudesaprovar os tratados que o governo celebre com outros estados ou entidades dedireito internacional (...)"

A incapacidade depersuadir desde o poder implica que sejam questionados os baluartes da própriainstitucionalidade estatal e os fundamentos basilares do historicamentedenominado Estado de Direito, abrindo-se passo a um Estado de fato ou de nãodireito. Destarte, a assinatura do Acordo entranha um vício deinconstitucionalidade que acarreta sua nulidade, posto que a separação defunções violentou gravemente o Congresso Nacional, sendo este impedido dediscutir o assunto. Isto é, não houve controle prévio.

Por outro lado, fazendocaso omisso ao Conselho de Estado, o governo não submeteu o tratado ao exame deconstitucionalidade da Corte Constitucional colombiana. Obviamente, os reparosesperados com relação a um Acordo que atenta contra a integridade territorialdo país e contradiz as bases constitucionais - a soberania, os fins do Estado,a paz como direito fundamental - não tiveram espaço político e jurídico paraserem argüidos. A arbitrariedade fez do Estado de Direito o boneco à luz daqual passou o autoritarismo presidencial.

Advirta-se, entretanto,que nenhum Estado do mundo pode invocar uma situação de guerra imaginária paraa prática de atos bélicos não justificáveis como se fosse uma situação efetivade ataque ou, pelo menos, de situações paralelas que tornem permissível a açãode defesa. Mas precisamente nisso reside a fragilidade provocada nas relaçõesinternacionais da região pelas bases militares. A legítima defesa, algo quepode resultar difuso em termos concretos, subordina a segurança de todos àlógica de quem atira a primeira pedra. Esse é um fator de constantepreocupação.

Na Colômbia, o resgate dademocracia, da pluralidade e do respeito pela vida e as liberdades passa poruma estratégia anti-reeleição, com um programa de governo que abra o diálogopara a paz, que construa um arco de alianças suficientemente amplo para geraras condições de canalizar as exigências de renovação econômica e política.Nesse sentido, o Pólo Democrático que elegeu como seu candidato presidencial osenador Gustavo Petro deve promover a unidade com setores democráticos edispostos a contribuir com as mudanças.

Contra o Acordo, umasevera ação diplomática e jurídica pode e deve ser empreendida, com o objetivode contribuir para a estabilização, superando-se as fragilidades e as ameaças àpaz. O que está em jogo não é, apenas, a crítica situação da Colômbia ou suaspossibilidades de abrir espaços à troca humanitária, ou um diálogo frutíferoque seja capaz de puxar reformas estruturais.

Esforços para essasfinalidades devem ser objetivos de todos, tanto colombianos quanto vizinhos.Mas também existe outra dimensão, que entranha a estabilidade de toda a região,os avanços políticos, as possibilidades de respeito à autodeterminação. AOrganização das Nações Unidas, por meio das suas agências, em especial o ACNUR,tem o dever de manifestar-se com mensagens claras contra a guerra, requerendo oreforço das garantias para a paz como única medida aceitável para qualquercontradição na região e condenando iniciativas bélicas, intimidações econstrangimentos aos direitos humanos, promovendo o amplo desenvolvimentoeconômico e social.