Pejotização na comunicação acirra crise de credibilidade do jornalismo no país
Jornalistas debatem nesta quarta-feira às 19h, ao vivo pelo Youtube, a pejotização irrestrita
Publicado: 08 Julho, 2025 - 11h51 | Última modificação: 08 Julho, 2025 - 12h20
Escrito por: Rosely Rocha

A pejotização no setor de comunicação tem ajudado na queda de qualidade do jornalismo no Brasil, acirrando uma crise de credibilidade, com linhas editoriais de uma mídia hegemônica que não condiz com a realidade e, muitas vezes, não refletem a diversidade de pensamento de campos brasileiros, nem das sociedades, nem dos indivíduos, mas que estão ali a serviço de uma elite econômica, analisaram estudiosos do setor, conta a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Samira de Castro.
“Além dessa crítica à própria linha editorial dos veículos dominantes, existe esse problema da qualidade porque as redações mais enxutas têm profissionais em multifunções, extremamente estressados, porque o jornalismo exige uma produção cada vez mais rápida para concorrer com a relevância das redes sociais digitais, e você tem uma categoria extremamente adoecida”, ressalta Samira.
Segundo ela, a sociedade consome uma informação que muitas vezes não é de relevante interesse público, vide os exemplos da linhas de entretenimento, policialesca, passando por um jornalismo de baixa qualidade, que não tem pluralidade de fonte, sem profundidade na informação e que não vai acrescentar em nada na vida do cidadão.
“Isso é muito reflexo dessas redações enxutas e pejotizadas, e que os trabalhadores acabam adoecidos, com o aumento da carga horária. Isso é um dos fatores que, digamos, prejudica não só o trabalhador da comunicação, como também a informação que chega às pessoas. Às vezes o repórter está tão sobrecarregado de ter que dar uma matéria, porque a questão não é mais nem o imediatismo que a gente tinha dos impressos, do furo, do que o jornal concorrente ia dar no dia seguinte, hoje é o que o concorrente vai dar no minuto seguinte, e o profissional, não tem o tempo de apuração que seria necessário para ele ouvir todas as fontes, ou pelo menos uma quantidade mínima de fontes possíveis para se formar uma matéria com qualidade”, afirma Samira.
Somos uma categoria que está cada vez mais refém, inclusive, das novidades tecnológicas porque o smartphone, por exemplo, permite que o jornalista esteja ligado ao seu trabalho quase que 24 horas por dia, sete dias por semana. E tem muito aquele mito de que o jornalista tem que estar 24 horas no ar, que você nunca pode descansar de ser jornalista
Debate sobre pejotização irrestrita
A baixa qualidade do jornalismo no país e o adoecimento dos profissionais do setor podem ainda piorar se o Supremo Tribunal Federal (STF) liberar a pejotização irrestrita fazendo com que o trabalhador e a trabalhadora percam todo e qualquer direito trabalhista de férias ao 13º salário. Por isso que o julgamento do Tema 1389 será debatido ao vivo pelo Youtube, nesta terça-feira (8), a partir das 19 horas, sob o viés dos prejuízos aos profissionais da comunicação. Veja o link de participação abaixo.
Promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Frente Nacional Contra o Tema 1389, o debate terá a participação de Roseli Figaro, professora titular da USP e pesquisadora do CNPq, referência nos estudos sobre comunicação, trabalho e plataformas digitais; Jorge Luiz Souto Maior, jurista, professor da Faculdade de Direito da USP, referência nacional na luta contra a pejotização e Samira de Castro Cunha, presidente da Fenaj. A mediação será de Gisele Peres.
O setor já vive na prática esse cenário de pejotização com contratos frágeis, vínculos disfarçados e ausência de garantias, e esse debate parte da realidade da categoria para mostrar como a comunicação se tornou um laboratório da precarização no Brasil e por que é urgente barrar o avanço do Tema 1389.
A presidenta da Fenaj conta que o ramo do jornalismo e da publicidade, sempre foi um segmento muito precarizado, do ponto de vista dos vínculos empregatícios, negados constantemente.
De acordo com ela, há décadas existia a figura do freelancer, profissional que não conseguia uma vaga de emprego formal e ia viver de bico. Mas era um freelancer, de fato, e isso não se constituía fraude trabalhista porque ele acabava prestando serviços para vários empregadores diferentes.
“Com a intensificação da contrarreforma trabalhista e da lei da terceirização, o jornalismo tem sido fortemente afetado pela pejotização com redações inteiras compostas por jornalistas contratados como PJs, mas atuando como empregados comuns, com subordinação e horário a cumprir presencial. Essa é a diferença”, diz Samira.
Foi nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), na presidência da República, de 1995 a 2002, que a contratação de trabalhadores como PJs ganhou força e visibilidade, a partir de reformas e medidas que, embora não tenham criado a pejotização, contribuíram para o seu crescimento.
“Naquela época não tinha nem MEI [Microempreendedor Individual] e ainda hoje não existe MEI específico para jornalistas. No entanto, se a gente for olhar o levantamento feito pelo Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] com os dados da dados da Receita Federal, até o dia 30 de junho de 2025, existem 33.252 a CNPJs ativos como microempreendedor individual na atividade econômica de edição de jornal e revista. Agora, me diga se existem 33.252 empresas de edição de jornal e revista no país? , questiona a presidente da Fenaj.
Hoje em dia também se rasgou a necessidade do diploma. Existem cerca de 100 mil trabalhadores jornalistas com registro profissional no Ministério do Trabalho e Emprego. Desses 100 mil, apenas 39 mil têm contratos com carteira assinada. Somos uma categoria cuja pejotização avança de uma maneira absurda, mas com essa característica da irregularidade, de fraude trabalhista
Ela cita exemplos de como a precarização no setor de comunicação tem achatado salários e pondo fim a direitos. “Você tem redações inteiras na Bahia, como o Jornal à Tarde, e no Amazonas, como os trabalhadores da afiliada da Rede Globo, que eles são obrigados a abrir um MEI nessas atividades correlatas para ganhar R$ 1.500 de salário”. Hoje o piso nacional está em R$ 1.518,00
“A pessoa paga a faculdade e, na verdade, gasta mais estudando do que recebendo depois pelo trabalho profissional e essas empresas de comunicação vêm exigindo que os jornalistas constituam empresas para ocultar os vínculos empregatícios reais e porque o mercado de trabalho cada vez mais diminuto, as redações mais enxutas, o profissional se submete para sobreviver”, critica.
Diante da possibilidade da pejotização irrestrita, a presidente da Fenaj prevê um futuro desastroso para a comunicação no país, se levarmos em consideração que o jornalista pertence a uma categoria profissional que leva informação de relevante interesse público para a sociedade.
“Se essa categoria está cada vez mais precarizada e vai ser norma a precarização, nós vamos ter redações cada vez menores, pessoas mais adoecidas e o resultado do jornalismo que vai chegar para a sociedade vai ser ainda pior, mais tendencioso, mais cheio de erros, e a possibilidade de proliferar a desinformação em massa é muito maior”, conclui Samira.
Entenda a ação da pejotização no STF (Agência Brasil)
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu no dia 14 de abril, suspender temporariamente todos os processos que discutem a legalidade da chamada "pejotização”.
A decisão foi tomada depois que a Corte reconheceu, dias antes, a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.
Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.
Em 2018, o STF julgou esse entendimento inconstitucional e decidiu liberar empresas privadas ou públicas a fazer a chamada terceirização, isto é, contratar outras empresas para realizar qualquer atividade, em vez de contratar pessoas físicas por meio de contrato assinado na carteira de trabalho. A partir daí, a decisão do STF passou a ser usada para derrubar milhares de vínculos empregatícios reconhecidos pela justiça trabalhista.
Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.
Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.
Clique aqui para participar, a partir das 19 horas.