Pejotização irrestrita no setor público municipal pode trazer de volta o coronelismo
Mais de 60% dos trabalhadores em serviços municipais já são terceirizados e pejotização irrestrita permitirá que prefeitos contratem somente apadrinhados, reféns da vontade do chefe de plantão, alerta Confetam
Publicado: 25 Agosto, 2025 - 11h36 | Última modificação: 25 Agosto, 2025 - 11h45
Escrito por: Rosely Rocha

O servidor público tem um importante papel que a maioria das pessoas desconhece, que é o de evitar a corrupção. Quando um trabalhador sabe que não será demitido sem antes passar por sindicância que ateste que prevaricou ou cometeu uma falta grave, ele pode evitar a corrupção ao não compactuar com desvios administrativos, já que seus empregos estão garantidos.
Foi isso que aconteceu com o servidor público que denunciou o caso das joias de Bolsonaro, apesar da pressão que sofreu. Mas essa segurança, essencial para o bom funcionamento do serviço público e proteção ao erário corre risco caso a pejotização irrestrita seja aprovada no país. Saiba mais abaixo.
A presidenta da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Cofetam) Jucélia Vargas, conta que são 4 milhões servidores públicos municipais, em sua maioria das áreas de saúde, educação, assistência social e segurança. No entanto, deste total são quase 70% terceirizados, contratados temporariamente, num claro descumprimento da Constituição por parte de prefeitos e governadores.
Nós somos fruto de uma Constituição histórica. Nós já tivemos o tempo do coronel que levava pra prefeitura a sua mulher, o seu filho, a sua filha. Então, a gente avançou para o concurso público para que toda a população tenha igualdade de oportunidade, justamente para que o serviço público seja um serviço do povo e não a serviço de um partido político, ou de uma pessoa, ou do coronelismo de uma família de plantão. A pejotização dá a possibilidade ao nepotismo que a gente combateu desde o tempo do coronel e, que hoje existe, mas ainda é velado
Ela continua a sua crítica aos gestores que não fazem concursos públicos, precarizam o atendimento à população, e depois com a queda de qualidade defendem contratações no regime de terceirização.
“Hoje impera um alto índice de privatização, de OS, as organizações sociais, no setor público. Isso amplia as nossas dificuldades, porque nós já temos algumas prefeituras comprando voucher para a escola, para a alimentação da educação infantil. Isso é um risco enorme e abre um conflito com o Regime Jurídico Único”, declara.
“Daqui a pouco teremos professor, enfermeiro e médicos atuando como PJs [pessoas jurídicas] dentro do serviço público. Esse é um gravíssimo erro, não é somente para os servidores e as servidoras que não terão mais acesso ao plano de carreira, porque hoje, no setor público, a gente tem o concurso público, tem a estabilidade e tem o plano de carreira, mas a gente não tem direitos de trabalhadores celetistas como o Fundo de Garantia, entre outros benefícios”, complementa Jucélia
A presidenta da Confetam explica que o para o servidor ter estabilidade e um plano de carreira é preciso uma formação continuada, acadêmica, com prestação por tempo de serviço.
“Quando essas formas de contratação precárias se ampliam, sem controle, quem é prejudicada é a população porque descontinua um serviço prestado de qualidade, de formação continuada”, critica.
Jucélia exemplifica a forma de atendimento de uma unidade de saúde, em determinado bairro, onde ali a comunidade tem direito a ter dois cargos de médico, dois de enfermeira, mais um de técnico de enfermagem, um agente comunitário de saúde, duas higienizadoras.
“Esses cargos não são das pessoas, eles são da comunidade e, essas pessoas vão fazer um trabalho naquela unidade de saúde, de diálogo com a população para que, quando chegar o filho da dona Maria, eles já sabem que aquela criança tem probabilidade de ter determina doença porque a família toda teve. Então, é uma possibilidade de prevenir algumas doenças que poderão vir com o conhecimento daquela comunidade”.
Jucélia ressalta que para o setor privado, a pejotização acaba com a proteção trabalhista para os trabalhadores e trabalhadoras, mas no setor público, o prejuízo maior é para a população que depende desses serviços.
Quanto mais serviços públicos têm a população, mais qualidade de vida tem, porque as pessoas vão usar o seu dinheiro do trabalho para o seu lazer, para a sua vida, para a sua cultura, e o Estado vai proporcionar serviço público de qualidade, de acesso a todas as pessoas
Entenda a ação da pejotização no STF (Agência Brasil)
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu no dia 14 de abril, suspender temporariamente todos os processos que discutem a legalidade da chamada "pejotização”.
A decisão foi tomada depois que a Corte reconheceu, dias antes, a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.
Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.
Em 2018, o STF julgou esse entendimento inconstitucional e decidiu liberar empresas privadas ou públicas a fazer a chamada terceirização, isto é, contratar outras empresas para realizar qualquer atividade, em vez de contratar pessoas físicas por meio de contrato assinado na carteira de trabalho. A partir daí, a decisão do STF passou a ser usada para derrubar milhares de vínculos empregatícios reconhecidos pela justiça trabalhista.
Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.
Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.