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OIT: Convenção sobre trabalho por apps avança; regulação de algoritmos será desafio

Comissão Normativa sobre Trabalho Decente na Economia de Plataformas da OIT durante a 113ª Conferência Internacional do Trabalho, aprovou criação de uma convenção sobre o tema. Mas ainda há desafios pela frente

Publicado: 18 Junho, 2025 - 18h41 | Última modificação: 19 Junho, 2025 - 10h00

Escrito por: André Accarini

OIT
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A 113ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em junho de 2024 na sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT), marcou a história da luta da classe trabalhadora do mundo todo ao aprovar a elaboração de uma Convenção Internacional sobre Trabalho em Plataformas Digitais, instrumento que poderá garantir direitos a milhões de entregadores, motoristas de aplicativo e outros profissionais precarizados em todo o mundo. 

A decisão, no entanto, veio após embates entre governos, empregadores e representantes dos trabalhadores, até que se chegasse ao acordo de que em vez de apenas uma “Recomendação”, norma internacional da OIT de caráter orientativo aos países, será adotada uma “Convenção”, que também é uma norma internacional, que se ratificada pelo país, se torna um mecanismo com força de lei. A Convenção viria acompanhada de uma Recomendação para detalhar sua aplicação.

De acordo com o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, agora vêm os próximos passos dessa luta, que só será concluída em 2026. “Não foi fácil. Tivemos que brigar por cada vírgula", disse o dirigente.

A CUT participou ativamente dos debates e negociações que resultaram na aprovação da elaboração de uma Convenção sobre o tema.

Veja trechos da entrevista do dirigente ao Portal da CUT sobre os principais aspectos da aprovação

Processo de negociação: “Foi uma disputa dura. Alguns governos e as plataformas preferiam uma Recomendação, que não obriga os países a mudarem suas leis. Nós, os trabalhadores, insistimos que só uma convenção teria força real. Foi uma batalha política. No fim, conseguimos, mas ainda é só o primeiro passo” 

O que a convenção deve garantir:  “Ela vai definir quem é trabalhador de plataforma, estabelecer direitos mínimos como salário justo, jornada regulada e proteção social, garantir transparência nos algoritmos e assegurar que decisões automatizadas como bloqueios de contas tenham revisão humana. Também queremos liberdade sindical e negociação coletiva para essa categoria”. 

Sobre a resistência: “Houve resistência isso mexe no modelo de negócios das grandes plataformas. Elas lucram com a precarização. Se tiverem que garantir direitos, o custo sobe. Mas não estamos falando só de apps de entrega: é uma mudança de era, como na Revolução Industrial. A inteligência artificial e a economia digital estão transformando tudo, e não podemos deixar os trabalhadores sem proteção”.

*Citação "Avançamos em três pontos centrais: adoção de uma Convenção complementada por uma Recomendação; definição e escopo abrangentes para englobar todos os trabalhadores - formais, informais, autônomos ou empregados; e transparência da gestão algorítmica. Mas, na minha avaliação, a definição da convenção em si tem peso maior que a regulação dos algoritmos, que é um ponto que seguirá em discussão. O essencial é que já tivemos um avanço com a aprovação da elaboração da convenção*

Os próximos passos e os riscos pela frente 

Apesar da vitória, Lisboa faz um alerta. Ele explica que a convenção só será finalizada em 2026. “Até lá, as plataformas vão pressionar para enfraquecer o texto. É como se tivéssemos aprovado o primeiro turno de uma lei, mas o segundo pode mudar tudo", diz.

A aprovação da convenção na OIT é um avanço inédito, mas a vitória só virá quando os países ratificarem e implementarem essas regras", reforça o dirigente.

O movimento sindical agora se prepara para os próximos anos de debates e pressão. "Precisamos mobilizar dentro e fora do Brasil para chegar a 2026 sem retrocessos", conclui Lisboa

Europa

Enquanto isso, países como os da União Europeia (EU) já avançam em suas próprias regulações. A tendência é que a convenção siga os princípios estabelecidos pela UE em sua diretriz sobre trabalho em plataformas.

“A configuração da votação mostra que temos uma aliança importante com a União Europeia, a maioria dos países da América Latina e praticamente toda a África. A tendência é que o texto final seja fortemente inspirado na diretriz europeia”, apontou Lisboa.

Na União Europeia, a Diretiva UE 2024/28311, em vigor desde dezembro de 2024, regula o trabalho em plataformas digitais na região. Ela visa proteger os trabalhadores, corrigindo classificações indevidas como autônomos e garantindo direitos mínimos como proteção social e formação profissional. Exige transparência no uso de algoritmos, supervisão humana em decisões automatizadas e comunicação clara com os trabalhadores. Também assegura a portabilidade de dados, impõe sanções por violações e promove a cooperação entre países-membros, que têm até dezembro de 2026 para implementá-la.

Repercussão

A presidenta do Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), Carina Trindade, que integra a comitiva da CUT na 113ª Conferência Internacional do Trabalho, reforçou a relevância dessa conquista. “A importância de termos conquistado a elaboração de uma Convenção é que vamos garantir que todos os trabalhadores e trabalhadoras terão um mínimo de direitos que são essenciais como salário justo, jornada de trabalho digna, proteção social, segurança no trabalho e garantindo também a existência do trabalhador por plataforma no mundo todo”, disse a dirigente

Hoje, milhões de pessoas no mundo prestam serviços por meio de aplicativos e plataformas digitais. São trabalhadores frequentemente submetidos a condições instáveis, sem contrato formal, proteção social, acesso à negociação coletiva ou sequer o direito de saber como os algoritmos que os avaliam funcionam.

 

CUT na 113ª Conferência Internacional do Trabalho

A 113ª Conferência da OIT reuniu representantes de trabalhadores, empregadores e governos dos 187 países membros para discutir os rumos do mundo do trabalho de 2 a 13 de junho, em Genebra, na Suiça. A delegação da CUT participou ativamente dos debates, levando as pautas da classe trabalhadora brasileira. Um dos focos da atuação neste ano foi justamente o combate à precarização nas novas formas de trabalho, especialmente os realizados por meio de plataformas digitais.

A central defende que esses trabalhadores — motoristas, entregadores, cuidadores, freelancers, entre outros — sejam reconhecidos como sujeitos de direitos e protegidos pela legislação trabalhista internacional, conforme os princípios da OIT.

O que é uma convenção da OIT?

As convenções da OIT são tratados internacionais que, uma vez aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, podem ser ratificados (validados, confirmados), ou não, pelos países membros. Essas convenções são elaboradas por representantes dos governos, dos trabalhadores e dos empresários de todos os países que fazem parte da OIT, após muito estudo e análise da realidade do mercado de trabalho no mundo inteiro.

Depois que uma convenção é adotada por um país, ela passa a valer como política de Estado, acima de partidos ou governos

Como é ratificada uma Convenção? 

Pela constituição da OIT, para que um país ratifique uma Convenção ela deve ser apreciada por suas autoridades competentes. Caso seja aprovada a ratificação, o país deve adequar sua legislação no prazo de até um ano. 

Quem são os trabalhadores por plataformas?

O trabalho por plataformas compreende diferentes formas de prestação de serviços por meio de aplicativos e sistemas digitais. Entre os principais tipos estão:

  • Transporte: entregas de alimentos e encomendas; transporte de pessoas
  • Tarefas profissionais: trabalhos que exigem habilidades específicas, como programação; design gráfico; redação; consultoria
  • Tarefas domésticas: contratação de serviços como limpeza; jardinagem; cuidados com animais de estimação
  • Pequenas atividades online: marcação de dados em imagens; transcrição de textos, pesquisas de informações
  • Outras atividades: serviços diversos, dependendo da plataforma, como tutoria, criação de conteúdo, consultorias online

Esses profissionais são, em sua maioria, tratados como autônomos, mas muitas vezes estão submetidos a controle rígido, jornadas extensas, remuneração variável e ausência de direitos básicos.