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O sub-udenismo

Artigo do professor Emir Sader

Publicado: 24 Novembro, 2009 - 13h34

Escrito por: Blog do Emir


Por mais diferentes quepossam parecer as condições históricas, a polarização política atual se pareceincrivelmente àquela de décadas atrás entre Getúlio e a oligarquia paulista.Alguns personagens são os mesmos - os Mesquitas, por exemplo -, outros se agregama eles - os Frias, os Civitas -, os partidos têm outros nomes - PSDB no lugarda UDN; PSOL, no lugar da Esquerda Democrática; FHC no lugar de um udenistacarioca, mas o xodó da direita paulista de então, Carlos Lacerda; intelectuaisacadêmicos mudam de nome, mas repetem o mesmo papel.

O anti-getulismo era omote central que aglutinava a direita e setores de esquerda que, confundidos,se somavam àquela frente. Na defesa da "liberdade" de imprensa, supostamente emrisco, quando o monopólio era total - com exceção da Última Hora - em favor daoposição. Liberdade de educação, supostamente em risco, a educação privada,pelos avanços do "estatismo" getulista.

Em defesa do Estado,supostamente assaltado por sindicalistas e pelo partido do Getúlio - o PTB - epelos sindicalistas, petebistas e comunistas. Excessiva tributação do Estado,populismo de aumentos regulares do salário mínimo. Denúncias de corrupção.Alianças internacionais com intuitos de abocanhar governos em toda a região,tendo Perón como aliado estratégico.

Era a polarização daguerra fria: democracia contra ditadura, liberdade contra totalitarismo. OEstadão se referia nos seus editoriais ao governo "petebo-castro-comunista",quando falava do governo Jango, uma continuação do de Getúlio.

A Esquerda Democrática,que tinha surgido dentro da UDN, depois se abrigou no Partido Socialista, seopunha ferreamente à URSS (ao stalinismo), aos partidos comunistas e aogetulismo, como um bloco único. Era composta bascamente de intelectuais, osprincipais - como Antonio Cândido, Azis Simão, entre outros - fizeramautocrítica por terem finalmente ficado com a direita contra Getúlio.

O Partido Comunista, queem 1954 tinha ficado contra Getúlio, somando-se à oposição, teve que sentir areação popular, quando os trabalhadores, assim que souberam do suicídio deGetúlio, se dirigiram em primeiro lugar à sede do jornal do PC, para atacá-lo.Um testemunho dramático revela os dilemas em que tinha se metido o PCB: AlminoAfonso, extraordinário parlamentar da esquerda, ia se somar à marcha, apoiadapelos comunistas, contra Getúlio. Quando a marcha chegou ao Largo SãoFrancisco, onde se somariam os estudantes, Almino se deu conta que a marcha eraliderada pelas madames representantes da mais reacionária burguesia paulista.E, nesse momento, se perguntou, onde tinham se metido, com quem, que papelestavam jogando. E se deu conta que estavam do lado errado, com a direita,contra Getúlio.

Atualmente, o blocoopositor ao governo Lula está composto de forças as mais similares àquelas quese opunham a Getúlio. O governo Lula aparece sendo acusado de coisas muitosimilares: estatismo, impostos, sindicalistas, corrupção, apropriação do Estadopara fins partidários, gastos excessivos com políticas sociais, aliançasinternacionais que distanciam o país da aliança com os EUA, favorecendo alideres nacionalistas, etc.,etc. Então e agora, a oposição conta com a SIP -Sociedade Interamericana de Imprensa -, que pregou e apoiou a todos os golpesmilitares no continente.

Como agora, a frentedireitista foi sempre derrotada pelo voto popular, a ponto que a UDN chegou apedir o "voto de qualidade", com o pretexto de o voto de um médico ou de umengenheiro deveria valer mais do que o voto de um operário, no seu desespero desentir que perdia o controle do país para uma coligação apoiada no votopopular.

Da mesma forma que depoisda morte de Getúlio, se chocam o desenvolvimento e o "moralismo" privatizanteda UDN, um projeto nacional e popular e o revanchismo de 1932, que pretende quea elite paulista é a locomotiva da nação, quando ela se apóia no trabalho dosmilhões de trabalhadores superexplorados pelas grandes empresasinternacionalizadas, milhões de trabalhadores, entre os quais se encontram osretirantes do nordeste, que foram construir a grandeza de São Paulo.

O sub-udenismo atual - oprimeiro como tragédia, o segundo como farsa - está tão fadado ao fracasso e adesaparecer de cena - FHC, Tasso Jereissatti, Bornhausen, Marco Maciel, PedroSimon - como desapareceram seus antecessores, a começar por Carlos Lacerda - deque FHC é uma triste caricatura. Inclusive porque agora lhes falta um elementoessencial - poder bater nas portas dos quartéis, pelo que eram chamados de"vivandeiras de quartel". Resta-lhes o traje escuro do luto, cor preferida deLacerda e que cai tão bem em FHC - a cor do corvo, a ave de rapina, ave de mauagouro, a quem só resta ser Cassandra de um caos que souberam produzir, mas quefoi superada exatamente pela sua derrota e seu fracasso. Sobre o seu cadáver seedifica o Brasil para todos.