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"O MEI não pode ser usado para a fragilização das relações de trabalho"

Evento do Instituto Trabalho e Transformação Social (ITTS) debateu a precarização das relações de trabalho no Brasil

Publicado: 01 Julho, 2025 - 13h29 | Última modificação: 01 Julho, 2025 - 13h32

Escrito por: Marihá Maria/ SUL21

Theo Dalla/Assessoria ITTS
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O Instituto Trabalho e Transformação Social (ITTS) promoveu, nesta segunda-feira (30), o painel “Trabalho Pejotizado e Terceirização: a quintessência da exploração e a arquitetura de resistências”, com o objetivo de debater a crescente precarização das relações de trabalho no Brasil. A atividade, articulada com o Pacto Tripartite pela Mitigação de Práticas Degradantes, Desleais e Nocivas de Terceirização e com a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), reuniu especialistas na área.

Com mediação da técnica do Dieese e consultora do ITTS, Lúcia Garcia, o encontro contou com a participação da procuradora do Ministério Público do Trabalho no RS, Priscila Dibi Schwarcz, do técnico do Dieese e diretor da ABET, Alisson Droppa, e do advogado e coordenador do ITTS, Antônio Castro.

No primeiro painel, a procuradora Priscila Schwarcz abordou o uso crescente do modelo de Microempreendedor Individual (MEI) em substituição ao trabalho com carteira assinada. De acordo com dados do IBGE, o número de MEIs no país passou de 1,5 milhão entre 2021 e 2022 para 16,2 milhões em 2025.

Entretanto, ela questiona quem são essas pessoas que os registros de trabalho apontam como empreendedores. Como a procuradora explica, o MEI, teoricamente, é um empreendedor autônomo que assume riscos e define preços e formas de prestação de serviço. No entanto, muitas vezes, a relação se assemelha a um contrato de trabalho formal disfarçado, com subordinação e perda de direitos trabalhistas como férias, FGTS e hora-extra.

“O MEI não pode ser usado para a fragilização das relações do trabalho. Quando o MEI foi criado, o objetivo era formalizar empreendimentos e fazer uma política de inclusão social e previdenciária”, aponta.

Schwarcz também destacou a importância do julgamento do Tema 1389 no Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a licitude da contratação de pessoas jurídicas ou autônomos em substituição ao vínculo empregatício formal. Segundo ela, a decisão poderá impactar diretamente a legislação trabalhista brasileira e a rede de proteção social.

“Se o empregador quiser contratar empregados, ele vai contratar. Neste caso, ele tem que cumprir a CLT. Agora, caso ele não queira, porque tem a livre iniciativa, livre concorrência, liberdade de organização da empresa, contrata como MEI, como PJ e pela simples forma deste contrato, afasta toda a incidência da legislação trabalhista”, explica.

O advogado Antônio Castro reforçou a preocupação com os efeitos dessas práticas sobre a previdência social e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), alertando para a consequente perda de capacidade do Estado em executar políticas sociais. Para ele, o julgamento do STF representa um ataque direto ao direito do trabalho. “Se acabar o princípio da primazia da realidade, acaba o direito do trabalho. Isso destrói a Justiça do Trabalho e coloca em risco o próprio Estado Social”, afirmou.

Castro ainda reforça sobre o impacto da situação em todo o país: “O país vai quebrar. Para enriquecer meia dúzia, o custo é o país quebrado, não é essa. Tem uma meia dúzia que vai ficar mais rica do que nunca, mas o custo é o país, a previdência, o fundo de garantia, com todo o custo social que isso pode ter”, aponta.

Em sua exposição, o técnico do Dieese e diretor da ABET, Alisson Droppa, apresentou um panorama histórico da terceirização no Brasil e sua conceitualização. . “Quando está presente um terceiro na relação empregado e empregador é terceirização. Independente do formato que ela ocorre. Independente se é um MEI que é contratado, independente se é uma pessoa física ou se é um PJ. Quando há essa interferência, é terceirização”, pontuou.

Ele realiza uma comparação sobre a terceirização na Justiça de Trabalho brasileira e Argentina. No Brasil, antes de 2017, não havia regulamentação específica para terceirização, exceto para trabalho temporário e serviços de limpeza e vigilância. A regulamentação se deu através de enunciados e súmulas do TST, posteriormente com a lei da terceirização e a reforma trabalhista. A Argentina, em contraste, iniciou o debate sobre o tema muito antes, com a primeiro formato de regulamentação instaurado em 1974.

No entanto, segundo ele, o governo de Javier Milei tem revertido esse cenário, descredibilizando a justiça trabalhista. Diante das mudanças em curso no país vizinho, o diretor da ABET observa que o cenário atual apresenta semelhanças com o que foi construído no Brasil, culminando na reforma trabalhista e em outras medidas implementadas durante o governo Bolsonaro.

Encerrando o evento, Antônio Castro destacou a importância da resistência popular frente aos ataques ao Estado Democrático de Direito e à proteção social. “É surpreendente a resiliência do Estado Social no Brasil. Resistimos à reforma trabalhista, às tentativas de destruir o sistema presidencialista, às investidas para enfraquecer o país. Essa resistência popular precisa ser reconhecida e fortalecida”, disse.