Argentina quer adotar norma conquistada pela CUT
NR 36, de proteção a operários que cortam frango na indústria frigorífica, inspira governo do país vizinho
Publicado: 26 Novembro, 2014 - 15h29 | Última modificação: 26 Novembro, 2014 - 15h45
Escrito por: Isaías Dalle

O governo argentino está interessado em adotar uma norma de proteção à saúde dos trabalhadores já em vigor no Brasil, nascida em virtude dos esforços de mobilização e elaboração da Contac (Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores das Indústrias da Alimentação), da CUT.
A Norma Regulamentadora 36 (NR 36), que começou a ser elaborada pela Contac há 15 anos e passou a valer no último mês de abril, pretende proteger quem trabalha no corte de frangos na indústria frigorífica.
Amanhã, quinta, dia 27, o ministro do Trabalho da Argentina, Carlos Afonso Tomada, terá audiência com Siderlei Oliveira, presidente da Contac-CUT, e com dirigentes da UITA (União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação), para conhecer o projeto e estudar como implementá-lo. O encontro será em Buenos Aires.
A chegada dos grandes frigoríficos BR Foods (detentora das marcas Seara e Friboi) e Marfrig à Argentina, mais os alertas da UITA e da Contac, despertaram o interesse do governo do país vizinho.
Ritmo controlado
“Com ação articulada com os sindicatos argentinos e com entidades ligadas à UITA, pretendemos construir uma mesma legislação nos dois países nessa questão da saúde e segurança”, explica Siderlei.
A NR 36 tem 216 itens indicando procedimentos que as empresas do setor devem adotar para impedir acidentes de trabalho. Na opinião de Siderlei, os dois mais importantes referem-se à obrigatoriedade de 60 minutos de pausa, intercalados ao longo do dia, para os trabalhadores, e a fixação de uma velocidade máxima para os equipamentos da linha de produção.
Nos frigoríficos, os frangos – gelados – são transportados através de uma esteira suspensa, e os operários responsáveis pelo corte, em pé, separam as partes das aves de acordo com o pedido do cliente. Boa parte dos produtos é para exportação, então há cortes determinados segundo critérios culturais e religiosos dos países compradores.
Condições selvagens
Antes da NR 36, as condições de trabalho eram selvagens. Como a esteira não tinha velocidade determinada, os trabalhadores e trabalhadoras eram obrigados a se desdobrar para dar conta dos frangos que passavam à frente deles. Como é de se imaginar, essas condições facilitavam acidentes com os objetos cortantes. E manusear aves semicongeladas, ao longo do tempo, produz uma série de atrofias.
Assim, mutilações, atrofias e articulações permanentemente enrijecidas tornaram-se uma marca no setor. O Ministério da Previdência não tem dados específicos sobre os frigoríficos de aves. As estatísticas oficiais referem-se à indústria de carnes como um todo, incluindo, portanto, bovinos e suínos. Na apuração mais recente, entre 2010 e 2012 foram registrados 61.966 acidentes no setor, com 111 mortes. O número de auxílios-doença foi de 8.138, no mesmo período.
Segundo Siderlei, ainda não é possível detectar os efeitos positivos da NR 36, pois metodologia de apuração oficial não foi ainda elaborada. “Porém, o número de trabalhadores acidentados que procuram nossos sindicatos vem caindo visivelmente”, conta. O presidente da Contac-CUT informa que será criado um grupo tripartite para a elaboração de um método específico de medição de acidentes e adoecimento nos frigoríficos avícolas.
Frangos na mobilização
Até a aprovação da NR 36 no Brasil, houve um longo caminho. Em 1999, a Contac lançou os primeiros sinais de alerta e começou a elaborar o diagnóstico das principais causas de acidente, morte e adoecimento. Muita pressão sobre os governos e também mobilizações, de rua ou, pequenas, mas em espaços estratégicos.
“Fizemos panfletagem em lugares como o Festival de Cinema de Gramado, chamando a atenção do público e dos artistas para o problema”, lembra Siderlei. Uma das mais importantes, segundo ele, aconteceu na Conferência da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em Genebra, no ano de 2012.
Sempre acompanhado de pessoas vestindo fantasias de frango que dificilmente passavam despercebidas, Siderlei entrou no salão da OIT onde ocorria a Conferência, chamou a atenção de fotógrafos e cinegrafistas e, como pretendia, foi chamado a se explicar no microfone da tribuna principal.
“Contei o que estava acontecendo no Brasil. Dias depois, 12 grandes encomendas de frango congelados feitas pelo Japão foram canceladas. Começou assim uma pressão internacional que nos ajudou a convencer governo e empresas a adotar uma legislação pra proteger os trabalhadores”, lembra.
Em 2008 foi instituída pelo governo uma comissão tripartite (sindicatos, empresas e ministérios) para elaborar um conjunto de procedimentos que deram origem à NR 36. Em abril de 2013, a norma foi aprovada e, um ano depois, entrou em vigor.
Multa histórica
No último dia 19, O Tribunal Superior do Trabalho condenou a empresa Seara a pagar uma indenização de R$ 10 milhões, por danos morais, em função de não respeitar uma outra regra de proteção à saúde de seus trabalhadores, a lei 253, voltada a quem trabalha nas câmaras frigoríficas. A 253 é anterior à NR 36.
A multa atende a ação coletiva impetrada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentação de Criciúma e Região, filiado à CUT. Os R$ 10 milhões que a Seara vai ter de pagar serão destinados a um fundo da justiça do trabalho voltado a políticas de prevenção de acidentes para os trabalhadores do setor naquela região.