Movimentos sindical e social, ONGs e academia...
Debatedores destacam unidade e pensam nos próximos passos. América do Sul é apontada como centro irradiador das mudanças
Publicado: 26 Setembro, 2012 - 17h22
Escrito por: Isaías Dalle
Três meses após seu encerramento, a Cúpula dos Povos foi avaliada por um grupo de dirigentes sindicais e de movimentos sociais, professores universitários e ambientalistas, em recente reunião realizada em São Paulo. O encontro foi organizado por iniciativa da CSA (Confederação Sindical das Américas) e do Idecri (Instituto para o Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais) e contou com a participação da CUT.
A unificação dos movimentos sociais no decorrer da Cúpula dos Povos, atividade paralela à agenda oficial da Rio+20, foi interpretada como importante resultado. Especialmente pelo fato de essa unidade ter sido vista por setores do movimento, antes do início da Cúpula, como um objetivo difícil de ser atingido.
O que teria produzido essa unificação foi a busca, dentro de uma série de reivindicações e ideias ampla e multifacetada, por propostas que pudessem ser mais facilmente traduzíveis para a sociedade, factíveis no longo prazo e em torno das quais houvesse consenso de todos os movimentos e ONGs envolvidos no debate.
O encontro foi realizado na sede da Contraf, na capital paulista
Destaque para a proposta de criação de uma taxa internacional sobre a especulação financeira – apelidada de “Taxa Robin Hood” – para financiar o que foi definido como “transição justa”. Esta, por sinal, outra formulação que unificou os movimentos sociais que participaram da Cúpula.
A transição justa pode ser definida como o planejamento e execução de etapas que levem a uma mudança nas formas de produção e consumo, em defesa da preservação do meio ambiente e de um desenvolvimento sustentável, sem esquecer que os trabalhadores e trabalhadoras hoje em atividade em setores econômicos considerados poluentes possam, junto com as futuras gerações, preparar-se para as mudanças e ao mesmo tempo garantir requalificação, emprego e renda.
No tocante ao mundo do trabalho, outro resultado da Cúpula destacado pelos debatedores foi a clara definição do que devem ser os chamados “empregos verdes”, expressão candidata a modismo. “Emprego verde é emprego com direitos e remuneração justa, deve ser instrumento de combate às desigualdades sociais e não uma nova forma de apropriação capitalista”, comentou Artur Henrique, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT.
Vânia Viana, assessora que representou a Secretaria de Meio Ambiente da CUT na reunião, destacou também que um dos resultados positivos da participação na Rio+20 e na Cúpula é que o debate sobre o desenvolvimento sustentável e seus quatro pilares – social, ambiental, econômico e político – foi incorporado às propostas da CSI, CSA e CUT, passando a compor a agenda sindical.
A unidade conquistada ao final da Cúpula, sintetizada no documento final e na realização de uma marcha pelas ruas do Rio de Janeiro, tornou-se, na opinião dos dirigentes que participaram do encontro de avaliação, ainda mais importante tendo em vista certo desânimo e descrença em relação à Rio+20, em virtude da ausência de líderes mundiais importantes e a recusa de países como EUA, China e Rússia em se comprometer com metas de desenvolvimento sustentável avançadas em relação ao que havia sido acordado vinte anos antes, na Eco 92.
Como pano de fundo político para as ausências e recusas, está o enfraquecimento institucional da ONU como fórum de decisões multilaterais. “O sistema ONU está em crise. Criado no contexto do pós-Segunda Guerra, num mundo cada vez mais bipolarizado, não consegue mais avançar na conjuntura atual, em que o mundo está multipolarizado”, comentou o professor João Paulo Veiga, pesquisador da USP.
Tal cenário abre, por outro lado, uma oportunidade para que a América do Sul coloque peso na questão e interfira nas decisões internacionais, na opinião de Josué Medeiros, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da UERJ.
Ele ainda comentou, sobre este ponto: “Os organismos multilaterais continuam pensando as saídas apenas pelo ponto de vista neoliberal, e não conseguem caminhar porque não têm mais hegemonia, não têm base social”. Na Europa, onde o sistema financeiro tem conseguido impor soluções recessivas para os países em crise, Josué comenta: “Os neoliberais ainda têm importantes governos por lá, mas isso pode mudar nas eleições futuras, mesmo na Alemanha, onde a Angela Merkel sofreu derrotas eleitorais recentes”.
Josué enxerga no debate ambiental uma grande oportunidade de reconstruir a unidade dos movimentos sociais na América do Sul, da mesma forma que o combate à ALCA o foi, em 2002, como reflexo e ao mesmo tempo agente do processo de ascensão de governos progressistas na região. “Acredito que o meio para avançar essa agenda passa pela América do Sul”, afirmou.
Foco e prioridade – Artur Henrique lembrou que “o grande saldo” da Cúpula foi resultado de um esforço real por sistematizar as propostas apresentadas nas assembleias que ocorriam, muitas vezes de maneira simultânea, durante a atividade. Isso foi, em sua opinião, essencial para permitir a construção do documento final conjunto. “Para avançar essa pauta social, sindical e ambiental temos de ter organização, foco e prioridade”, lembrou. O Fórum Social Mundial foi citado, por mais de um debatedor, como referência, e sua prática de não produzir documentos finais como um dos fatores de seu “esvaziamento” político com o passar dos anos.
Os participantes também destaram que os capitalistas têm se apropriado rapidamente da plataforma ambiental, e com muita habilidade comunicacional. Rafael Freire, secretário de Desenvolvimento Sustentável da CSA, lembrou que não se pode aceitar nada que vier do Norte, como imposição, e muito menos soluções de mercado, que passam pela privatização ou mercantilização do ambiente. Algo como os comerciais da Coca-Cola que apresentam a empresa como amiga da natureza através de reciclagem de garrafas PET, lembrou Daniel Angelim, da área de Meio Ambiente e Trabalho da CSA.
Ou a abertura de novas minas de platina na África do Sul, onde recentemente aconteceram trágicos embates entre trabalhadores explorados e forças de repressão, com o propósito de usar o metal, ironicamente, na construção de carros “ecológicos”, citou Analu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.
Kjeld Jakobsen, consultor da CUT, propôs que a forma de fazer frente às tentativas dos governos de trazer aporte financeiro dos grandes conglomerados para projetos na área é a taxação das transações financeiras internacionais. “Essa é a nossa forma de sustentar financeiramente essa luta”.
Outra forma de barrar o caminho da mercantilização do tema, lembrou, é defender o patrimônio ambiental como bem público, por sinal outra resolução reafirmada no documento final da Cúpula, notadamente no caso da água, energia, alimentos.
A unidade alcançada pela Cúpula já trouxe, na opinião de Daniel Angelim, reflexos positivos nos movimentos sociais aqui no Brasil. Citou como exemplo o Encontro Unitário dos Trabalhadores, trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, realizado em Brasília entre os dias 20 e 22 de agosto.
O grupo que debateu o tema pretende realizar novas reuniões e, desde já, cada um em seus espaços, fazer avançar as propostas firmadas na Cúpula. Em 2015, segundo cronograma estabelecido pela Rio+20, os Objetivos do Milênio da ONU serão substituídos por Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – e, neste ponto, os movimentos sociais acreditam que o maior desafio é atrelar esses objetivos com instrumentos concretos de medição de resultados e cumprimento de prazos.