Morte de bebês de grávida em frigorífico é falha grave na proteção à maternidade
Para secretária da CUT a morte das gêmeas durante trabalho de parto na BRF é cultura empresarial que trata a maternidade como obstáculo à produtividade. Contac denuncia recusa de atestados médicos de grávidas
Publicado: 03 Julho, 2025 - 13h30 | Última modificação: 03 Julho, 2025 - 14h38
Escrito por: Luiz R Cabral | Editado por: Rosely Rocha

A decisão da Justiça do Trabalho em condenar a empresa BRF pela morte de dois fetos em uma unidade da empresa, em Lucas do Rio Verde (MT) reacendeu o debate sobre as condições de trabalho oferecidas às gestantes no setor frigorífico.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Gomes Corcino, “o episódio é um reflexo de uma cultura empresarial que desrespeita os direitos reprodutivos e trata a maternidade como obstáculo à produtividade”.
A advogada Luciana Barretto do escritório LBS que atende a CUT Nacional, defende que o cuidado com a vida reprodutiva seja tratado como responsabilidade coletiva e institucional. Garantir que gestantes possam trabalhar, parir e cuidar em condições dignas é, segundo ela, “um imperativo ético e legal”.
“O trabalho de maternar sustenta a base da sociedade. Tratá-lo como fardo é negar sua importância social e econômica”, afirmou a advogada. Para Luciana, a mudança exige mais do que decisões judiciais: “requer revisão das práticas empresariais e compromisso do setor produtivo com os direitos humanos”.
Negligência como regra
Segundo o presidente da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores da Alimentação (Contac), a recusa sistemática de atestados médicos apresentados por trabalhadoras grávidas é comum em empresas como BRF e JBS. “A prática não só viola a legislação, como coloca vidas em risco”, afirmou Josimar.
Entre os fatores que agravam o risco à gestação nesse segmento empresarial, a Contac destaca a exposição a baixas temperaturas, o uso de amônia — gás tóxico comum em sistemas de refrigeração — e o ruído excessivo. “A amônia é um agente que pode provocar aborto espontâneo. Não se pode descartar essa hipótese no caso da BRF”, alertou o presidente da entidade.
Discriminação e silêncio institucional
A Contac também apontou que há sinais de discriminação estrutural no segmento, sobretudo contra mulheres imigrantes. Muitas, por não estarem com a documentação regularizada, evitam denunciar violações e acabam submetidas a condições ainda mais precárias. A trabalhadora que perdeu os bebês é de origem venezuelana.
“É uma combinação perversa de machismo, racismo e xenofobia”, disse Josimar.
O que aconteceu
Segundo os autos, uma trabalhadora migrante de 32 anos, grávida de oito meses, perdeu as duas filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto, sem acesso a atendimento médico. O caso, registrado em abril de 2024, resultou na condenação da empresa ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais e físicos — R$ 75 mil por cada bebê — além das verbas rescisórias.
De acordo com os autos, a funcionária atuava no setor de aves desde junho de 2023. No dia 23 de abril de 2024, pouco depois das 3h40 da madrugada, ela começou a passar mal no início do turno. Apresentando náuseas, dores abdominais, tontura e dificuldade para respirar, pediu ao supervisor autorização para se retirar. A solicitação foi negada sob a alegação de que sua ausência comprometeria o andamento da linha de produção.
Mesmo com o agravamento do quadro, a trabalhadora não foi encaminhada ao setor de saúde da empresa. Testemunhas relataram que ela insistiu repetidamente por ajuda, mas não obteve retorno. Sem alternativas, decidiu deixar o posto por conta própria. Sentou-se em um banco próximo à portaria e aguardou transporte. Foi ali, dentro das dependências da empresa, que entrou em trabalho de parto. Às 6h30, deu à luz a primeira filha, que morreu logo após o nascimento. A segunda bebê nasceu minutos depois, mas também não resistiu.
O que disse a Justiça
A decisão judicial no dia 23 de junho, que condenou a empresa ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais reconheceu falha grave: a trabalhadora, em fase avançada da gestação, entrou em trabalho de parto na unidade e não recebeu atendimento médico adequado. A sentença apontou omissão da empresa e desrespeito às normas básicas de saúde e segurança no trabalho.
“150 mil reais são muito pouco por um fato tão deprimente como esse. A gente condena isso, sem dúvida alguma, são vidas que estão sendo perdidas, são trabalhadores que estão ficando doentes e a gente acha muito que a justiça coloque valor numa situação como essa”, afirmou Josimar Luiz Cecchin.
A BRF tentou argumentar que os partos ocorreram fora do frigorífico, em área pública. No entanto, imagens das câmeras internas, apresentadas pela defesa, confirmaram que os nascimentos ocorreram no interior da unidade.
Para a Justiça ficou comprovada a omissão da empresa diante de uma emergência médica. A sentença reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base na falta grave cometida pelo empregador. A decisão é da 2ª Vara do Trabalho do município de Rio Verde e ainda cabe recurso.