Linha 4 do metrô paulista
Publicado: 31 Julho, 2007 - 16h29
Escrito por: Mais de seis meses depois da tragédia, famílias aguardam resposta do governador
Após o acidente com o Airbus da TAM no Aeroporto de Congonhas, o termo "tragédia anunciada" se tornou lugar comum para emissoras de rádio, televisão, jornais e páginas na Internet. Porém, Zelma Marinho já o conhece há muito tempo.
Ao lado da família de sete pessoas, a bióloga, funcionária da Universidade de São Paulo (USP) e líder do Movimento dos Moradores de Pinheiros, mora num sobrado da Rua Amaro Cavalheiro, no bairro da oeste de São Paulo. Desde dezembro de 2005, alertava aos engenheiros do consórcio Via Amarela, composto por CBPO Engenharia, Queiroz Galvão, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, responsável pela construção da Linha 4, sobre rachaduras na residência.
Exatos 197 dias após o acidente que deixou sete mortos, além do medo de desabamento, ela precisa conviver com o silêncio que toma conta do governador José Serra em relação ao assunto. Zelma gostaria que ele tivesse respostas para a casa que ameaça cair, assim como possui para os problemas ligados ao sistema aéreo do Brasil.
A dor se transforma em manipulação
Porém, aos poucos ela consegue entender a diferença de tratamento do tucano sobre as duas questões. O governador de São Paulo quer ser presidente e conta com fortes aliados na imprensa e no meio patronal.
Exemplo disso foi a manifestação do último domingo, comandada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), secção São Paulo. A mesma entidade paulista que defende a flexibilização das relações trabalhistas e o enfraquecimento dos fiscais do Ministério do Trabalho, por meio da Emenda 3, contra a qual a CUT luta para não permitir a transformação de todos os trabalhadores em Pessoas Jurídicas, sem acesso a direitos como 13.º salário e licença-maternidade, comandou o ato público, "Cansei de Caos Aéreo".
O grupo que se auto-intitula "Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros" foi o responsável pela organização. Entre os participantes, além da OAB-SP, João Dória Júnior, que arrecadou recursos para a campanha do candidato derrotado à presidência na última eleição, Geraldo Alckmin e Sérgio Gordilho, presidente da agência de publicidade África, responsável pela campanha de Serra à presidência, em 2002. Também compõem a equipe membros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Confederação Brasileira de Jovens Empresários.
Não há nenhum representante dos movimentos sociais do país. Somente patrões, que manipulam para transformar dor e consternação em disputa política. Enquanto isso, Zelma, ainda está sem respostas.
História de desrespeito
"Em dezembro de 2005, uma casa próxima já havia desabado. Seis meses depois, a espessura das rachaduras era de um dedo e resolvemos contratar uma companhia de engenharia particular para fazer a avaliação", afirma. O engenheiro concluiu que o problema acontecia graças ao rebaixamento do solo.
Após comunicar a Companhia do Metrô, em setembro de 2006, e ouvir que deveria procurar o consórcio, recebeu a visita de Igor Portela, profissional designado pelo Via Amarela. A constatação foi simples: a casa iria cair porque estava velha.
Diante do absurdo, Zelma Marinho solicitou outra averiguação. A situação ficou pior ainda. "O engenheiro Flávio Zioni visitou nossa casa e em tom de deboche e ironia repetiu o primeiro laudo, dizendo que nunca teve infarto até envelhecer. Ainda teve a cara-de-pau de dizer que as rachaduras poderiam ser causadas pelo barulho do escapamento das motos", aponta, indignada.
Depois disso, apesar das constantes reclamações, os moradores da região nunca mais foram atendidos pelo governo de São Paulo. Até acontecer o pior: o surgimento da cratera, no dia 12/01.
Quarto interditado
Mesmo após o acidente, o Estado fugiu de sua responsabilidade. No dia 18 de janeiro, um arquiteto visitou a casa e interditou um quarto, como se o cômodo pudesse ser dissociado do resto da residência. Somente com a ajuda da Defensoria Pública, Zelma conseguiu fazer com que o governo paulista pagasse a estadia da família em um hotel.
Contudo, ironicamente, a mesma juíza que concedeu a liminar, a cassou, nove dias depois. Assim, todos tiveram que voltar para a casa que pode cair a qualquer momento.
Enquanto aguarda a resposta de um processo que corre na defensoria, observa outros absurdos, como o caso de Pascoal Bianco, outro morador da rua e cuja casa foi interditada. Idoso, seu destino foi um albergue público.
Outras 38 pessoas continuam sem um lar definitivo e mais 14 imóveis permanecem interditados.
"Não pago impostos para o consórcio, mas para o governo do Estado, há um jogo de empurra-empura no governo paulista. Não tive resposta de ninguém até agora", aponta.
Precarização dentro e fora da cratera
Se o governo não demonstra sensibilidade para dialogar com os cidadãos do Estado, a situação não é diferente em relação aos empregados do Consórcio Via Amerela.
Além da alta rotatividade, os trabalhadores convivem com a falta de equipamentos de proteção e lesões por esforço repetitivo, fruto da necessidade de terminar rapidamente as obras. "O que vemos é um processo de quarteirização, pois o Estado delega a função de desenvolvimento a empresas terceirizadas, que por sua vez repassa para outros grupos", afirma Waldemar Oliveira, presidente da Confederação de Trabalhadores em Empresas da Construção Civil (Conticom).
De acordo com dados da Conticom, 71% dos funcionários do setor não tem carteira assinada. Outros 54%, apesar de ligados a empresas, não tem registro.