LGBTQIA+: CUT realiza encontro formativo com foco em direitos humanos e inclusão
Seminário “LGBTQIA+ no Mundo do Trabalho: Direitos Humanos para a Atuação Sindical, em parceria coma Unifesp e de caráter formativo abordou temas como políticas de inserção e realidade do mercado de trabalho
Publicado: 13 Outubro, 2025 - 13h00 | Última modificação: 13 Outubro, 2025 - 13h13
Escrito por: André Accarini

De 10 a 12 de setembro, em São Paulo, a CUT realizou o 6º Encontro do Coletivo LGBTQIA+ da Central, com o Seminário “LGBTQIA+ no Mundo do Trabalho: Direitos Humanos para a Atuação Sindical”, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O evento teve caráter formativo e reuniu lideranças sindicais de todo o país para discutir diversidade, igualdade, democracia e os desafios da classe trabalhadora LGBTQIA+ no mundo do trabalho.
Walmir Siqueira, Secretário Nacional de Políticas LGBTQIA+ da CUT, afirmou ao Portal CUT que o seminário teve papel essencial na consolidação de um sindicalismo que reconhece a pluralidade da classe trabalhadora.
“O seminário foi um apanhado, uma espécie de resumo do que será o curso de formação. É importante nós nos organizarmos, nos formarmos. Esse espaço é para fortalecer nossas pautas, formar quadros e garantir que a diversidade esteja presente em todas as instâncias da CUT”, destacou.
Siqueira explicou que o objetivo foi criar uma base sólida para as próximas formações nacionais da Central. “A ideia é que a formação seja contínua, que gere multiplicadores e que cada estado fortaleça seus coletivos. Precisamos nos comunicar, nos mostrar, dar visibilidade à seriedade desse trabalho. Muita gente acha que é só festa, mas é uma formação sindical com propostas políticas e jurídicas concretas.”
O encontro promoveu um resgate histórico das pautas LGBTQIA+ no sindicalismo brasileiro, discutiu a interseccionalidade entre gênero, raça e classe, e trouxe experiências práticas de inclusão, resistência e acolhimento dentro das estruturas sindicais.
Solidariedade e transformação sindical
A mesa de abertura, “Solidariedade, políticas de aliança e o papel de trabalhadoras e trabalhadores LGBTQIA+ na transformação sindical”, reuniu Bel Sá, coordenadora-geral do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+; Renan Quinalha, professor da Unifesp e presidente do GT de Memória e Verdade LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos; e Walmir Siqueira, secretário nacional da CUT.
Durante a abertura, Walmir ressaltou a importância da organização coletiva e da criação de espaços de acolhimento dentro das entidades. “É um reflexo da sociedade. O sindicalista entra na sociedade como outro qualquer. Então não é porque é sindicalista que não vai ter LGBTfóbicos”, observou.
Ele reconheceu que ainda há resistência dentro do próprio movimento sindical e apontou o medo como um dos principais desafios para a visibilidade. “Tem gente que prefere esperar chegar a uma posição de liderança para se assumir. Isso mostra que o preconceito ainda é forte e que a luta é dentro e fora do sindicato.”
Walmir destacou ainda a necessidade de construir estratégias de acolhimento e sigilo, para garantir segurança a quem teme se expor. “A estratégia dos bancários do Rio de Janeiro é um bom exemplo: o coletivo garante o sigilo das pessoas que participam. Há grupos fechados, reuniões online. Tudo é válido para criar coletivos e acostumar as pessoas com a presença LGBTQIA+ nas direções e instâncias sindicais.”
Matéria da CUT é citada durante palestra de Renan Quinalha (@renan_quinalha) no encontro LGBTQIA+ no mundo do trabalho: formação em direitos humanos para atuação sindical.
— CUT Brasil (@CUT_Brasil) October 13, 2025
11/10/2025 - São Paulo, SP
Roberto Parizotti pic.twitter.com/eSvZcYZkss
Trajetória histórica de luta
A mesa “A história das lutas LGBTQIA+ no movimento sindical”, conduzida por Renan Quinalha e João Macedo, abordou o percurso histórico das lutas LGBTQIA+ no movimento sindical e suas conexões com a luta de classes.
Quinalha traçou um panorama desde o final do século XIX, destacando figuras como August Bebel, parlamentar socialista alemão que, em 1898, defendeu a revogação do Parágrafo 175 — lei que criminalizava relações entre pessoas do mesmo sexo —, e Magnus Hirschfeld, fundador do Instituto de Ciência Sexual de Berlim, primeiro espaço público destruído pelo nazismo. Também citou o ativista norte-americano Harry Hay, trabalhador dos correios e fundador da Mattachine Society, e a experiência do grupo Gays e Lésbicas de Apoio aos Mineiros (LGSM) durante a greve de 1985 na Inglaterra.
Entre várias passagens históricas, no Brasil e no mundo, que simbolziaram a luta pelos direitos de LGBTQIA+, Quinalha resgatou o histórico de 1º de Maio de 1980, no Brasil, quando cerca de 50 homossexuais marcharam em São Bernardo do Campo com a faixa “Contra a discriminação do trabalhador homossexual”, e destacou a trajetória de Herbert Daniel

Daniel, guerrilheiro e homossexual assumido, abandonou o curso de Medicina na UFMG para integrar grupos da luta armada como Colina e VAR-Palmares, ao lado de Dilma Rousseff. Dentro da organização, revelou sua orientação sexual, mas foi reprimido por dirigentes que trataram o tema como um “problema pequeno-burguês”. Diante disso, decidiu suprimir sua sexualidade em nome da revolução.
Tornou-se mais tarde referência no ativismo contra o HIV/AIDS, fundando o Grupo Pela Vida e difundindo o lema “Viva a Vida”, que marcou a virada do discurso da morte para o da esperança. Também teve papel político, participando da fundação do Partido Verde e sendo candidato pelo PT e pelo PV nos anos 1980.
Quinalha destacou que sua trajetória expressa a tensão e a solidariedade entre a luta revolucionária e a identidade homossexual, sendo um dos símbolos da história do ativismo LGBTQIA+ e da luta contra a AIDS no Brasil.
João Macedo, coordenador do Coletivo LGBTQIA+ da CUT-DF e professor da rede pública, apontou que o movimento sindical brasileiro ainda carrega uma herança cis-heteronormativa e colonial. “Nós precisamos falar de trabalho e renda, não de empregabilidade. A empregabilidade tira a responsabilidade do Estado e coloca sobre o trabalhador. O papel do sindicato é garantir direitos, não adaptar a precarização.”
Ele defendeu que a formação política é o caminho para transformar a estrutura sindical: “A pauta LGBTQIA+ precisa estar nos documentos, nas resoluções, nos acordos. Não pode ser periférica.”
Direitos trabalhistas e o papel do sindicato
A mesa seguinte, “Diálogos entre direitos trabalhistas e direitos LGBTQIA+: jurisprudência, negociação coletiva e antidiscriminação”, reuniu Matheus Cunha Girelli, advogado da LBS Advogadas e Advogados; Henrique Figueiredo de Lima, advogado sindical e pesquisador da UFMG; e Regina Stela Corrêa Vieira, professora de Direito da Unifesp.
Henrique Lima destacou a fragilidade das garantias legais no Brasil. “Não temos uma legislação específica que assegure os direitos das pessoas LGBTQIA+. Tudo o que conquistamos veio do STF, mas não é lei, e decisões podem mudar.”
Ele defendeu que os sindicatos têm papel essencial na proteção de trabalhadores e trabalhadoras LGBTQIA+, por meio de cláusulas em convenções coletivas e canais de acolhimento a vítimas de discriminação.
Girelli reforçou a crítica à exploração capitalista que se aproveita da diversidade como fachada. “A LGBTfobia não é apenas um efeito do capitalismo, mas um mecanismo que o mantém. Empresas que iluminam prédios com as cores da bandeira são as mesmas condenadas na Justiça do Trabalho.”
A professora Regina Stela Vieira lembrou que o discurso de neutralidade no ambiente de trabalho mascara desigualdades. “Quando se diz que trabalho e identidade não se misturam, ignora-se que o trabalho é um espaço atravessado por gênero e sexualidade. E quando o judiciário é formado por 95% de magistrados heterossexuais, brancos e ricos, isso se reflete nas decisões.”

Interseccionalidade e a superação do identitarismo
A mesa “Identidades para além do identitarismo: interseccionalidades entre raça, identidade de gênero, deficiência, sexualidade e classe” trouxe Anna Paula Vencato, professora da UFMG; Paloma Santos, diretora da CONTRACS/CUT; e João Macedo.
Anna Vencato apresentou uma crítica ao identitarismo e defendeu a interseccionalidade como ferramenta de transformação coletiva. “O problema do identitarismo é que ele impede a luta política. A lógica do ‘eu igual a eu’ fragmenta e nos distancia da construção coletiva.”
Paloma Santos abordou o recorte racial e a invisibilidade da população LGBTQIA+ em situação de cárcere. “Noventa por cento das travestis e mulheres trans estão na informalidade ou no trabalho sexual. E o movimento sindical ainda não discute a situação das pessoas LGBTQIA+ egressas do sistema prisional.” Ela relatou o caso de uma mulher trans estuprada em cela masculina, como exemplo extremo de violência institucional.
Macedo encerrou reforçando que a interseccionalidade precisa ser incorporada à prática sindical. “Precisamos pensar se estamos construindo o sindicato do futuro ou o futuro do sindicato. E esse futuro tem que ser diverso.”
Políticas de inclusão e diversidade
No domingo, o debate “Políticas de inclusão e diversidade LGBTQIA+ nos setores público, privado e sindical” contou com Iggor Felipe de Lima Moreira, presidente da Comissão de Diversidade da OAB Diadema, e Walmir Siqueira.
Siqueira avaliou o encontro como um marco para a consolidação da agenda LGBTQIA+ na CUT. “Estamos avançando. Mas ainda há nove estados onde as CUTs estaduais não têm coletivos LGBTQIA+. Nossa meta é que até o final do ano todos os estados tenham seus coletivos formalizados.”
Ele informou que o Amazonas será o próximo a realizar uma reunião educativa para fundar o coletivo estadual. “Cada passo é importante. É com formação, paciência e acolhimento que a gente vence o medo.”
Veja a galeria de fotos do primeiro dia das atividades
Outras atividades
A programação do seminário também contou com debates sobre a ofensiva da extrema-feria contra a população LGBTQIA+ na mesa “Direitos sob ataque: neoconservadorismo, ultradireitas e neoliberalismo”; o enfrentamento a violências de trabalho na mesma “Informalidade, ascensão na carreira e oportunidades”, além de oficinas temáticas, voltadas à criação de coletivos, comunicação sindical e mobilização política, realizadas no sábado à tarde. As oficinas buscaram instrumentalizar dirigentes para agir de forma articulada e segura nas bases.
A formação incluiu ainda a visita guiada ao Museu da Diversidade Sexual, localizada na estação República do Metrô, onde os participantes puderam conhecer o acervo e refletir sobre as conquistas históricas do movimento LGBTQIA+. “Essas vivências fortalecem a consciência de que a nossa luta é coletiva e parte da história do Brasil”, resumiu Walmir Siqueira.
Compromisso com a democracia e a diversidade
O encontro reafirmou o compromisso da CUT com a defesa dos direitos humanos, da diversidade e da democracia, reforçando que a luta LGBTQIA+ é parte da luta de classes. “Um sindicalismo forte é o que acolhe todas as identidades da classe trabalhadora”, concluiu Walmir Siqueira.
Como resultado do 6º Encontro do Coletivo LGBTQIA+ da CUT, o consenso de que não há emancipação possível sem pluralidade, e que a construção de um sindicalismo interseccional é condição para uma sociedade realmente justa e igualitária.
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