Justiça intima AES e Duke Energy
Multinacionais norte-americanas não ampliaram geração apesar das tarifas mais altas do mundo
Publicado: 22 Julho, 2009 - 11h01
Escrito por: Carlos Lopes/HP
A AES Tietê, pertencente à multinacional norte-americana AES Corporation, foi intimada pela Justiça, na semana passada, a apresentar um plano para cumprir os investimentos que se comprometera a fazer na época da privatização da energia em São Paulo. A AES Tietê é uma das fatias da CESP que foram privatizadas em 1999.
Em suma, 10 anos depois da privatização, a AES Tietê e outra empresa americana, a Duke Energy - que levou mais uma fatia da CESP, a CESP/Paranapanema - não colocaram um centavo dos R$ 2 bilhões que se comprometeram a investir para ampliar a capacidade de geração em 15%. Esse investimento era uma condição para a privatização - e, convenhamos, 15% de ampliação da capacidade, em 10 anos, para o Estado mais industrial do país é um objetivo mais do que modesto. No entanto, nem isso essas empresas estrangeiras fizeram, e não por falta de lucros, que não têm faltado, às custas das tarifas mais caras de todo o planeta, como mostram os autores de "Por que as tarifas foram para os céus? Propostas para o setor elétrico brasileiro" (Revista do BNDES, Vol. 4, Nº 29, pág. 435, junho/2008).
Porém, façamos um interlúdio edificante.
Em 2001, com o país imerso no apagão provocado pela competentíssima política tucana de energia, a AES Corporation, através de uma subsidiária, a AES Sul, obteve lucros ilegais de mais de R$ 500 milhões. Simplesmente, como na Região Sul não havia racionamento, a AES Sul revendeu ao Sudeste energia de Itaipu, através do Mercado Atacadista de Energia (MAE), por um preço mínimo de R$ 650,00 por Megawatt-hora (Mwh), enquanto no Sul o mesmo Megawatt-hora custava R$ 4,00.
A ilegalidade, pela qual, dentro do mesmo sistema elétrico, uma filial de companhia estrangeira numa região, aproveitando-se das dificuldades de outra região, vendeu energia originada numa geradora estatal por (pelo menos) 162 vezes o preço vigente na sua área, foi apontada pela Aneel logo em seguida (Despacho nº 288/2002 da Aneel), mas a questão encontra-se até agora em litígio.
CALOTE
Quanto à AES Tietê, esta subsidiária foi a principal protagonista do calote de US$ 1,2 bilhão (1 bilhão e 200 milhões de dólares) da AES Corporation no BNDES. Além disso, a AES havia dado outro calote no BNDES: US$ 500 milhões, que tomou do banco para adquirir 33% das ações da Cemig.
A multinacional americana havia tomado dinheiro no BNDES para comprar a Eletropaulo, a Companhia de Geração de Energia Elétrica Tietê (antes uma parte da CESP,) e um terço da Cemig, porque o governo Fernando Henrique Cardoso fornecia dinheiro público, com juros subsidiados, a companhias estrangeiras para que levassem estatais - nesse caso, duas das principais empresas de energia do Estado de São Paulo e um terço da empresa geradora de Minas Gerais, ambos Estados governados na época pelo PSDB.
No entanto, nem com juros subsidiados a AES Corporation pagou o empréstimo. No caso de Minas, o novo governador mineiro, Itamar Franco, impugnou a venda dos 33% da Cemig, feita pelo governo Azeredo, mas a AES não devolveu o dinheiro ao BNDES.
Em 2003, já no governo Lula, o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, cobrou a dívida. Lessa verificou que, além desses US$ 1,7 bilhão, a AES devia mais: "Ao analisar a situação, constatamos que o BNDES havia emprestado fortunas a subsidiárias da AES estabelecidas nos paraísos fiscais do Caribe" (cf., Carlos Lessa, "Um novo capítulo da novela AES").
"O filé mignon, em termos de caixa, era a Tietê", constatou Lessa. Costurou-se então um acordo pelo qual os dividendos que seriam remetidos para a controladora da empresa (na época, uma outra subsidiária da AES Corporation, com sede em um bordel fiscal do Caribe) ficariam retidos no caixa da AES Tietê para pagar parte da dívida.
REMESSAS
Porém, a AES não cumpriu o acordo. Primeiro, as ações da AES Tietê foram usadas como garantia de uma dívida de US$ 300 milhões da AES Corporation. Depois, a AES Tietê emprestou R$ 70 milhões à sua própria controladora no exterior. Em seguida, contra a lei e contra a decisão da assembleia de acionistas que a empresa registrou oficialmente, 100% do lucro do primeiro semestre de 2003 foi distribuído aos acionistas, isto é, quase todo à própria AES Corporation. À guisa de juros sobre o capital próprio e dividendos, saíram do caixa da AES Tietê 78% do lucro líquido da empresa no ano de 2003, enviados para fora do Brasil.
Segundo o cálculo do ex-presidente do BNDES, a multinacional americana ainda deve US$ 1 bilhão ao banco - apesar deste ter perdoado US$ 118 milhões dos encargos da dívida. Nas palavras de Carlos Lessa: "Tal como um cogumelo, a AES cresceu na estufa da financeirização mundial; adquiriu posições em mais de 25 países. Entrou no Brasil com um financiamento do BNDES. É incrível a ousadia de um grupo useiro e vezeiro em truques e artimanhas para procrastinar o pagamento, especializado em criar derivativos sobre derivativos com vistas à obtenção de material de crescimento para seu ‘cultivo de cogumelos'" (Lessa, art. cit.).
RACISTAS
Quanto à Duke Energy, uma empresa dos racistas do "sul" dos EUA, ela é famosa não pela sua eficiência, mas por se recusar a empregar trabalhadores negros, mesmo depois que a lei dos direitos civis proibiu a discriminação nas empresas daquele país. A partir dessa lei, a Duke estabeleceu critérios de seleção para a admissão de funcionários que, por coincidência, só conseguiam ser cumpridos por trabalhadores brancos. Somente em 1970 a Justiça dos EUA declarou ilegais os procedimentos da Duke.
A responsabilidade de exigir e fiscalizar para que a AES Tietê e a Duke Energy façam os investimentos estabelecidos pelo edital de privatização é do governo paulista, pois a privatização foi no âmbito estadual.
Porém, há 10 anos que os governos peessedebistas de São Paulo vêm deixando essas duas quadrilhas à solta. A AES se recusa a falar do assunto. A Duke diz que quer, antes, "discutir a competitividade para se fazer novos projetos termelétricos" (Valor Econômico, 20/07/2009). Em outras palavras, "é preciso que o governo paulista pense em conceder algum incentivo fiscal" (Valor Econômico, ed. cit.). Realmente, uma gracinha - levam uma empresa rentável a preço amesquinhado, compram-na com dinheiro público a juros subsidiados, não fazem os investimentos com que se comprometeram, e, depois de 10 anos de lucros incessantes, ainda querem mais dinheiro público, através de isenções ou reduções de impostos.
E o governo estadual, o que diz? Muito firme, o coordenador da Secretaria Estadual de Energia, Jean Cesare Negri, declarou que "o que posso afirmar é que o governo não abrirá mão desses investimentos". Se o leitor pensou que isso quer dizer que o governo vai tomar alguma providência, errou. Segundo Negri, isso quer dizer que "será possível conceder novos prazos para a realização dos investimentos" e " em caso de novo descumprimento", aí o governo do sr. José Serra pensa em "estabelecer penalidades" (cf., Valor Econômico, ed. cit.). Do que se conclui que o governo Serra acha pouco uma década de descumprimento e desrespeito às regras que seus próprios correligionários estabeleceram.