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Israel usa prisões políticas para...

Publicado: 30 Junho, 2010 - 17h07

Escrito por: Dafne Melo/Brasil de Fato


Desde a ocupação de 1967,um quinto da população palestina que vive nos territórios ocupados já foi presapor motivos políticos; a lista inclui crianças e adolescentes


Em março de 2002, asituação na Cisjordânia havia se complicado. Em resposta a Segunda Intifada, asforças armadas israelenses aumentaram ainda mais a repressão dentro dosterritórios palestinos, colocando em prática uma forte ofensiva militar queculminou com o cercamento e bombardeio da Muqataa, local onde estava o entãopresidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yasser Arafat. Tanquesinvadiram as ruas do centro de Ramallah, cidade que é sede da ANP.

Yasser al-Disi, jornalistae diretor de comunicação de uma organização de direitos humanos Al-Haq, sediadaem Ramallah, decidiu ir até o escritório da organização antes dos ataquescomeçarem. Lá ficou por um dia, sem informações suficientes sobre o que estavase passando na cidade, devido ao fornecimento irregular de energia elétrica.Dois dias depois dos ataques começarem, 15 soldados israelenses bateram naporta da sede da organização e levaram Yasser, algemado e vendado, a umcárcere, onde ficou detido por três meses em prisão administrativa, sem quenenhuma acusação fosse feita.

A história de Yasseras-Disi é apenas uma das que centenas de milhares de palestinos têm paracontar. De acordo com a organização de direitos humanos Adameer, cerca de 20%dos palestinos que moram nos territórios ocupados em 1967 (Cisjordânia,Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza) já foram presos devido a suas atividadespolíticas.

Direitode resistir

De acordo com dados dejaneiro da Adameer, existem quase 6.500 prisioneiros políticos palestinosdentro das cadeias israelenses. Destes, 5% estão em prisões administrativas, umrecurso que, na prática, permite que o Estado de Israel prenda qualquerpalestino por até seis meses – sendo que o prazo pode ser renovadoinfinitamente –, sem apresentar uma acusação formal. Há ainda 37 mulheres e 330crianças e adolescentes.

Para o advogado doMinistério dos Prisioneiros da ANP, Jawad al-Amawi, antes de discutir asilegalidades do sistema prisional israelense é necessário reafirmar o direitoque o povo palestino possui de resistir à ocupação de seu território. “Todas asleis internacionais asseguram aos palestinos – e a qualquer outro povo sobocupação militar – o direito de resistir a essa ocupação. No caso especial daPalestina há uma série de resoluções da ONU que dão aos palestinos o direito deresistir diante das violações do Estado de Israel”, defende. Algumas dessasresoluções da ONU, que citam diretamente o caso palestino, são as de número3.089 (Assembleia Geral, 1973) e 3.070 (Assembleia Geral, 1960).

Para o advogado, enquantoa ocupação militar – que desrespeitas as resoluções 242 (1967) e 338 (1973) dasNações Unidas – persistir, o problema dos prisioneiros políticos palestinostambém vai se manter. “Nós vamos continuar resistindo e eles vão continuarprendendo, como medida de repressão”, conclui.

Problemacrônico

Desde a ocupação de 1967,após a Guerra dos Seis Dias, calcula-se que cerca de 700 mil palestinos forampresos por razões políticas. A esmagadora maioria é de homens, o que faz comque 40% da população masculina já tenha passado pela cadeia. Antes dos acordosde Oslo, em 1993, al-Amawi conta que havia pouco mais de 11 mil presospalestinos em cadeias israelenses. As solturas desses presos eram muitas vezesnegociadas por meio de operações de troca. Geralmente, grupos políticos faziamo sequestro de um ou vários soldados israelenses e exigiam, em contrapartida, alibertação de palestinos. Como exemplo, o advogado cita que, em 1985, aOrganização pela Libertação da Palestina (OLP) conseguiu a liberdade para 1083ativistas em troca de quatro soldados.

Com o acordo de Oslo,houve negociações e quase todos os presos palestinos foram liberados. Porém,Israel ainda manteve cerca de 300 prisioneiros, considerados uma ameaça muitogrande à segurança do Estado sionista. O número de detidos, porém, voltou acrescer – ainda que lentamente – já que a ocupação também persistiu. “Ao mesmotempo, os prisioneiros políticos palestinos começaram a ter conhecimento dosseus direitos e a fazer sua própria luta contra a ocupação, dentro das cadeias,lutando contra sistema prisional israelense (IPS, sigla em inglês para IsraelPrison Service). Usaram vários meios para melhorar as condições nas cadeias,fazendo valer direitos que são assegurados pelas leis internacionais – apesar deIsrael desprezar todas as leis internacionais”, explica al-Amawi. Depois desetembro de 2000, com a eclosão da Segunda Intifada, o número disparou e voltouaos 11 mil de antes.

Condições

As condições em que osdetentos são mantidos desrespeitam diversos acordos e tratados internacionais.Sem contar a própria arbitrariedade da prisão em si, dentro das cadeias háfalta de assistência médica adequada, impedimento de continuidade dos estudos, torturafísica e psicológica, isolamento total – proibindo inclusive a visita defamiliares – e até mesmo uso de prisioneiros como cobaias para a indústriafarmacêutica israelense. De acordo com a advogada Sahar Francis, diretora daorganização Adameer, 85% dos presos passam por torturas em interrogatórios ouno decorrer do encarceramento. Israel possui uma lei, de 1987, feita pelaComissão Landau, designada pela Suprema Corte do país, permitindo o “usomoderado de pressão física e psicológica” por parte do serviço de inteligência(Shin Bet, também conhecido pelo acrônimo Shabak).

“As famílias, quando e seconseguem visitar, não podem levar nada, a não ser dinheiro ao preso. Nemproduto de limpeza ou de higiene pessoal. Forçam o prisioneiro a comprar tudo dentroda própria prisão. E esses produtos, com preços mais caros do que o normal, sãode uma única empresa israelense que tem um acordo com a IPS”, denuncia Francis.

Para a advogada, uma dasformas mais cruéis de tortura psicológica é impedir que o preso veja suafamília. Como as prisões estão em território israelense, a maioria dos parentessequer pode transitar pelo território, a não ser que tenha uma permissão. “Hámuitas restrições; se você é ex-prisioneiro, se você tem idade entre 16 e 45anos, se já se envolveu em alguma atividade política, todas essas categoriasimpedem que a permissão seja concedida todo mês ou a cada três meses. Alegamquestões de segurança”, conta. Ela cita o exemplo dos 750 prisioneiros que sãode Gaza. Como há o bloqueio, não recebem qualquer visita desde junho de 2007.

<PARAENTENDER>

Acordosde Oslo – Foi o primeiro acordo feito entre o Estado de Israel ea Organização para a Libertação da Palestina (OLP), com início em1993. Dentreseus pontos principais, ficou estabelecido que Israel iria retirar suas tropasda Cisjordânia e da Faixa de Gaza, e que seriam criadas três áreas – A, B e C.A Área A seria de controle total da Autoridade Palestina; a Área B de controlecivil pela ANP e controle militar pelo Exército de Israel; e a Área C sobcontrole total do governo de Israel. O acordo criou a Autoridade NacionalPalestina (ANP). Diversas organizações de esquerda rejeitaram o acordo ainda em1993.