Gripe aviária expõe trabalhadores da indústria do frango a riscos negligenciados
Autoridades e empresas garantem segurança no consumo da carne, mas o presidente da Contac alerta para a falta de proteção aos trabalhadores do setor nas etapas anteriores ao abate, onde o vírus continua ativo
Publicado: 30 Maio, 2025 - 13h32 | Última modificação: 30 Maio, 2025 - 16h13
Escrito por: Luiz R Cabral | Editado por: Rosely Rocha

Apesar do ministro da agricultura, pecuária e abastecimento, Carlos Fávaro, anunciar, no último dia 27, que o foco da gripe aviária, identificado no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul, está contido, trabalhadores do setor avícola seguem expostos a riscos pouco discutidos.
De acordo com Josimar Cecchin, presidente da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores da Alimentação (Contac /Cut), a exposição direta dos funcionários que manuseiam as aves vivas — seja nas granjas, durante o carregamento em caminhões, ou nos frigoríficos, no momento da sangria — representa um ponto cego nas políticas de prevenção. Muitos desses trabalhadores não dispõem dos equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados para lidar com uma zoonose de alta periculosidade.
“Não sabemos qual o real risco de contaminação nesses momentos de contato direto com o animal vivo”, afirmou. Segundo ele, a principal lacuna está na proteção oferecida a quem está na chamada “banha do frango” — processo em que o frango ainda está vivo e é transportado até o abate.
Vírus se dissipa após o abate, mas risco permanece antes da escalda
O processo industrial garante que, após a imersão das aves em tanques de escaldagem com água a aproximadamente entre 50 e 70 graus Celsius, não há mais risco de presença viral na carne. Porém, até esse ponto, o vírus permanece ativo. A preocupação recai, especialmente, sobre o potencial de mutação viral e a ausência de uma resposta mais clara das autoridades sanitárias quanto ao risco real aos trabalhadores.
Segundo informações discutidas em Brasília na última semana, com base em análises do médico Roberto Ruiz, especialista em medicina do trabalho, se o vírus sofrer mutação e se adaptar à transmissão entre humanos, as consequências podem ser catastróficas: até 50% dos infectados poderiam não resistir à doença — um índice muito superior, por exemplo, ao da Covid-19, que registrou letalidade próxima a 2%.
Sobrecarregados e vulneráveis
A recente confirmação de casos suspeitos em áreas como Montenegro (RS) levou ao bloqueio de zonas de produção, fechamento de fronteiras estaduais e aumento da carga de trabalho nas regiões não afetadas. Frangos prontos para o abate chegaram a correr o risco de serem sacrificados sem destinação comercial, o que gerou tensão entre empresas e trabalhadores.
"Chegamos a ter receio de precisar enterrar animais vivos, porque não havia capacidade frigorífica para o abate imediato", relata Josimar. Com o bloqueio, granjas que estavam fora da zona de risco tiveram de ampliar turnos e redobrar esforços para absorver a demanda represada, o que aumentou a exaustão física e mental dos trabalhadores.
Férias coletivas, layoff e risco de demissões
Diante da paralisação parcial da cadeia produtiva, algumas unidades frigoríficas – como a da JBS em Montenegro – negociam férias coletivas com os sindicatos. A medida pode se estender por até 60 dias, superando o prazo usual de 28 dias do chamado “vazio sanitário” necessário para conter a disseminação do vírus nas áreas afetadas.
Caso a gripe aviária volte a se alastrar, o setor poderá adotar o abate sanitário em larga escala e o regime de suspensão temporária de contratos (layoff). “Há temor de que essas medidas evoluam para demissões”, disse o presidente da Contac.
O elo mais frágil
Apesar do controle sanitário e da estabilidade econômica no curto prazo, o alerta permanece sobre a saúde dos trabalhadores da linha de frente. Para Josimar, é urgente a adoção de medidas efetivas de proteção – como fornecimento obrigatório de EPIs e orientação aos produtores – para evitar que o trabalhador, o elo mais frágil da cadeia produtiva pague o preço da negligência.
Não basta garantir que o frango chegue saudável à mesa do consumidor. É preciso assegurar que quem colocou a mão na massa para isso esteja protegido