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Folha, drogas, mentiras & dossiês

Uma denúncia sobre a campanha de manipulação demotucana

Publicado: 06 Junho, 2010 - 21h50

Escrito por: Saul Leblon


Numa versão dissimulada da manipulação queVeja e Globo fizeram de forma escancarada na última semana, a Folha de S.Pauloresolveu contar ao seu leitor na edição de sábado, dia 5 de junho, um pedaço -ínfimo - da verdadeira história por trás do suposto dossiê contra José Serraque abala a campanha demotucana e ressuscita velhas torpezas presentes nasdisputas presidenciais desde o fim da ditadura. O artigo é de Saul Leblon.

Folha, drogas,mentiras & dossiês

O resumo-malabarista dos acontecimentos nãoé assinado, o que desde já sugere um produto distinto da reportagem e maispróximo de uma alta "costura’"política destinada a salvar asaparências perante leitores e eleitores depois do fiasco da operação-dossiê,que consistia em desqualificar denuncias graves –alucinadamente sempre omitidas- com o carimbo antecipado de conspiração petista. O que parece ter dado erradonesse exercício tantas vezes bem sucedido é que, primeiro, as informaçõesnegadas pelos jornalões vazaram e circulam livremente na Internet (leia http://www.conversaafiada.com.br/];segundo, e mais complicado, a origem guarda credibilidade distinta dos dossiêseleitorais na medida em que se apóia em investigação minuciosa, ancorada emdocumentações muitas vezes chanceladas pela Justiça.

Na corrida contra o prejuízo, o produto oferecido aos leitores da Folha mantéma marca registrada de um certo padrão de jornalismo dissimulador , feito paraconfundir quando a missão de informar se revela inconveniente. É isso que estáem marcha nesse momento em relação ao episódio do suposto dossiê. De formacoordenada, veículos diferentes armam um vertiginoso quebra-cabeças feitos depeças conflitantes que não se completam nunca. Dilui-se assim o que é centralnuma conveniente trama de sub-enredos reais ou imaginários. Valores em dinheirototalmente contraditórios são jogados sem explicação. Declaraçõesdesencontradas diluem o principal em uma miríade de especulações laterais. Ummesmo personagem faz declarações diametralmente opostas em veículos diferentes,às vezes no mesmo dia. Sobre essa calda pegajosa que aos poucos satura erepugna mantém-se o guarda-chuva que interessa fixar. O vírus permanente da suspeiçãoem relação ao governo, seu partido, sua candidata, seus métodos, a origem dosseus recursos, as relações internas entre seus membros enfim, tudo e todos quegravitam ao seu redor.

A chamada da primeira página da Folha segue a regra - "Jornalista edelegado são pivôs do caso do dossiê". Não há, a rigor, qualquerrespaldo para essa manchete nas informações contidas na matéria interna que naverdade a desmente, ao admitir:

a) ao contrário do que Serra afirma e a Folha endossou obsequiosamente no noticiáriogenerosos dos dias anteriores, e continua a insinuar na manchete, o comando dacampanha de Dilma em Brasília não contratou nem produziu dossiê algum contra ocandidato do conservadorismo brasileiro;

b) os personagens que a manchete arrola como ‘pivôs’ do caso do dossiê teriamparticipado, diz a matéria, de uma conversa com um publicitário indiretamenteligado à campanha do PT;

c) sempre segundo o padrão Folha de jornalismo, em meados de abril, cogitou-secriar um sistema de inteligência no comitê de Dilma, em Brasília, para detectara presença de eventuais espiões de Serra –suspeita ancorada em sucessivosvazamentos de informações confidenciais sobre custos e recursos envolvidos nacampanha;

d) a criação do ‘serviço’ relatado pela Folha –com as ressalvas anterioressobre a qualidade da informação prestada por esse jornalismo— teria sidoabortada por uma divergência de preço. Ponto. Mas e o dossiê que a Vejadenunciou, o Globo repercutiu e a Folha escorou dando destaque às declaraçõesde Serra que afirma ser de responsabilidade ‘exclusiva’ de Dilma? Aspas para otexto da Folha, novamente: a) ‘em 2 de maio’, diz o relato apócrifo,integrantes do PSDB souberam que a campanha de Dilma estaria montando [amencionada] equipe de "inteligência" com o objetivo, deduziram, deespionar Serra’ Fecha aspas. Quem ‘deduziram’?

A matéria não esclarece, nem questiona. A Folha não revela sequer curiosidadeem relação a esse núcleo central da trama que ao deduzir erroneamente –pelo quediz o próprio jornal-- criou o factóide surrado do ‘dossiê petista’, no qualembarcaram todos os veículos, bem como o candidato demotucuno, que o PT ameaçalevar à justiça para provar a acusação criminosa contra Dilma Rousseff. Porfim, mas não por último, resta a embaraçosa omissão da matéria da Folha sobre omais importante: o conteúdo efetivo dessas informações cuja divulgação –‘circula na Internet’, diz o texto-- estremeceria a campanha demotucana, aponto de se montar um coro despistador na tentativa de desqualifica-las por antecipação.

A dificuldade em tratar o principal é um sintoma da gravidade do que se tentaesconder. Um primeiro ponto remete ao autor das informações em litígio. Sobreesse personagem que a Folha conhece porque admite que já trabalhou na suaredação, bem como na de outros veículos de igual calibre, o texto faz mençãocurta sem abrir aspas para a entrevista óbvia que o assunto merece. Diz ojornal: ‘ Amaury Ribeiro Júnior ... investigou por anos o processo deprivatização brasileiro iniciado nos anos do governo FHC (1995-2002)’.

Omitiu a Folha aquilo que ela e todo o meio jornalístico sabem : o jornalistaAmaury Ribeiro Júnior é dono de três prêmios Esso; vernceu quatro prêmiosVladimir Herzog, é membro do Consórcio Internacional de JornalistasInvestigativos, apenas para citar alguns dados sobre a credibilidade doprofissional que investigou e reuniu as informações escondidas pelo sistemamidiático ao qual ele pertencia até recentemente. Não estamos falando portantode uma Eliane Catânhede. Em frente.

Segundo a Folha a) ‘os dados começaram a ser coletados [por Ribeiro Jr] em suapassagem pelo "Estado de Minas", principal diário mineiro, próximopoliticamente do ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG)’ ; b) ‘a apuração começouem 2009, depois que Aécio, então ainda um potencial presidenciável, foi alvo dereportagens críticas...” Alvo de quem? Curioso, no parágrafo anterior, a Folhadesqualifica o trabalho investigativo do jornalista ao espetar no "Estadode Minas" o epíteto: ‘próximo politicamente do ex-governador Aécio Neves(PSDB-MG)’, mas nada relaciona sobre a ‘proximidade política’ dos veículosresponsáveis pelas ‘reportagens críticas’citadas em seguida apenas de raspão. Areportagem-malabarista não assinada da Folha passa olimpicamente por indagaçõesobrigatórias de qualquer pauta cuidadosa. Que tipo de ‘reportagens críticas’;em benefício de quem foram feitas; um trecho, um exemplo?

Nada. Na verdade, a abordagem isenta exigiria quase que uma auto-imolação dodiário da família Frias, uma auto-investigação das perdas e danos causados àinformação por seu esférico engajamento na candidatura José Serra ,indissociável do anti-lulismo praticado disciplinadamente por quase toda a suaredação.

É inescapável recordar uma passagem que condensa a radicalização inscrita emtodo esse episódio, traduzido por um jornalismo de campanha – nunca assumidoabertamente - praticado pelo conjunto da mídia conservadora, sobretudo a de SãoPaulo. Em 4 de março de 2009, o jornal "O Estado de São Paulo", porexemplo publicou – numa seqüência de disparos da mesma cepa deflagrados pelaFolha, Globo etc - um artigo criticando de forma agressiva a pressão dogovernador mineiro Aécio Neves pela realização de prévias democráticas no PSDBpara a escolha do postulante à Presidência da República. Àquela altura, asempre oportuna prontidão do Datafolha dava a Serra 45% das intenções de voto,contra apenas 17% de Aécio Neves, que mal disfarçava o propósito de implodir ablindagem erguida em torno do rival paulista levando a disputa para fora dojogo de cartas marcadas arbitrado pela endogamia entre a cúpula do seu partidoe a mídia do eixo São Paulo-Rio.

Os xiliques de Serra e a agressividade dos recados emitidos pelos jornaisserristas demonstravam que nem um, nem outro, confiavam de fato nosconfortáveis índices oferecidos à opinião pública interna e externa peloinstituto de pesquisas da família Frias. É nessa linha de tensão que surge oartigo "Pó pará, governador?" cujo título trazia umainsinuação de represálias sem limite, caso Aécio Neves insistisse em se colocarna disputa contra o tucano paulista. A sombra da represália, por certo emmunição letal, tanto que Aécio desistiu da candidatura - ficava explícita noparágrafo final do recado assinado pelo versátil porta-voz de interessesinconfundíveis, o jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas,pintor e etc, Mauro Chaves. Depois de denunciar o controle do mineiro sobre aimprensa do Estado [ "em Minas imprensa e governo são irmãosxifópagos"], o texto concluía: "Aécio devia refletir sobre o quedisse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. Odiabo é o contrário. E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?".
Era uma chamada enigmática para alguns, mas inteligível para os círculos que jáouviram insinuações recorrentes sobre hábitos pessoais do governador.

É sobre esse campo minado por uma luta que dificilmente fará de Aécio um caboeleitoral mais que formal de José Serra, que explodiu o resultado de anos detrabalho de um premiado jornalistas investigativo do país. A coleção de dados ecifras envolvendo a família, os amigos, assessores de confiança de José Serra,seus laços societários e eleitorais com a família de Daniel Dantas e asligações do conjunto com privatizações e movimentos milionários de dólares,dentro e fora do país, formam um latejante paiol em forma livro prestes aexplodir no colo da coalizão demotucana. Desdobrado em 14 capítulos, com lançamentoprevisto para depois da Copa do Mundo, o artefato deixa o insone assumido, JoséSerra, cada vez mais distante de uma noite de sono dos justos. Pior que isso:torna mais improvável ainda que ela ocorra um dia na cama do Palácio doPlanalto.