Emir Sader
De Pepe a Dilma
Publicado: 02 Março, 2010 - 19h38
Escrito por: Carta Maior
Aí estava o Pepe, com a pinta que menos sepoderia atribuir a um presidente, com seu jeito de “chacarero” – seguecuidando sua chácara -, sem gravata, com a sua companheira de vida,simplesmente assumindo como presidente do Uruguai.
O Pepe, que foi um grande dirigentetupamaro e, nessa condição, foi baleado gravemente em um tiroteio com as forçasmilitares da ditadura uruguaia. Recolheram seu corpo, consideraram-nos morto eo levaram à morgue. Quando perceberam que ele tinha sobrevivido, o meteram,junto com os outros dirigentes tupamaros, em masmorras, onde ficaram 14 anos –incluída a companheira de Pepe, hoje presidente do Senado -, 7 dos quais comoreféns da ditadura, em calabouços solitários, sem contato com ninguém. Caso houvessealguma nova ação dos tupamaros, todos seriam executados, segundo anúncio daditadura.
Pepe não costuma mencionar esses tempos,menos ainda tudo o que passou a ele e à sua companheira. Ontem, quando as FFAAlhe rendiam continência, na Praça da Independência, em frente ao PalácioPresidencial, o que deveriam ter feito era ajoelhar-se diante dele e lhe pedirdesculpas pelas barbaridades que lhe fizeram, na tortura, na solitária, e emtudo o mais. Seria o mínimo que deveria fazer e seguramente o Pepe estenderia ogesto para todas as vítimas da ditadura.
Ao assumir a presidência, Pepe pronuncioupalavras similares às de Dilma no Congresso do PT: mudou, para adequar-se àsmudanças históricas das últimas décadas, mas nunca mudou de campo, mantevesempre sua fidelidade às lutas de emancipação do seu povo, estreitamenteassociado ao dos outros países da América Latina.
Montevideu tinha uma cara muito diferentedaquela com que encarou a eleição de Tabaré Vazquez, mesmo este tendointerrompido a longa seqüência de governos de direita, com a eleição doprimeiro representante da esquerda uruguaia à presidência da República. Aeleição de Pepe vai mais longe, remete a um acerto de contas com as lutas deresistência contra a ditadura, em que o Uruguai se tornou conhecidointernacionalmente pela audácia e pela criatividade das formas luta dosTupamaros, organização dirigida por Raul Sendic, de que Pepe Mujica foicompanheiro na direção.
O comentário, entre todos os presidentesprogressistas, de Rafael Correa a Evo Morales, de Cristina Kirchner a Hugo Chávez,de Fernando Lugo a Pepe Mujica, era a subida aparentemente decisiva de Dilmanas pesquisas, confirmando seu favoritismo para a mais importante das eleiçõeslatinoamericanas deste ano. A satisfação e a torcida de todos eles refletiamcomo Dilma representa, para todos eles – como já o expressaram também Raul eFidel Castro – a continuidade e o aprofundamento das políticas internas eexternas que tem levado o Brasil a projetar-se como grande liderança regional ecomo país que avança para superar seus seculares problemas internos no caminhoda democracia, da soberania e da justiça social.