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Em guerra contra educação, Alckmin tem aula de democracia

Estudantes em ocupações nas escolas aprendem na prática a luta por direitos

Publicado: 01 Dezembro, 2015 - 21h41 | Última modificação: 01 Dezembro, 2015 - 23h31

Escrito por: Luiz Carvalho e Vanessa Ramos

Luiz Carvalho
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Estudantes de colégio ocupado em Santana

Alunos do colégio Caetano de Campos chegam a ocupação (Foto: Roberto Parizotti)Alunos do colégio Caetano de Campos chegam a ocupação (Foto: Roberto Parizotti)
As ocupações das escolas paulistas chegaram ao 22º dia nesta terça-feira (1º) e não param de crescer. Enquanto de seu bunker o governador Geraldo Alckmin (PSDB) declara guerra aos estudantes e se recusa a discutir o plano de ‘desorganização’, nas escolas, os protestos dos alunos ganha cada vez mais apoio e os acampamentos se tornam aulas práticas de cidadania.

Alguns estudantes, já calejados com a jornada de lutas, aprenderam que na batalha encampada por Alckmin vale todo tipo de arma. Desde telefonemas de diretores de escolas aos pais para impor medo e frear a mobilização, como alguns alunos relataram, até a pressão da polícia militar, especialmente em rondas noturnas.

Outros alunos davam os primeiros passos na ocupação justamente nesta terça em que o governador confirmava o decreto da ‘readequação’, acrescentando mais números às mais de duas centenas de escolas que cobram democracia, diálogo e bom senso a Alckmin.

Mas independente de ‘veteranos’ ou ‘recém-chegados’, a certeza nos dois grupos parecia a mesma para todos: não vai ter arrego.

Mentiras reais, batalha virtual

Uma dos representantes da turma que chegou hoje na luta, Alan Filho, 15, estudante da escola Homem de Mello Barão, no Santana, zona norte, ocupado na manhã desta terça, contou que tudo começou com um grupo de whatsapp.

“Mandei um áudio explicando como ia acontecer o fechamento da escola e que teríamos de ir para o Capitão (Capitão Pedro Monteiro do Amaral), onde as salas já têm mais de 40 alunos”, disse.

A partir daí, a tarefa foi articular e buscar apoio com acampados de outros colégios da região e entender os mecanismos da mobilização, como a troca de cadeados dos portões. O mesmo celular utilizado para organizar a mobilização também vira arma para registrar e impedir possíveis abusos da polícia.

Outro obstáculo foi enfrentar o terrorismo da direção da escola, revelou o aluno. “A Filomena (diretora) ligou para minha mãe e disse que eu ia quebrar a escola inteira, que ia deixar as tias da cozinha de reféns. Ligaram também para o coordenador da Etec (Escola Técnica Estadual) para falar que eu ia perder a vaga, que poderia reprovar”, afirmou.

Aula de luta

A direção também procurou jogar os alunos do terceiro ano contra os demais, mas, em tempos de circulação rápida de informação, a tática não funcionou, como apontou Nagylla Abdala, 16, que chegava ao pátio do colégio após percorrer a região em busca de doação de alimentos para os estudantes.

“A diretoria disse que íamos prejudicar o pessoal do terceiro ano, que não ia poder fazer faculdade. Mas fomos nos informar e descobrimos que vão poder sim. É só levar o histórico escolar e não podem repetir ninguém porque está numa espécie de recesso”.

Caso Alckmin feche mesmo o colégio, Nagylla conta que terá de tomar dois ônibus para ir a escola mais próxima. Por isso, a postura de professores que convivem com os adolescentes e não apoiam a mobilização causa espanto. “Ouvi que era uma boa aluna e que estar nisso era uma decepção. Como assim? O que eles querem dizer? Que lutar é coisa de baderneiro? Via muitas escolas que não iam fechar e estavam na e questionava por que não estávamos”, comentou.

As falas articuladas mostravam que, ao contrário do que muitos pregam, os estudantes sabem bem o que querem. E do que gostam. Negros e brancos, com dreads coloridos e pierciengs, a reunião dos alunos de Santana parecia uma celebração da democracia. Talvez por isso incomodem tanto e representem um movimento ainda assustador para muitos.

Meninas e meninos como Matheus Silva, 17, aluno do segundo ano do ensino médio, que é mais conhecido como Slim, apelido adotado nas batalhas de MCs. “O rap me ensinou a lutar por meus direitos e a levar uma causa até o fim”.

Com essa bagagem, causa-lhe estranhamento quando a teoria não encontra a prática. “O que eu acho engraçado é os professores contestarem a gente por querer lutar por nossos direitos, se é isso que cobram que façamos em sala de aula”, falou, em referência aos docentes que não aderem à luta.

Todo cuidado é pouco

Mas se na zona norte o contato com os estudantes é mais próximo, no colégio Caetano de Campos, da Consolação, zona sul, apenas alunos e professores mais próximos (e que apoiam a causa, claro) tem acesso liberado. Uma barricada com cadeiras, mesas escolares e faixas criticando a desorganização de Alckmin fazem lembram que o espaço está sob nova direção.

Pudera, são 14 dias de ocupação e visitas diárias da PM, contou Rafael Castro. “No primeiro dia de ocupação havia cinco viaturas aqui. No segundo, um amigo nosso, o Brian, veio falar com um policial, que deu dois tapas no peito dele e disse: “ou você me deixa entrar para ver como tá ou venho aqui, mando o Choque, estouro esse cadeado e entra todo mundo. Mas decidimos que não íamos deixara entrar sabíamos dos nossos direitos.”

Ainda assim, diariamente uma viatura passa para perguntar se os estudantes ‘precisam de algo’.

Para o jovem de 18 anos, a gestão da escola pelos alunos melhorou muito o lugar. Os cerca de 60 estudantes se revezam para cuidar da limpeza, vigiar o portão e cozinhar. Reforçam, porém, que todo o alimento é doado e fazem questão de não tocar na merenda.

O uso da bicicleta e do skate é liberado até às 22h, depois, tem o jantar e, ao final do dia, a assembleia para fazer um balanço da luta e programar as próximas 24 horas. Uma lição que Castro acredita levar para a vida toda. “A gente percebeu como pode ser unido e a força que a gente tem.”