Em entrevista à CUT-SE, diretora da OIT...
Para Lais Abramo, espaços de consulta e participação social nas mais diversas áreas das políticas públicas fortalece a democracia
Publicado: 15 Dezembro, 2011 - 14h46
Escrito por: CUT-SE
No dia 1º de dezembro, Sergipe realizou a I Conferência Estadual de Emprego e Trabalho Decente, onde cerca de 200 representantes dos trabalhadores, poder público, empregadores e da sociedade civil estiveram reunidos com o objetivo de ampliar o diálogo social sobre as políticas públicas de trabalho, emprego e proteção social, além de contruir a “Agenda Sergipe do Trabalho Decente”.
A Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT-SE) se fez presente na discussão, e colocou em pauta os interesses e necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras sergipanos (as). Na oportunidade, a CUT Sergipe entrevistou Lais Abramo, diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Brasil, sobre o tema. Para ela, as Conferências Estaduais representam um marco importante na discussão de medidas mais efetivas que permitam a erradicação do trabalho escravo.
Nesta entrevista à CUT-SE, a diretora da OIT Brasil, Lais Abramo, fala dos avanços deste debate no país e da relevância da Conferência para o sucesso da Agenda do Trabalho Decente. Confira:
CUT-SE: Primeiramente, o que significa Trabalho Decente e quais os seus principais entraves?
O conceito de Trabalho Decente expressa a síntese do mandato histórico e dos objetivos estratégicos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa noção foi formalizada pela primeira vez na Memória apresentada pelo Diretor Geral da OIT na 87ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 1999, nos seguintes termos:
Promover oportunidades para que homens e mulheres possam conseguir um trabalho decente e produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas [...] O trabalho decente é o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social. (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999).
A noção de Trabalho Decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do emprego. Ela propõe não apenas medidas dirigidas à geração de postos de trabalho e ao enfrentamento do desemprego, mas também à superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes. Afi rma a necessidade de que o emprego esteja também associado à proteção social e aos direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva.
Em outras palavras, o conceito de Trabalho Decente acrescenta, à noção de um emprego de qualidade, as noções de direitos (todas as pessoas que vivem do seu trabalho são sujeitos de direito e não apenas aquelas que estão no setor mais estruturado da economia), proteção social, voz e representação. Reafirma que existem formas de emprego e trabalho consideradas inaceitáveis e que devem ser abolidas, como o trabalho infantil e todas as formas de trabalho forçado, obrigatório ou degradante. Afirma a necessidade de reduzir os déficits de trabalho decente na economia informal e de avançar em direção a uma progressiva formalização. Define a equidade de gênero como um eixo transversal desse conceito. Trata-se, portanto, de um conceito multidimensional.
CUT-SE: Entre pré-conferências e conferências estaduais do Trabalho Decente, mais de 300 encontros ocorreram. Isso indica uma grande mobilização. Qual a importância desse amplo processo de discussão?
O objetivo da Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente é definir as diretrizes de uma Política Nacional de Emprego e Trabalho Decente para o País a partir das prioridades estabelecidas na ANTD e no PNETD. Foram realizadas até agora 273 conferências (estaduais, regionais, micro-regionais, municipais, etc). A mobilização calcula-se em aproximadamente 23 mil pessoas.
A CNETD se insere assim em uma importante tendência que se registra no País desde 2003, de instituir amplos processos de consulta e participação social nas mais diversas áreas das políticas públicas.
A sua realização é um passo importantíssimo no sentido de fortalecer a promoção do trabalho decente como uma política de Estado, definida e monitorada através de mecanismos de consulta tripartite. Esta iniciativa representa uma mudança de escala no compromisso do País com a promoção do trabalho decente e estimula os processos de constituição e fortalecimento das agendas locais e setoriais de trabalho decente.
Espera-se que esse processo contribua de maneira significativa aos grandes objetivos nacionais de erradicação da pobreza, diminuição da desigualdade social, fortalecimento da governabilidade democrática e avanço rumo a um padrão de desenvolvimento inclusivo e sustentável.
CUT-SE: Qual a importância da construção da Agenda Nacional de Trabalho Decente? O que ela deve priorizar?
O conceito de Trabalho Decente está estreitamente vinculado à noção de uma Agenda de Trabalho Decente, que diz respeito às formas pelas quais ele pode ser aplicado a níveis e processos de desenvolvimento distintos no âmbito mundial, regional ou nacional.
É necessário que o Trabalho Decente tenha um piso básico e mínimo, que diga respeito a direitos e princípios universais, mas não um teto. O que se considera Trabalho Decente acima desse limite mínimo reflete os valores e possibilidades de cada sociedade em cada momento histórico. Assim, o Trabalho Decente constitui uma meta que evolui em compasso com as possibilidades das sociedades, um patamar que se desloca conjuntamente com o progresso econômico e social. O conceito de Trabalho Decente proporciona um marco para o progresso contínuo baseado em princípios.
Em junho de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, com o Diretor Geral da OIT, Juan Somavia, um Memorando de Entendimento que previa o estabelecimento de um Programa de Cooperação Técnica, com o objetivo de construir uma Agenda Nacional de Trabalho Decente no Brasil. Após o estabelecimento formal desse compromisso, iniciou-se um processo de disseminação e discussão do conceito entre os constituintes tripartites da OIT no Brasil (governos, organizações de trabalhadores e empregadores).
Como resultado desse processo, em maio de 2006, a Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD) foi lançada pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT, realizada em Brasília, na mesma ocasião em que o Diretor Geral da OIT apresentou aos constituintes tripartites dessa Organização na região americana a Agenda Hemisférica do Trabalho Decente.
O texto da ANTD (BRASIL, 2006, p. 5) explicita que a promoção do trabalho decente, defi nido como uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável, é considerada “[...] uma prioridade política do governo brasileiro [...]”.
A ANTD estruturou-se em torno a três prioridades:
- gerar mais e melhores empregos com igualdade de oportunidades;
- erradicar o trabalho escravo e o trabalho infantil, em especial nas suas piores formas;
- fortalecer o diálogo social e o tripartismo como instrumento de governabilidade democrática.
Em maio de 2010 o Ministro do Trabalho e Emprego lançou o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente (PNETD), com prioridades e resultados definidos por consenso tripartite, além de metas e indicadores para 2011 e 2015. O documento é o texto base das discussões que da I CNETD, convocada pelo Presidente da República em novembro de 2010.
CUT-SE: Para a OIT, a noção de Trabalho Decente se apoia em quatro pilares estratégicos. Quais seriam esses pilares? E quais os instrumentos que podem fortalecer esses pilares?
A Agenda do Trabalho Decente é composta por quatro áreas principais: direitos do trabalho, emprego, proteção social e diálogo social.
O parâmetro para a primeira dimensão da Agenda do Trabalho Decente, os direitos do trabalho, são as Normas Internacionais do Trabalho (convenções e recomendações da OIT), definidas de forma tripartite por governos, organizações sindicais e organizações de trabalhadores de seus estados membros, reunidos na Conferência Internacional do Trabalho. As Convenções da OIT definem padrões mínimos que devem ser seguidos por todos os países que as ratificam.
De especial importância são as oito convenções e recomendações que fazem parte da Declaração Relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, adotada em junho de 1998: liberdade de associação e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado, abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação de todas as formas de discriminação no emprego e na ocupação.1 Estes são direitos básicos, sobre os quais podem ser fundados, construídos e conquistados outros direitos e capacidades. Um dos objetivos fundamentais da Agenda Global de Trabalho Decente da OIT é promover a ratificação universal dessas oito convenções. Todos os Estados Membros da OIT, pelo simples fato de sê-lo e de haverem aderido à sua Constituição, estão obrigados a respeitar e promover esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções a eles correspondentes.
No que se refere ao emprego, é importante não apenas gerar postos de trabalho, mas também garantir um padrão mínimo de qualidade do emprego gerado. Este abarca uma combinação complexa de fatores, que inclui tanto aspectos das relações sociais de trabalho, como o caráter mais ou menos estável e permanente dos contratos de trabalho e o nível das remunerações, como aspectos da segurança material com que se realizam as diferentes tarefas e atividades de trabalho (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999).
A segurança e a proteção social constituem a terceira dimensão do Trabalho Decente. A OIT calcula que mais de 6.000 pessoas morrem diariamente no mundo em consequência de acidentes ou enfermidades do trabalho, o que perfaz um total anual de 2,3 milhões de mortes por esses motivos. Calcula também que se produzem anualmente 337 milhões de acidentes de trabalho no mundo2. Muitas ocupações são inseguras porque são irregulares ou provisórias, porque a sua remuneração é instável, porque envolvem riscos físicos ou expõem trabalhadores e trabalhadoras a diversos tipos de enfermidades físicas ou psíquicas. A proteção social é fundamental para assegurar a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Constitui um desafio prioritário a extensão dessa proteção aos trabalhadores e trabalhadoras da economia informal.
Finalmente, para que haja trabalho decente é necessário que trabalhadores e empregadores tenham voz e representação em relação às questões que lhes dizem respeito e que o diálogo social seja adotado como método para compor e equilibrar diferenças e chegar a novos acordos produtivos e de convivência no trabalho.
Cada uma dessas quatro dimensões do Trabalho Decente tem suas características próprias, mas todas estão estreitamente relacionadas. O avanço obtido em cada uma dessas dimensões pode potencializar o avanço nas demais.
CUT-SE: Quais são e qual a importância das ferramentas de monitoramento e avaliação das condições de trabalho e de vida dos traballhadores e trabalhadoras?
A construção de indicadores que possam monitorar a evolução do trabalho decente é uma ferramenta importante para a avaliação do alcance efetivo de ações que se proponham a garantir os direitos fundamentais do trabalho, a diminuição das desigualdades e das políticas de promoção do trabalho e renda.
Em 2008, o Conselho de Administração da OIT aprovou uma metodologia voltada para o monitoramento e avaliação do progresso no trabalho decente, abarcando dez áreas temáticas. . No cerne dessa metodologia foram desenvolvidos indicadores que se agrupam sob as dez dimensões fundamentais do trabalho decente: oportunidades de emprego; rendimentos adequados e trabalho produtivo; jornada de trabalho decente; combinação entre trabalho, vida pessoal e familiar; trabalho a ser abolido; estabilidade e segurança no trabalho; igualdade de oportunidade e de tratamento no emprego; ambiente de trabalho seguro; seguridade social e diálogo social; e representação de trabalhadores e empregadores. O contexto socioeconômico condiciona a promoção do trabalho decente.
No Brasil, um estudo da OIT analisou a evolução do trabalho decente durante as décadas de 1990 e 2000. Encontrou-se que o país registrou importantes avanços na promoção do trabalho decente: a incidência de trabalho infantil e forçado declinou, foi mantida a trajetória de crescimento da participação laboral das mulheres e a retomada de um ritmo mais elevado e consistente do crescimento econômico após 2003, proporcionou redução no desemprego e na informalidade. Concluiu-se que ainda permanecem desigualdades de gênero e raça e é inquietante a proporção de jovens que não estudam e nem trabalham.
Este perfil de indicadores do trabalho decente será atualizado com dados até 2009 e deve ser lançado no inicio de 2012 antes da I CNETD.
CUT-SE: Como a OIT avalia a NÃO ratificação das convenções 87, 151 e 158 no ordenamento jurídico do Brasil ?
O principal papel da OIT é o de promover as normas internacionais do trabalho. Assim, a OIT faz voto que os países ratifiquem as convenções, no entanto mas cabe a cada país fazer a discussão sobre o conteúdo das convenções, ratificá-las e que as mesmas reflitam na legislação nacional. É uma decisão soberana de cada Estado Membro da OIT optar ou não pela adoção e ratificação destas convenções.