Economia não pode ficar nas mãos dos burocratas
Para o analista do Banco Central, Rafael Bianchini Conselho Monetário que define temas como metas da inflação deve ter participação da CUT
Publicado: 12 Dezembro, 2014 - 20h08 | Última modificação: 13 Dezembro, 2014 - 09h22
Escrito por: Luiz Carvalho
Bianchini lembra que diminuição da participação no Conselho Monetário ocorreu pelas mãos de FHC (Foto: Luiz Carvalho)
Do vigésimo terceiro andar de um prédio na Avenida Paulista, Rafael Bianchini, 32, tem visão privilegiada de dois lugares com os quais mantém íntima relação: a avenida, onde manifestações políticas tomaram o principal centro financeiro do país, e a sede do Banco Central, em São Paulo, onde trabalha como analista.
Apesar de formado em Economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Bianchini se diz mais alinhado ao modelo FGV (Fundação Getúlio Vargas) - referência do chamado novo desenvolvimentismo - que subordina o desenvolvimento às dimensões macroeconômicas e dá maior valor ao papel do mercado.
Algo mais próximo do princípio adotado pelo primeiro ministro da Fazenda no governo Lula, Antônio Palocci, e mais distante do chamado social-desenvolvimentismo, do ex-ministro Guido Mantega, que esteve à frente da pasta durante a gestão Dilma. O social-desenvolvimentismom coloca as políticas macroeconômicas subordinadas ao desenvolvimento e tem o Estado com maior participação.
Não é à toa que Bianchini - também bacharel em Direito pela USP e filiado ao PT desde 2001 - contraria nomes como Luiz Gonzaga Belluzo e Marcio Pochmann, ao elogiar a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.
Para ele, a junção entre Levy, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e o Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, significa que Dilma apostará no controle de gastos públicos, redução de juros e no desenvolvimento.
Em entrevista ao Portal da CUT, Bianchini reivindica a ampliação da democracia e uma antiga reivindicação da Central: a participação no Conselho Monetário Nacional (CMN), que determina as metas de inflação. “Numa democracia como a nossa, não dá para um conselho de burocratas definir sozinho o que será feito”, critica.
Ele fala ainda á reportagem sobre a manipulação de pesquisas, pelo Mercado, para impulsionar ações, e alerta para um 2015 complicado em termos de negociações salariais.
Ao contrário de muitos dos economistas ligados à esquerda, você considera a equipe econômica de Dilma muito boa. Por quê?
Rafael Bianchini – Começa no meu diagnóstico do que deu errado no primeiro governo da Dilma. Ela começou muito bem. Tinha aprovação recorde porque, quando entrou, a inflação ainda estava crescendo, - chegou a bater 7,3% - e o déficit público estava em elevação. Então, adotou uma contração para reequilibrar a economia, que crescia a 7,5% mas não manteria esse ritmo. Muitas pessoas não sabem, mas a política que se faz hoje dá resultado em nove meses. A inflação recuou muito rápido, chegou a 4,9% em 2012 e, em seguida, a presidenta teve a grande ideia de sua matriz macroeconômica. Temos um problema no Brasil: os juros altos, que não são de um governo, mas estrutural. E ela resolveu mudar as regras. Do outro lado, o Banco Central, pela primeira vez na história, comprou a ideia. Tanto que a taxa Selic (que serve de referência para as demais taxas da economia) foi a 7,25% ao ano, o menor patamar da história. O problema é que, nesse meio tempo, para isso dar certo, seria necessária também uma restrição de gasto público, porque, senão, com a política monetária e fiscal expansionista, íamos ter inflação e déficit externo. A inflação foi o que começou a derrubar a popularidade da Dilma, em 2013, antes dos protestos e por uma série de fatores. O principal deles foi o Guido Mantega perder o controle das contas públicas e caminharmos para um déficit fiscal de 5% do PIB. E agora precisamos de um corte fiscal.
As políticas sociais vão estar no alvo novamente?
Bianchini – Em um debate sério – não em um senso comum de classe média, que transfere a culpa do déficit nas contas para Bolsa Família –ninguém culpa as políticas sociais, que já se tornaram cláusulas pétreas e isso é uma evolução. Mesmo os economistas do PSDB já perceberam que não é esse o problema. Até mesmo quando o Aécio Neves estava em primeiro lugar, o Armínio Fraga (indicado pelo candidato derrotado nas últimas eleições para ministro da Fazenda) disse que, no governo deles, o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida seriam mantidos. Pelo menos isso eles conseguiram entender. A escolha do [Joaquim] Levy, ex-secretário do Tesouro do Palocci e um dos quadros que mais entendem de finanças públicas no Brasil, mostra que a Dilma entendeu a necessidade de fazer ajuste fiscal. A política econômica é uma comunhão entre política fiscal, monetária e cambial e a nova composição é muito boa. De um lado temos no Banco Central o [Alexandre] Tombini, um dos melhores presidentes que o BC já teve e o único que comprou a briga dos juros. E, do outro, o Levy, que, assim como Tombini, compra a ideia do ajuste fiscal ausente com o Mantega, porque o Banco Central fazia a política de juros baixos, mas a Fazenda não cortava gastos. E pelo lado desenvolvimentista tem o Nelson Barbosa, que foi um excelente secretário do Mantega, o preferido do PT, e assinou o manifesto dos economistas pela reeleição da Dilma, que eu também assinei. A chave para se entender a Dilma é a variável emprego, que depende uma economia em expansão e não estagnada, como está agora. Um ajuste fiscal permitirá que, se tivermos aumento do desemprego, não seja algo que tínhamos há 10, 15 anos. Não tem como o Partido dos Trabalhadores dar as costas para os trabalhadores, por isso estou bastante otimista.
Alguns especialistas defendem que foi justamente com a saída do ministro Antônio Palocci da Fazenda, alguém mais alinhado ao Mercado, que as políticas públicas deslancharam no governo Lula. Você não teme que o discurso da austeridade prejudique os investimentos no desenvolvimento com distribuição de renda?
Bianchini – Quando o Palocci assumiu, a situação era muito complexa. A dívida bruta estava em 80% do PIB, o país não tinha reserva, a inflação estava em dois dígitos. Foi isso que ele encontrou pela frente. Quando o Mantega entrou, já estava bem melhor. E havia uma expectativa dos trabalhadores em geral, especialmente do funcionalismo público, há oito anos sem reajuste. Sem ter aquele ajuste prévio do Palocci, da tesoura no gasto público, o desenvolvimentismo não teria acontecido. Por outro lado, o Bolsa Família e o Prouni (Programa Universidade para Todos) começaram na época do Palocci. Políticas que geram consenso por serem bem sucedidas. Ninguém sério critica o Bolsa Família, é muito no senso comum. Aliás, no discurso de posse, o Levy disse que, se há problemas na falta de transparência do gasto público, o programa representa justamente o contrário. Todo mundo critica porque ele é totalmente aberto. Se a equipe desenvolvimentista tivesse assumido em 2003, teria colocado em prática o desenvolvimentismo, porque nossa situação de endividamento público era muito delicada.
Mas como aliar juros baixos com desenvolvimento?
Bianchini – Primeiro temos de fazer uma divisão: uma coisa é a Selic alta, outra coisa são os juros bancários. Para os juros bancários serem baixos, a Selic baixa é uma condição necessária, mas não suficiente. Tanto que tivemos queda da Selic e os juros bancários continuaram altos. Se os juros que o próprio Estado paga são altos, e é um devedor de menor risco, por que você vai emprestar um dinheiro para alguém com juros baixos, com risco maior? Você opta por investir em papéis do Estado, ao invés de disponibilizar recursos para empréstimo. A Dilma deixou os juros baixos, mas o que impossibilitou uma queda maior foi a política fiscal. Temos agora um ministro que defende corte de gastos e outro que defende juros. E essa combinação dá negócio. A fórmula de restrição, agora, para baixar juros, no futuro, foi a que a presidenta utilizou no começo do primeiro governo dela. Se pensarmos que economia cresceu 7,5% em 2010, 2,7%, em 2011 e 1% em 2012, verificamos que ela conseguiu fazer contração. Por outro lado, pegou uma inflação herdada do governo de 7,3% e convergiu para 4,9%. Dilma sabe fazer ajuste, mas não conseguiu manter ao longo do tempo.
Quando o Palocci assumiu, a situação era muito complexa. A dívida bruta estava em 80% do PIB, o país não tinha reserva, a inflação estava em dois dígitos. Foi isso que ele encontrou pela frente.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central integra apenas ministérios e o Banco Central. Você acha viável que a sociedade civil esteja presente neste espaço como cobra a CUT?
Bianchini – O Conselho Monetário Nacional (CMN) define metas estratégicas, entre elas, a meta de inflação, e o Copom executa. A forma como o Copom executa as metas estabelecidas é muito técnica e por isso sou contra a participação nesse espaço. Mas no CMN, onde se define a estratégia e atualmente é composto por Ministro da Fazenda, do Planejamento e presidente do Banco Central, eu sou a favor. Hoje, com o governo Dilma, apenas um diretor não é de carreira, todos os demais são e tem estabilidade. É muito fácil para um burocrata estável pensar em um ajuste, considerando que o desemprego vai subir 5%, mas é em curto prazo. Ele não é um trabalhador que ficará desempregado e verá nesse o pior dos ajustes. Não dá para, em uma democracia como a nossa, um conselho de burocratas definir sozinho o que será feito, qual será a meta de inflação. A lei que criou o Banco Central em 1964, pelos militares, inicialmente tinha o CMN bem mais representativo do que hoje. Foi na época do Fernando Henrique que se reduziu para três. E isso é sintomático de todo o Estado brasileiro: falta participação dos atores sociais, é tudo vindo de cima para baixo. Pessoas que pensam por nós e acham que sabem o que queremos. Até dá pra ter inflação de 4%. Basta jogar a Selic a 30% e chegaremos a esse índice. Mas há uma questão de custo e benefício que os atores sociais têm de avaliar. Não é para o burocrata decidir. Definir a meta de inflação é uma questão política, quanto a sociedade está disposta a tolerar, em quanto tempo. Aí que acho a equipe econômica nova interessante. Colocou para 2016 o objetivo de chegar à meta da inflação, num ajuste mais gradual, que deve ser conversado com os trabalhadores. Mesmo porque as decisões irão impactar o dia a dia do trabalhador. De um lado a classe trabalhadora quer emprego, mas também não quer inflação alta, que pode ser boa para algumas categorias, mas é horrorosa para o trabalhador menos qualificado e não sindicalizado.
Em um embate no Congresso sobre a alteração da LDO (Leis de Diretrizes Orçamentárias) e a aprovação das contas, o governo defendeu que o investimento em infraestrutura não fosse considerado como gasto e incluído no superávit primário, enquanto a oposição defendeu que se tratava de uma manobra para esconder contas negativas. Quem está certo?
Bianchini – Sou favorável à alteração da LDO, mas como uma medida extraordinária. A economia está estagnada, a arrecadação se portou mal, as desonerações foram longe demais, feitas com pouco planejamento. E, o principal, o Tesouro resolveu corrigir distorções que ocorriam desde 2012. Estava atrasando pagamentos, inclusive repasses para Minha Casa Minha Vida, para o Bolsa Família. E isso é ilegal. O Tesouro não pode se financiar nos bancos públicos, que paga e depois recebe do Tesouro. Em 2012, houve uma contabilidade criativa que distorceu muito as finanças públicas e, naquela ocasião já era para ter mudado a LDO. Ter dito que não iria cumprir a expectativa do superávit primário e apontar um calendário para ajustes. O Mercado recebeu muito melhor o Levy, que apontou um superávit de 1,2%, do que quando o Mantega dizia que ia atingir 2% do PIB e sabia que não iria conseguir. Neste segundo semestre, como o Mantega vai sair, começou a fazer uma série de medidas muito boas, como regularizar situação dos fornecedores, acabou com contabilidade criativa, pagou os bancos públicos. Se você olhar os números do segundo semestre deste ano, vai ver que houve uma piora, mas o que ocorreu, na verdade, é que está incorporando erros de um ano e meio de política ruim. Não mudar a LDO é deixar aberta a possibilidade de um crime de responsabilidade para a presidenta Dilma diante de uma oposição que, poucos meses depois de uma eleição que foi limpa, com a diferença de três milhões de votos, pede impeachment.
E como o superávit primário pode afetar a vida das pessoas?
Bianchini – O superávit é a economia que o Estado faz para pagar juros. Para um cidadão comum, é mais ou menos a ideia de que um governo gastou menos para pagar a dívida pública. Se o governo gastar demais hoje, vai ter de pagar amanhã e, como não tem fórmula mágica, vai ter que aumentar tributos ou cortar gastos. Para garantir que amanhã o governo continue mantendo políticas sociais, precisa manter a situação financeira saudável. Fazendo uma simplificação: é também a poupança que você faz quando as coisas estão bem para gastar quando estão ruins. E aí entra, para mim, muito do que o Brasil fez na crise de 2008. Passamos com Palocci contendo gasto e, de repente, vem a crise e abrimos as torneiras, como deveríamos fazer. E tem o impacto também na inflação: se não fizer o superávit, vai gastar demais, vai ter muito dinheiro na economia, gerará acúmulo e a inflação. Mas dizer que coloca em risco a Lei de Responsabilidade Fiscal é retórica política. No fundo, no fundo, a mudança da LDO é discutir qual punição Dilma deve ter por não cumprir a meta fiscal que a própria equipe econômica do governo estabeleceu. Pode ser o perdão, como aconteceu, ou vamos julgar a presidenta por crime de responsabilidade fiscal. Na verdade é uma questão meramente política.
Qual a sua expectativa para o PIB em 2015?
Bianchini – Viemos de dois semestres de recessão técnica e o governo comemorou um crescimento de 0,1% no terceiro trimestre, que é algo absolutamente medíocre. O discurso do governo é: “vamos nos comparar com os grandes, vamos nos comparar com as economias europeias”. Mas são países desenvolvidos; nós somos pobres. A renda da Alemanha é quase três vezes a nossa. Se a Alemanha ficar sem crescer, ainda estará muito melhor que nós. A expectativa é que tenhamos, no mínimo até o terceiro trimestre do ano que vem, um cenário muito ruim e acho que em algum momento o desemprego vai parar de cair. Porque isso é um paradoxo que ninguém sabe explicar, como a economia nos anos Dilma vai muito mal e o desemprego, num nível já baixo, continua em queda. Tem muitas hipóteses, o PIB deve estar subestimado, o IBGE tem revisões periódicas e sempre descobre um setor que não estava medindo. Mas mesmo assim os números não vão ser muito bons. De qualquer forma, enquanto a economia ficar parada, uma hora vai dar problema para o mercado de trabalho. Num primeiro momento vai haver o estancamento da queda do desemprego. Porém, não voltaremos ao cenário dos anos 1990, de desemprego de dois dígitos. E os próprios economistas do PSDB, que defendiam que estaríamos numa situação muito ruim, defendem agora que voltaremos a crescer no final do ano que vem.
Durante as eleições a autonomia do Banco Central esteve em debate. Você é a favor?
Bianchini – Sou favorável, mas a campanha da Marina confundia autonomia com independência, e a do Aécio Neves era muito clara ao defender autonomia operacional, mas eu não gosto do que ele propôs. Porque continuava um conselho monetário com os três burocratas definindo as metas para o país. O que defendo é a autonomia do BC para perseguir as metas, mas isso será ruim sem um colegiado representativo para defini-las. Hoje, na prática, temos um BC dependente e, na prática, autônomo. A diretoria e o presidente, desde que a Dilma entrou, são os mesmos. Temos o pior, não temos o benefício da autonomia, que dá maior credibilidade à política, mas também temos apenas três pessoas para definir as estratégias.
Durante as eleições, conforme a Dilma subia, a Bolsa caia. O Mercado faz terrorismo e manipula para levar a sociedade a acreditar que determinado candidato não é bom para a economia?
Bianchini – Há três questões. A primeira é o sentimento de classe. Operador de mercado financeiro é um trabalhador muito bem remunerado, que fez as melhores universidades, que dificilmente saiu de uma classe C, D o E. Por definição, ele é anti-petista. O segundo ponto é que a lógica do Mercado é de manada e de histeria. Em 2010, a Dilma era ótima, o governo Lula era ótimo, aquela euforia e, em 2014, virou a catástrofe. Aí todo mundo vai junto e vende tudo ao mesmo tempo. E o terceiro é uma suspeita. As pesquisas eleitorais que iam na contramão de outras, como a dos institutos Veritá e Sensus, que davam 17 pontos para Aécio à frente, apontavam cenário muito diferente das outras e eram divulgadas no meio do “pregão” (período de funcionamento da Bolsa de Valores), me parece manipulação de Mercado. Datafolha e Ibope divulgavam à noite, quando Mercado estava fechado, era uma regra meio informal. Acho que teve muita gente ganhando dinheiro com isso, soltando boato de que Aécio caiu, esperando as ações da Petrobras caírem bastante e comprando. No dia seguinte, o Datafolha trazia o resultado contrário, vendiam e realizavam o lucro.