Das artes da Ancine: Como e porque
Publicado: 05 Março, 2010 - 17h54
Escrito por: Hora do Povo
Estreou, em 5 defevereiro, mais um filme brasileiro custeado com nossos impostos: “High SchoolMusical”! Não é uma franquia da Disney, como pode parecer à primeira vista, éum filme brasileiro! Cadastrado na Ancine sob o número Salic 080598. Em temposde Conferência Nacional de Cultura, o presidente do CPC-UMES (Centro Popular deCultura da União Municipal dos Estudantes de São Paulo), Valério Bemfica,debate a atuação da Agência Nacional de Cinema.
Como e porque “High School Musical” virou filmenacional
Há algum tempo nãoocupávamos o espaço do HP para comentar as barbaridades cometidas pela Ancine(Agência Nacional de Cinema). Como não é do nosso interesse expor fragilidadesdo governo Lula num ano eleitoral, temos evitado o tema. No entanto, éimpossível deixar de comentar dois fatos recentes: um encontro da classe ondefoi discutida a cota de tela e o lançamento de um filme nacional.
Primeiro oencontro. Nele palestrou o presidente da Ancine. Em síntese, afirmou que onúmero de dias reservados ao cinema brasileiro – cota de tela - era mais do quesuficiente, tanto que “era a primeira vez” que ele escutava reclamações sobreisso.
Do alto de seustrês curtas-metragens, em duas décadas de carreira, afirmou que o problema estános realizadores. Ele mesmo teria aprendido, a duras penas, que o cinemanacional é que não conseguia se comunicar com o público, por isso ficavarestrito à meia dúzia de salas. Mas, benévolo como ele só, anunciou que aAncine havia aberto uma consulta pública sobre a Cota de Tela.
Resultado: a cotapara 2010 será exatamente a mesma de 2009 (e 2008, 2007, 2006...).
Ou seja, a talconsulta era pura embromação. Abre-se um espaço para ouvir a todos, e não seouve ninguém. Alega-se a inutilidade de reservar mais do que 28 dias do anopara o cinema brasileiro, sob o argumento de que ele não está conseguindosequer ocupar o espaço reservado. Garante-se 337 dias para o cinema estrangeiro(essencialmente o estadunidense). E, para finalizar, a culpa é jogada sobre osartistas brasileiros, como se o caminhão de bobagens produzidas por “róliudi”fosse mais capaz de sintonizar-se com o povo brasileiro do que o trabalho denossos cineastas.
Agora o filme. Estreou,em 5 de fevereiro, com 160 cópias, mais um filme brasileiro, custeado com osnossos impostos: “High School Musical”! Não, leitor, o autor não se confundiu enem consumiu nada ilícito. Não é uma franquia da Disney, é um filme brasileiro!Cadastrado na Ancine sob o número Salic 080598, e supostamente produzido pelaTotal Entertainment (a mesma daquele filme em que marido vira esposa evice-versa, um mal disfarçado plágio de “Um espírito baixou em mim” (1984),estrelado por Steve Martin, que já comentamos aqui). A Disney é “apenas” adistribuidora... É verdade que o pessoal da Total ficou meio envergonhado com opapel de testas-de-ferro, tanto é que omitem a sensacional obra de seuportfólio que consta na internet. Mas a Disney entrega o jogo.
Apresentaram umorçamento de R$ 6,8 milhões e conseguiram captar a metade, R$ 3,4 milhões. Afonte dos recursos? O nosso bolso é claro! R$ 3 milhões provavelmente abatidosdo imposto sobre remessa de lucros da Disney, já que foram captados pelo artigo3º da Lei do Audiovisual e pelo artigo 39 da Condecine – ambos criados para queas múltis possam ingressar na produção de filmes “brasileiros” e ocupar maisespaço nos cinemas do país. O troco (R$ 400 mil) foi via artigo 1º da Lei doAudiovisual (patrocínio das também multinacionais Nokia e C&A).
O leitor atento jáse deu conta da relação entre os dois fatos. Mas vamos juntar as pontas:talvez aque le rapaz guindado à direção da Ancine não tenha dito que a cota detela é suficiente por ser mal intencionado, mas apenas por ser mal informado.
Durante anos, asmajors do cinema aproveitaram o espaço dado a elas para consolidar o seudomínio. Desde o fim da Embrafilme, no governo Collor, as sucessivas gestões dacultura têm, no máximo, adotado paliativos para a indústria cinematográficanacional. Quando a grita dos realizadores está muito alta, liberam um edital,um concurso, coisas assim. Financiaram a produção, mas nunca se dispuseram aenfrentar a falácia neoliberal e entregaram ao mercado – ou seja, às majorsamericanas - a tarefa de resolver a questão da distribuição. Como as mesmasmajors que dominam a produção internacional também dominam a distribuição e aexibição, os filmes brasileiros – sem aspas - vão para a prateleira, ao invésde irem para as telas.
Mas esse pessoal émuito fominha. Acharam que 90% de ocupação do mercado nacional era pouco. E,aproveitando a conivência de certas autoridades, resolveram ocupar também os10% da cota de tela. Começaram pegando filmes para distribuir. Não se saciaram.Exigiram que seus “gastos” fossem abatidos do imposto. Não se deram porsatisfeitos. Começaram a escolher quais filmes seriam feitos. Ainda nãobastava. Agora começam a fazer filmes exatamente iguais – até no título eminglês – aos que produzem nos EUA. E com o nosso dinheiro! Deu para entender?Se não deu, cuidado: o próximo passo deles vai ser clonar o falecido JackValenti para nomeá-lo presidente da Ancine.