'Cultivando relacionamentos'
Publicado: 03 Agosto, 2007 - 18h03
Escrito por: Seara/Cargill demite trabalhadora grávida em Sidrolândia-MS

"Cheguei na empresa e me disseram que eu não precisava trabalhar, que iam no RH para buscar o meu histórico, porque estava complicado... Aí me perguntaram: 'Bateu seu cartão para entrar? Bate e não precisa entrar para trabalhar, amanhã a gente vê. Como bati para entrar e para sair, eles consideraram falta. Nem falaram em acordo ou coisa parecida. Só me disseram: você está sendo demitida por justa causa, não há nada que possamos fazer por você..."
A declaração acima é de Daniela Centurião. Apesar do nome guerreiro, que relembra o soldado romano responsável pelas centúrias, formação militar na forma de quadrado de dez por dez soldados, unidade básica das famosas legiões, Daniela é uma menina de 20 anos. Grávida de quatro meses, a jovem completaria nesta quarta-feira, 1º de agosto, um ano e seis meses de trabalho no frigorífico da Seara/Cargill, em Sidrolândia, no interior do Mato Grosso do Sul. Completaria, pois, embora grávida, foi sumariamente demitida: justa causa. Em seu site www.cargill.com.br, a multinacional norte-americana alega "cultivar relacionamentos".
"Eles sabiam que eu estava grávida, fazendo direitinho o processo do pré-natal... Eu já tinha pedido o exame de Ultrassom da Apae, já tinha levado o meu exame e comprovado tudo. Não há qualquer possibilidade deles dizerem que não sabiam, pois é mentira. Estou sendo muito prejudicada pela Cargill", afirma Daniela.
Trabalhadora da desossa da coxa, Daniela denuncia o intenso ritmo de trabalho, tão presente quanto a desumanidade da multinacional. "A desossa da coxa é algo que exige habilidade na sala de corte. Se alguém falta, tira férias ou folga, o ritmo fica ainda mais rápido, cansativo. Dizem que é três coxas por minuto, mas na verdade são quatro, cinco. Cada coxa precisa de vários cortes e se deixar passar dá advertência. As vezes é tão cansativo que você não tem disposição para nada. Pode perguntar para qualquer funcionário do setor. Tem pessoas que deitam e dormem, só acordam no outro dia. Eu deitava que parecia uma pedra".
O salário máximo pago ao funcionário "top de linha" é de R$ 624,00, valor que contrasta com os gordos e sucessivos recordes proporcionados pela exportação de frango - particularmente o já cortado. Pela complexidade dos cortes, eles agregam valor para a empresa, mas somados e potencializados pela intensidade brutal, têm dilapidado a saúde do trabalhador, com lesão, mutilação e, inclusive, morte, como o registrado recentemente na mesma unidade, onde foi moído Marcos Antonio Pedro.
Sobre o atendimento médico dentro da empresa, Daniela descreve o abandono a que são submetidos os funcionários, vitimados por todo tipo de dores: "antes eles davam remédio, hoje não dão medicamento algum. Está pior do que o posto de saúde, principalmente para a gestante". Sobre os gastos dos trabalhadores com remédios, ela olha para cima: "Tomara Deus que tudo dê certo, mas às vezes a gente desanima..."
"Na empresa, assim que falaram da demissão, perguntaram se eu não tinha nada a declarar. Queriam que eu começasse a chorar. Eu não. Fui no Sindicato e o pessoal me disse o que fazer", lembra Daniela, ressaltando que "o importante é não desanimar". Pára, pensa um pouco, reflete melhor e abre um sorriso centurião: "O importante é lutar até o fim pelos nossos direitos".