Cresce campanha para o veto de Lula ao PL da Devastação. Saiba os riscos do projeto
Projeto aprovado no Congresso Nacional flexibiliza regras de proteção ambiental, beneficia ocupações ilegais e pode violar tratados internacionais. Decisão de Lula deve sair até sexta (8)
Publicado: 07 Agosto, 2025 - 08h45 | Última modificação: 07 Agosto, 2025 - 11h25
Escrito por: Walber Pinto | Editado por: Rosely Rocha

Ambientalistas, cientistas, movimentos sociais, sindicais — entre eles a CUT — e representantes das populações tradicionais defendem o veto total do presidente Lula (PT) ao Projeto de Lei nº 2159/2021, conhecido como "PL da Devastação". O projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados na madrugada do dia 17 de julho, já havia passado pelo Senado Federal, gerando alerta geral sobre seus impactos socioambientais.
O presidente Lula tem até sexta-feira (8) para sancionar ou vetar o "PL da Devastação", que, além de promover mudanças profundas nas regras do licenciamento ambiental — considerado por especialistas um dos principais pilares da política ambiental brasileira —, flexibiliza as normas de proteção ambiental e beneficia ocupações ilegais de terras públicas, entre outros prejuízos.
Juvandia Moreira, vice-presidenta da CUT, defende o veto total do presidente Lula. Para ela, vetar o projeto é proteger o meio ambiente e garantir que o desenvolvimento não venha "às custas da vida e do futuro do planeta".
"O veto do presidente é essencial porque esse projeto enfraquece o licenciamento ambiental, um instrumento básico para prevenir tragédias como crimes ambientais, desastres naturais e agressões aos territórios indígenas e comunidades tradicionais", destaca a dirigente.
Enquanto o governo Lula tem procurado reduzir o desmatamento e promovido uma transição ecológica justa, o "PL da Devastação" caminha na direção oposta: legaliza a destruição ambiental ao afrouxar os mecanismos de controle sobre atividades de alto impacto, como mineração, agropecuária e grandes obras de infraestrutura.
"Isso enfraqueceria todo o esforço feito até agora para reduzir o desmatamento, preservar a Amazônia e proteger o clima. O veto ao PL garante que os avanços conquistados nos últimos anos — com queda histórica do desmatamento — não sejam perdidos para beneficiar setores econômicos que colocam o lucro acima da vida", defende Juvandia.
Segundo estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), o desmatamento na Amazônia apresentou uma redução de 50% em apenas dois anos. Os dados mostram que, em 2022, a floresta perdeu 12,6 mil km² de vegetação, enquanto em 2024 esse número caiu para menos de 6 mil km² — uma queda expressiva que reforça a eficácia das políticas de combate à devastação implementadas no período.
Outros projetos que ameaçam o meio ambiente
Para a secretária nacional de Meio Ambiente da CUT, Rosalina Amorim, existe uma série de projetos que ameaçam diretamente o meio ambiente e, consequentemente, afetam a vida da classe trabalhadora.
"O PL da Devastação é apenas a ponta do iceberg do que chamamos de 'Pacote da Destruição'. Neste momento entendemos que o papel do presidente Lula é garantir a centralidade do Estado na preservação ambiental, fortalecendo o papel regulador dos órgãos ambientais e a transparência no licenciamento de grandes obras, uso da água e da terra, por exemplo", destaca a dirigente.
Nosso marco regulatório ambiental é sólido — não podemos transferir para as empresas a responsabilidade pela preservação da natureza e pela segurança da população. Essa é uma função indelegável do poder público
CUT e a defesa de um desenvolvimento sustentável
Para Juvandia Moreira, o veto ao projeto é uma questão de soberania, justiça social e compromisso com as futuras gerações. A destruição do meio ambiente atinge diretamente os trabalhadores, especialmente os mais pobres, que vivem em áreas vulneráveis, dependem dos recursos naturais e sofrem com as consequências da crise climática.
"O desenvolvimento do Brasil precisa ser sustentável, com emprego digno, proteção ambiental e respeito às comunidades tradicionais. A CUT defende um modelo que una justiça social e justiça ambiental, por isso é contra qualquer tentativa de desmontar a política ambiental brasileira, como faz esse PL da Devastação", completa.
Ameaça aos tratados internacionais de direitos humanos
A aprovação do "PL da Devastação" também tem gerado preocupação entre especialistas em direitos humanos, que alertam para possíveis violações a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O país é parte de convenções que estabelecem obrigações jurídicas, e, se o Congresso aprovar uma lei que as contrarie, o Estado brasileiro pode ser responsabilizado internacionalmente.
"Cria risco diplomático, pois ameaça documentos assinados pelo país, como o Acordo de Paris e a Convenção sobre Diversidade Biológica, além da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas por projetos em seus territórios", avalia Jandyra Uehara, secretária nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos da Central.
As comunidades, que já são frágeis diante das corporações, ficariam totalmente à margem das decisões sobre seus territórios
#VetaTudoLula
Enquanto o "PL da Devastação" avança, ignorando o direito à consulta dos povos originários, a resistência se organiza nas ruas: mulheres indígenas convocam uma marcha inédita à capital federal, transformando o #VetaTudoLula de hashtag em ação concreta. O movimento pretende paralisar Brasília contra a aprovação do PL, por enfraquecer o sistema de licenciamento ambiental no país nesta semana.
A onda de críticas à aprovação do projeto ultrapassou as fronteiras do Brasil, mobilizando organizações internacionais que agora pressionam o governo Lula para vetar o projeto, visto como uma ameaça global ao meio ambiente.
Conheça os principais riscos associados ao PL
- Autolicenciamento e fragilização da fiscalização
O PL amplia o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Permite que empresas obtenham licenças ambientais automaticamente por autodeclaração, sem análise técnica prévia de órgãos como Ibama ou secretarias estaduais. Estima-se que 90% dos licenciamentos poderiam se tornar automáticos, aumentando riscos de desastres como os de Mariana e Brumadinho (MG).
- Ameaça à Amazônia e ao clima global
Dispensa de licenciamento para agropecuária: atividades como pecuária e agricultura, principais vetores do desmatamento — ficariam isentas de estudos de impacto. O setor já responde por 74% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil.
Explosão do desmatamento: o PL ignora medidas de prevenção ao desmatamento indireto causado por obras, como estradas (ex.: BR-319 que liga Manaus a Porto Velho) abrindo caminho para grilagem e invasões.
- Violação de direitos indígenas e quilombolas
Terras não homologadas desprotegidas: o PL só considera territórios indígenas e quilombolas já regularizados, excluindo 259 terras indígenas e 1.553 territórios quilombolas em processo de demarcação. Isso viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante consulta prévia às comunidades.
Redução da atuação da Funai e ICMBio: órgãos terão papel limitado em licenciamentos, mesmo em áreas sob risco de mineração ou grilagem.
- Riscos à saúde pública e recursos hídricos
Contaminação de água e solo: a dispensa de outorgas hídricas e licenças para atividades poluentes (ex.: mineração com mercúrio) pode levar a crises de abastecimento e surtos de doenças, como em Cubatão (SP), onde bebês nasceram com má-formação nos anos 1970 devido à poluição industrial.
SUS sobrecarregado: o PL fragiliza a prevenção de danos ambientais ligados a doenças respiratórias, câncer e intoxicações, aumentando a pressão sobre o sistema de saúde.
- Insegurança jurídica e isolamento internacional
Inconstitucionalidade: trechos do PL violam o artigo 225 da Constituição, que veda retrocessos ambientais, e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como a que barrou a LAC para empreendimentos de médio impacto. A LAC é uma licença permitida para empreendimentos de pequeno porte, que permite a autodeclaração do empreendedor quanto aos critérios ambientais para instalação e funcionamento da atividade.
Impacto na COP30: a aprovação mancharia a imagem do Brasil como líder climático, podendo afetar acordos comerciais (ex.: Mercosul-UE) e financiamentos internacionais, além de comprometer o país na realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, marcada para ter início em novembro deste ano em Belém (PA).
Por isso, organizações como CUT, representantes dos povos tradicionais e ambientalistas alertam que o veto presidencial é a última barreira para evitar uma "tragédia sem precedentes".