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CPI avaliará violações de direitos humanos na USP

Em São Paulo, Comissão investigará as denúncias ignoradas pela universidade

Publicado: 04 Dezembro, 2014 - 18h15 | Última modificação: 04 Dezembro, 2014 - 18h18

Escrito por: CUT-SP - Flaviana Serafim


As denúncias de violações de direitos humanos na Universidade de São Paulo serão investigadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), aprovada  terça (2) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Por meio de um acordo entre lideranças de vários partidos, três CPIs que antecederiam a da USP foram retiradas, pois, caso contrário, pelo trâmite normal da Alesp, a Comissão seria instalada só em 2016. A previsão é de instalação na próxima semana e as investigações seguirão até 15 de março de 2015. 

Estupros em festas, racismo, homolesbofobia, sexismo, trotes violentos e "rituais de iniciação", aluna agredida a socos, mulheres negras proibidas de entrar nos eventos da faculdade, "leilão" de calouras, músicas que incitam a violência sexual, consumo de bebidas alcoólicas misturadas a drogas legais disponíveis nos laboratórios da própria Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) - são alguns dos relatos feitos nessa terça à Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Alesp, na terceira audiência pública sobre as violações de direitos humanos na FMUSP, praticadas por alunos da graduação mais disputada no país, com 55 candidatos por vaga no vestibular 2015.

A audiência foi novamente marcada, de um lado, pela barbárie dos casos de violência que ocorrem há anos na universidade e, do outro, pela persistente omissão da instituição - dos 13 convidados, apenas dois compareceram, os estudantes de Medicina, Murilo Germano Sales da Silva, atual presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (Caoc), e Renato Pignatari, presidente eleito que tomará posse no próximo dia 15. E outra vez se ausentou o diretor da FMUSP, Prof. Dr. José Otavio Costa Auler Junior, que, até o momento, se restringiu à recente afirmação de que “as vítimas de estupro devem ter a hombridade e honestidade de comunicar pessoalmente o caso à direção”, além da proibição, pela Congregação da FMUSP, de festas e bebidas alcoólicas no campus.

Evasivos em suas respostas, Murilo e Renato disseram que o Centro Acadêmico não compactua com as violações, mas afirmaram desconhecer boa parte das denúncias. "São comportamentos culturais que muitas vezes se manifestam sem a consciência individual das pessoas", disse Murilo. "O ponto em debate é sobre a conscientização, pois tem coisa que não está declarada que é machista ou homofóbica, e as pessoas não fazem isso querendo agredir outros, mas acabam fazendo", completou.

Renato, que presidirá o Caoc em 2015, diz que não tinha uma "visão global" do Centro Acadêmico, que só agora está tomando "conhecimento técnico" dos casos de violência relatados à CDH e prometeu ouvir as críticas "para tomar medidas mais efetivas e eficazes no próximo ano".

Vozes silenciadas, casos invisíveis - Falta de suporte e atendimento adequado, de canais de denúncia e de apuração, total omissão da USP, ausência de processos criminais, civis e administrativos, impunidade aos agressores é o cenário enfrentado pelas vítimas.

Depois de ser obrigada a participar de um "leilão de calouras", a advogada Marina Ganzarolli, mestranda em Gênero e Produção Legislativa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, fundou um coletivo feminista no 2º ano da graduação para combater os trotes violentos e, agora formada, presta apoio às mulheres que sofrem abusos nas universidades.

A militante feminista relatou o caso de uma estudante estuprada há duas semanas, durante os jogos estudantis da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em outro caso, um taxista socorreu uma estudante de Direito da USP que, alcoolizada, fora atacada na rua por uma colega de graduação. Na delegacia, o caso mudou de atentado violento ao pudor e abuso de vulnerável pelo agressor para ato obsceno praticado pela graduanda, em mais uma situação de culpabilização da mulher vítima de violência.

"É preciso alterar o Estatuto da USP, fazendo uma previsão específica que coloque o jubilamento do estudante, comprovado o caso, com garantia de ampla defesa, além de processo administrativo na universidade e uma comissão permanente e paritária de enfrentamento à violência contra a mulher faça investigação", defendeu.

Para Monica Mendes Gonçalves, graduanda do primeiro ano da Faculdade de Saúde Pública da USP, "é notório que o que menos chamou atenção da mídia e da direção da USP foram os casos de racismo, e isso ocorre devido à ausência dos negros e negras na universidade". No final de maio, ela teve a entrada barrada numa uma festa no campus, apesar de se identificar como estudante. A denúncia foi rechaçada pela USP, que embasou sua defesa em atividades de "combate ao racismo" realizadas na universidade.

Denunciando a discriminação e o preconceito enfrentados cotidianamente no campus, Monica criticou a falta de cotas e a isenção da USP em relação ao debate sobre as questões dos negros (as). "Preocupa essa fala de quem diz que não sabe de nada, pois saibam porque é preciso saber o que se passa dentro da nossa casa. Frisa-se que essa instituição repudia o racismo, como todo mundo, mas que não fazem nada. Repudiar é se comprometer com ações concretos, porque repudiar com blá blá blá qualquer um pode fazer", ressaltou.

Presente na audiência, a Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, Sonia Auxiliadora lamentou as "aberrações ocorridas escancaradamente numa universidade pública que deveria ser exemplo nas ações" e afirma que o caso reforça a necessidade de mudança na cultura machista, racista e homolesbofóbica tão presente nos campi. " É um absurdo saber que isso ocorre numa faculdade que formará futuros médicos que vão atender a nós mulheres livremente, seja nos postos de saúde pública, onde a maioria inicia a carreira, seja na rede privada. Como isso se mantém com a reitoria se negando a mudar a situação?", questiona a dirigente.

Participaram, ainda, Adriana Magalhães, secretária de Comunicação da CUT/SP, a militante Maria Amélia Teles, da União de Mulheres, e representantes da Marcha Mundial de Mulheres. 

Investigação - Segundo o presidente da CDH da Alesp, deputado Adriano Diogo (PT), as investigações terão início assim que for instalada oficialmente a CPI da Universidade de São Paulo e garantiu que trabalhará durante todo o recesso para garantir a apuração no prazo. "Toda a Casa está apoiando", destacou.

Dos convocados pela CDH para a terceira audiência pública, não compareceram: Prof. Dr. Jose Otavio Costa Auler Junior - Diretor da FMUSP; Prof. Dr. Edmund Chada Baracat - Vice-Diretor da USP e Presidente da Comissão de Graduação da FMUSP; Douglas Rodrigues da Costa - Ex-Presidente da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz - FMUSP; Giovani Zacharias Rosa - Presidente do Centro Acadêmico Rocha Lima - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Guilherme Pianowski Pajanoti - Presidente da Associação Atlética Rocha Lima - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Paulo Comarin - Residente de Anestesiologia; Diego Vinicius Santinelli Pestana - Presidente da Associação Atlética Oswaldo Cruz - FMUSP; Silvio Tacla Alves Barbosa - aluno participante do Show Medicina; Diego Ubrig Munhoz - Ex-Presidente da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz - FMUSP.