COP30:Fórum Sindical Pan-Amazônico apresenta estudo sobre transição energética justa
Pesquisa elaborada por CUT, CSA, TUED e CGIL reforça que trabalho decente e direitos trabalhistas devem orientar a transição energética na Amazônia e influenciar políticas públicas na região
Publicado: 15 Novembro, 2025 - 00h16
Escrito por: André Accarini
O Fórum Sindical Pan-Amazônico, do qual a CUT faz parte, apresentou na tarde desta sexta-feira (14), o estudo Construindo uma Transição Energética Justa na Região Amazônica, pesquisa sobre transição justa na região, durante atividade realizada na Cúpula dos Povos. A iniciativa, articulada por centrais sindicais de nove países da Amazônia, reforça a urgência de colocar o trabalho decente e os direitos trabalhistas no centro das políticas públicas ambientais e energéticas — um tema frequentemente negligenciado nos debates internacionais.
Produzido em parceria entre CUT, Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA) , TUED (Trade Unions For Energy Democracy/ pt: Sindicatos pela Democracia Energética) e a central sindical italiana CGIL, o estudo se propõe a ser um ponto de partida estratégico para a formação sindical e a ação política na Pan-Amazônia. O documento defende uma transformação socioambiental capaz de enfrentar o modelo capitalista predatório e promover justiça social, ambiental e de gênero para trabalhadores e comunidades do território.
Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT, destacou que a iniciativa de articular o debate sobre o trabalho na região nasceu após a constatação de que o tema estava ausente nos registros oficiais dos Diálogos Amazônicos.
“Quando abrimos a plataforma para registrar o trabalho, todos os temas apareciam – mulheres, florestas, minerais, águas – menos trabalho, como se trabalhadores e trabalhadoras não existissem na região”, afirmou.
Lisboa lembrou que a marginalização do mundo laboral é um fenômeno global. “O valor humano do trabalho está sendo colocado de lado. Isso vem lá daquela história do ‘fim da história’, é estratégia neoliberal”, disse, ao reforçar que milhões de trabalhadores vivem tanto na floresta quanto nas periferias das grandes cidades amazônicas.
Ele explicou que, diante desse cenário, as centrais sindicais dos nove países da Pan-Amazônia — “incluindo a Guiana Francesa” — decidiram construir uma articulação conjunta para investigar políticas públicas existentes e incidir sobre elas. Segundo Lisboa, o projeto, desenvolvido em parceria com entidades como a ICM, CSA, UGT, Nexus e CGL, é “estratégico para a região”.
“Criamos o Fórum Pan-Amazônico no ano passado, em Manaus, e agora estamos apresentando o primeiro resultado desse trabalho”, afirmou, agradecendo as organizações envolvidas e defendendo a ampliação das parcerias. Ao concluir, reforçou a centralidade do trabalho decente na agenda ambiental: “Sem trabalho decente, não há meio ambiente. Como disse Chico Mendes, ‘ambientalismo sem luta de classes é jardinagem’. Nós não estamos aqui para discutir jardinagem”.
Estudo
Apresentada por Lala Peñaranda, Lala Peñaranda, coordenadora da TUED e Sabina Breveglieri, do Instituto Nexus de Solidariedade Internacional da Itália, a pesquisa sobre a transição energética na região pan-amazônica abrangeu Brasil, Colômbia, Equador e Peru e define que a transição justa deve ser pública, soberana, de transformação estrutural e popular. O objetivo central foi caracterizar a situação energética e a indústria petrolífera na região para identificar falhas e oportunidades.
Veja abaixo as principais informações levantadas pelo estudo:
- Desafios Estruturais e Energéticos:
- Matrizes Elétricas Vulneráveis e Cobertura Limitada: As matrizes elétricas na região são vulneráveis e apresentam dificuldades de cobertura. Essa infraestrutura segue um padrão "colonial", focando em pontos de portos e extração de matéria-prima, onde as grandes empresas podem obter lucro, em vez de garantir a energia como um direito humano.
- Centralidade do "Problema Petroleiro" e Mineração: A indústria petrolífera, apesar de causar devastação social e ambiental, é uma importante fonte de divisas (especialmente no Equador) e, em muitas comunidades, é o único empregador.
- Mineração e Conflito: O estudo observou a coexistência de mineração legal e ilegal (aurífera), que exige alta demanda de energia e é uma empregadora significativa. Na Colômbia, especificamente, há uma relação entre a mineração ilegal e grupos criminosos/armados.
- Relação com a Deflorestação: A deflorestação figurou bastante, particularmente no Peru, onde foram notadas contradições na legislação, incluindo leis "antiflorestais" (como a Lei 31973) que minam iniciativas de reflorestamento.
- Falsas Soluções: As empresas privadas utilizam o discurso da transição energética como uma ferramenta de legitimação para novas formas de exploração de recursos naturais.
- O Mundo do Trabalho:
- Formalidade e Precarização: O setor elétrico e petrolífero apresenta uma formalidade e remuneração relativamente alta em comparação com outros setores da região. Contudo, há uma tendência à precarização dos contratos, especialmente em energias renováveis.
- Força de Trabalho Masculinizada: A força de trabalho estudada no setor elétrico e petrolífero é altamente masculinizada.
- Responsabilidade Sindical: O sindicalismo tem um posicionamento estratégico para pressionar o reconhecimento e a contabilidade dos passivos ambientais da indústria petrolífera e das represas.
- Falsa Dicotomia: O estudo desfez a "dicotomia falsa entre trabalhadores e comunidades", mostrando que os trabalhadores são parte das comunidades e atuam de acordo com esse entendimento
- Visão para a Transição Justa:
Lala Peñaranda ressaltou que "não existe transição energética efetiva sem transformação social". As chaves transversais para a transição incluem:
- Descarbonizar a economia.
- Democratizar a transição.
- Apostar no desenvolvimento de tecnologias apropriadas no sul global.
- Jerarquizar o caminho público, utilizando empresas públicas existentes ou iniciativas comunitárias e financiamento público.
A pesquisa enfatiza que o Estado, sob pressão sindical e popular, deve ser o garantidor dos direitos à energia e à eliminação da pobreza energética, respeitando a autonomia e o conhecimento das comunidades. A meta é evitar a mercantilização absoluta da riqueza amazônica.
Mesa: avaliações e contribuições
Mariano Ángel, da UGT da Espanha, durante a apresentação, destacou a importância das alianças globais e da redução das desigualdades para enfrentar a crise climática. Segundo ele, o avanço depende de compromissos concretos entre Norte e Sul.
"Esperamos que desta cúpula possamos tirar conclusões, alternativas e uma folha de rota marcada para acabar, primeiro, com esta brecha Norte–Sul e, segundo, para que as pessoas trabalhadoras sejam sempre e estejam no eixo e no centro de todas as políticas", disse.
Já Kaira Reece, Secretaria de Desenvolvimento Sustentável da CSA, reforçou que a transição justa é um processo integrado, que conecta múltiplas dimensões de justiça. "Não podemos falar de uma justiça separada da outra. Para nós, falar de transição justa abarca uma justiça ambiental, mas abarca também uma justiça social dentro do marco da proteção social para os trabalhadores e as trabalhadoras, e abarca também o tema da justiça de gênero, da justiça fiscal e da justiça econômica", pontuou.
A pesquisadora Sabina Breveglieri, comentou a conclusão do estudo que relaciona a exploração do trabalho à destruição ambiental, ambas resultado da mesma lógica econômica.
"Sabemos que a exploração do trabalho não terminará enquanto não terminar a exploração da natureza, sendo duas faces da mesma modalidade predatória do capitalismo", afirmou.
Lala Peñaranda, em sua fala, afirmou que a transição energética só será real se vier acompanhada de mudanças profundas no tecido social. "Sabemos que não há transição energética efetiva sem transformação social."
Ela também alertou para o risco de captura do discurso ambiental pelo setor privado ao afirmar que compactua da “conclusão que destaca que as empresas privadas utilizam o discurso da transição energética como uma ferramenta de legitimação para novas formas de exploração dos recursos naturais".
Na mesma linha, Mariano Sanz, das Comisiones Obreras da Espanha, enfatizou que a solidariedade internacional é indispensável para enfrentar a crise climática. "Será impossível enfrentar uma transição para salvar o mundo se não houver uma interconexão entre a parte de cima e a parte de baixo. Não somente do ponto de vista do financiamento, mas também do ponto de vista de promover e facilitar tecnologias e, igualmente, do ponto de vista social, porque as pessoas não podem ser as que paguem por isso", disse o dirigente.
A diretora da CGIL/Itália, Simona Fabiani, defendeu que a transição justa exige uma mudança estrutural profunda, que enfrente a lógica de mercado. "A CGIL sempre defendeu que não basta, por mais indispensável que seja, falar de transição justa apenas em termos de direitos laborais. É necessário combater a mudança climática [...] e isso só é possível a partir de uma perspectiva de mudança radical de sistema."
O dirigente da central sindical argentina Union Obrera de la Construcción de ls Repúblçica Argentina (UOCRA/ICM), Nahuel Placanacu, listou as ferramentas sindicais essenciais para promover justiça social em meio ao avanço do negacionismo climático.
"Acredito que há três elementos que todos devemos defender: os direitos à liberdade sindical, à negociação coletiva e o direito de greve — fundamentalmente porque são as três ferramentas centrais para transformar as condições de trabalho, mas também para defender a democracia e a justiça social”, disse.
Ruth Mattos, da Central Autônoma de Trabajadores (CATP) do Peru, destacou que o estudo é apenas o início de um processo e apontou a resistência do Estado peruano em adotar a agenda da transição justa. "Os estudos e diagnósticos são o ponto de partida. Agora depende de nós avançar. [...] O Estado peruano prefere falar de direitos laborais, de direitos humanos, mas não quer aterrissar esses princípios nos direitos trabalhistas concretos", disse.
Por fim, Paola Egusquiza, do Fórum Sindical Pan-Amazônico, afirmou que a próxima etapa será transformar conhecimento em prática concreta. "De nada valem as pesquisas ou os estudos se isso não se transformar em formação para a ação."

