Bets aumentam o número de jogadores que buscam ajuda para largar o vício
Além de fazer um “estrago” no orçamento do trabalhador e da trabalhadora, os jogos online causam estresse, ansiedade, queda de produtividade e depressão. Especialistas avisam: é preciso controle rigoroso
Publicado: 16 Maio, 2025 - 11h05 | Última modificação: 16 Maio, 2025 - 12h08
Escrito por: Luiz R Cabral

Desde a regulamentação das apostas online no Brasil, o setor passou a movimentar cifras bilionárias. Para se ter uma ideia, os apostadores brasileiros gastaram até R$ 30 bilhões por mês em bets entre janeiro e março de 2025, segundo o secretário-executivo do Banco Central, Rogério Lucca.
Esses números estrondosos acenderam um alerta quanto aos efeitos sociais da atividade, especialmente entre trabalhadores das classes menos favorecidas. Dados do Datafolha de 2024 apontam que mais de 32 milhões de brasileiros já apostaram em plataformas digitais, evidenciando a rápida penetração desse mercado em todas as regiões e faixas sociais do país.
No entanto, o levantamento também revela que os impactos negativos se concentram entre jovens, homens e trabalhadores das classes C, D e E, que representam 62% do público mais afetado. Embora o valor médio mensal investido em apostas seja de R$ 263, a dimensão financeira do fenômeno é expressiva.
Mais do que números, o problema tem rosto e consequência direta no cotidiano. Trabalhadoras e trabalhadores apostadores recorrem a empréstimos para cobrir despesas básicas e fazem pedidos frequentes de adiantamento salarial para quitar dívidas com jogos. Esse endividamento constante afeta o desempenho profissional, provocando estresse, ansiedade, queda de produtividade e até depressão.
Apostas e saúde: um problema que vai além da economia
O impacto das apostas não se limita às finanças. Pesquisas realizadas em diferentes países revelam uma porcentagem superior a 15% de tentativas de suicídio entre pessoas viciadas em jogos. Um estudo norueguês publicado pela revista Lancet, em março de 2025, mostrou que o suicídio foi a principal causa de morte entre pessoas com transtornos ligados ao jogo.
O alerta é global. Outro levantamento internacional, também publicado pela Lancet, analisou dados de 68 países entre 2010 e 2024. A pesquisa apontou que 46% dos adultos e 18% dos adolescentes realizaram algum tipo de aposta nesse período.
O estudo reforça que, embora os jogos de azar estejam legalizados em aproximadamente 80% dos países, mesmo nas regiões onde são proibidos, a presença das apostas digitais é forte. Isso torna o combate e o controle do vício em jogos um desafio de escala internacional.
No Brasil, o vício em apostas ganha contornos alarmantes
O avanço das apostas esportivas online no Brasil tem sido fortemente impulsionado por campanhas publicitárias com celebridades e criadores de conteúdo, influenciadores, nas redes sociais. Com milhões de seguidores e contratos milionários, essas figuras públicas exercem papel central na popularização das chamadas bets, contribuindo para o para o crescimento de um cenário preocupante de vício em jogos digitais.
A mobilização do setor de entretenimento, especialmente nas redes sociais, tem levantado questionamentos sobre os limites éticos da publicidade voltada para públicos vulneráveis — especialmente jovens e trabalhadores de baixa renda, mais suscetíveis aos riscos do jogo compulsivo.
A dimensão do problema ficou evidente em agosto de 2024, quando dados do Banco Central revelaram que R$ 3 bilhões dos R$ 14,1 bilhões pagos pelo Bolsa Família naquele mês foram usados em apostas — um sinal de alerta sobre o endividamento de famílias pobres.
Um caso de saúde pública
Uma reportagem da revista Piauí destacou o aumento na demanda por tratamento no Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-Amjo), do Hospital de Clínicas de São Paulo, coordenado pelo psiquiatra Hermano Tavares. Desde 2023, os atendimentos triplicaram. A equipe, com cerca de 60 voluntários, identificou que a facilidade de acesso via celular fez as apostas digitais se alastrarem rapidamente.
Jogos como o popular “Tigrinho” e as bets se tornaram onipresentes. Com acesso fácil, uso intuitivo e promoção maciça por influenciadores digitais, esse tipo de jogo afeta com mais força grupos vulneráveis como jovens, crianças, pessoas isoladas e famílias de baixa renda. O motivo: o fácil acesso aos sites de apostas e a ilusão de ganhar dinheiro de uma forma rápida e fácil, tornado o prêmio um complemento da renda mensal que sempre é escasso para essa população.
Por isso, a dependência em jogos foi oficialmente reconhecida como transtorno psiquiátrico pela Sociedade Americana de Psiquiatria em 2013, e os dados mais recentes mostram crescimento preocupante.
Uma outra reportagem publicada no site da CUT mostrou que o governo federal tem reagido. Em outubro de 2024, quando ainda era ministra da Saúde, Nísia Trindade classificou a dependência em jogos online como uma pandemia e defendeu políticas semelhantes às do combate ao tabagismo. Na mesma matéria, a professora Terezinha Ferrari (PUC-SP) destacou que o crescimento das apostas está ligado à desigualdade e à precarização do trabalho. Já a psicanalista Maria Rita Kehl apontou o desamparo emocional como combustível do vício.
Linha do tempo das bets no Brasil: da liberação à CPI
Para entender como chegamos a esse cenário é preciso voltar no tempo. A liberação das apostas online no Brasil ocorreu em 2018, durante o governo de Michel Temer, com a Medida Provisória 846/2018. Ela autorizou a modalidade de apostas em cotas fixas e estabeleceu um prazo de quatro anos para regulamentação do setor.
Contudo, durante o governo de Jair Bolsonaro, a regulamentação não avançou. Sem regras claras, o país assistiu à proliferação de sites fraudulentos e sem controle, operando livremente e sem tributação. Foi nesse contexto que empresas estrangeiras se instalaram com força no mercado brasileiro.
Diante do avanço desordenado, o tema chegou ao Congresso. A Comissão Parlamentar de Inquérito das bets (CPI das bets), criada em 2024 e prevista para funcionar até junho de 2025, passou a ganhar destaque na mídia e nas redes sociais. A CPI ouve influenciadores, especialistas e autoridades para investigar os impactos das plataformas de apostas online.
O objetivo da comissão é apurar a possível associação entre empresas de apostas e organizações criminosas, além de analisar a influência dessas plataformas na saúde mental e na economia das famílias brasileiras.
Com a pressão da opinião pública e os dados alarmantes, o governo federal passou a tomar medidas mais concretas. Em 1º de janeiro de 2025, entrou em vigor a Lei nº 14.790/2023, que estabelece critérios para autorização de casas de apostas, regras de publicidade e ações de combate à lavagem de dinheiro.
Desde então, o número de plataformas legalizadas cresce mensalmente. Até 5 de maio de 2025, 154 bets estavam autorizadas a operar no Brasil.
Diante dos efeitos do vício em apostas digitais, especialmente entre os mais vulneráveis, é essencial que a regulação do setor inclua medidas de saúde pública e não se limite à arrecadação. Maior rigor na fiscalização das plataformas e da publicidade é indispensável, assim como a inclusão da saúde mental como eixo central nas decisões sobre o tema.