Beto Almeida: Serra, Bolívia e Irã:...
Publicado: 14 Junho, 2010 - 11h46
Escrito por: Beto Almeida
Como avaliar a extensão e a profundidade dapreocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quandoministro de FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateralque é como pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega deinformações militares e governamentais brasileiras para o controle de umconsórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagãosatelital agora clama para segurança? O artigo é de Beto Almeida.
Serra,Bolívia e Irã: segurança para quem?
O candidato presidencial pelo PSDB tem insistidona crítica à atual política externa brasileira, à proposta da integraçãolatino-americana. Foca na Bolívia, sobretudo, acusando o presidente Evo Moralesde conivência com o narcotráfico. E critica também o governo Lula-Dilma por nãoadotar medidas de segurança mais eficazes no combate ao tráfico de drogas.
Porém, lembramos algumas medidas adotadasno governo da dupla FHC-Serra que diluíram a níveis gravíssimos a capacidade doestado de praticar indispensáveis políticas de soberania. Tomemos a privatizaçãoda Embratel. Com ela, todas as comunicações governamentais e de segurançanacional, além da cobertura nacional das TVs, que passam pelos antigosBrasil-SAT da empresa, estão hoje sob controle de consórcio internacional.Basta uma ligeira modificação no posicionamento dos satélites, por sabotagem oupor erro técnico - atenção para a elasticidade do termo - para causar um apagãoem todo o território nacional. A informação é importante para compreender queconcepção de segurança o ex-ministro de FHC está a alardear hoje.
Muito recentemente, com a aprovação da novaEstratégia Nacional de Defesa, a preocupação de importantes segmentos militarescom aquela extravagante vulnerabilidade externa criada pelaprivatização-desnacionalização da Embratel, está sendo resolvida pelo governoatual. Por iniciativa da Aeronáutica, já há o planejamento para um satélitebrasileiro, geoestacionário, por onde trafegarão as comunicações militares egovernamentais, hoje sob comando de consórcios vinculados a operações militaresdestinadas a sustentar o expansionismo dos interesses do EUA sobre o Iraque, oAfeganistão e, bola da vez, o Irã, todos riquíssimos em energia. Como sabemos,estas grandes empresas registram grande vinculação com a indústria bélica,fonte de todas suas encomendas.
Assim, cabe perguntar se serão diferentesos interesses e o modo de operação de mecanismos como a Embratel, por parte dosEUA, em relação a um país do porte e das riquezas estratégicas do Brasil,considerando a grande escassez energética do gigante norte-americano? Será queos EUA atuarão com pleno respeito às leis do mercado e também às leisinternacionais, quando, num momento de tensão ficarem consignadas as grandesdivergências que possui com o Brasil em matéria de política internacional, aliás,como assinalou a Secretária Hillary Clinton?
Hásegurança com apagão satelital?
É diante deste quadro de complexidadescrescentes - num mundo que cada vez mais comprova não ser o terreno para meigos- que por proposta do Brasil foi criado o Conselho de Defesa Sul-Americana.Detalhe fundamental: sem a presença dos EUA. Ato contínuo, os EUA revitalizarama sua Quarta Frota. Como avaliar então a extensão e a profundidade dapreocupação do ex-ministro José Serra para com a segurança nacional se, quando ministrode FHC, participou desta espantosa política de desarmamento unilateral que écomo pode ser chamada a desnacionalização da Embratel e a entrega deinformações militares e governamentais brasileiras para o controle de umconsórcio internacional muito vinculado à indústria bélica? Quem criou o apagãosatelital agora clama para segurança?
Vale lembrar que tanto a Venezuela, que jálançou o seu satélite próprio, Simon Bolívar, como a Bolívia, que estápreparando o seu equipamento próprio, a partir de cooperação com a China, hojeuma potência espacial, sinalizam o quanto o Brasil terá andado na contra-mão naimprescindível caminhada de possuir um sistema soberano de informação. Aliás,vale lembrar que foi em 1961, a partir de visita do presidente João Goulart àChina que nasce o interesse do Brasil pela exploração espacial. Muitos fatoresintervieram, sobretudo intervenções externas, para atrasar ao máximo olançamento oficial do Programa Espacial Brasileiro, apenas em 1979. Enquantoisso, comparemos, a China Popular foi do ábaco ao computador, foi do estágioagrícola a tornar-se uma potência espacial, lançando naves ao espaço sideral.
Por obra de valorosos brasileirospreservamos o Programa Espacial Brasileiro e, agora, com uma política inversaáquela praticada pela dupla FHC-Serra, o Brasil já está em condições de dedicarmais prioridade política e orçamentária a programas de desenvolvimento dasnovas possibiliades, aproveitando suas grandes vantagens comparativas, parabuscar ingressar no seleto e fechado clube das super-potências espaciais. Etambém para reativar e fortalecer outro importante programa também relacionadoà soberania nacional, o programa nuclear, que, há pouco, recebeu volume inéditode recursos por decisão de um presidente que quando criança, por pouco escapouda morte ao ser mordido por uma égua enfezada. Assim como escapou da pena demorte generalizada representada pela miséria que durante décadas executouimplacavelmente crianças pobres nordestinas.
Esvaziamento ou inchaço?
Por falar em segurança também é importantelembrar por quanto tempo a Polícia Federal ficou sem realizar concursospúblicos quando Serra era ministro, período em que o FBI passou a ter um móduloseu, dentro das instalações da DPF em Brasília, um edifício cujo acesso évedado a policial brasileiro, conforme denunciou reiteradas vezes a revistaCarta Capital em 2000 e 2001.
O Brasil, com quase 200 milhões dehabitantes, tem nos quadros de sua Polícia Federal, cerca de 50 milprofissionais. Para se dimensionar o esvaziamento da máquina pública pelaspolíticas neoliberais, o Canadá, com pouco mais de 20 milhões de habitantes,tem na Polícia Federal um efetivo de 180 mil homens. Agora, registramos aretomada dos concursos públicos pela dupla Lula-Dilma, procedimento que é vistopela crítica neoliberal como inchaço da máquina....
É claro que não se pode pensar em segurançae defesa se não há controle de fronteiras, infra-estrutura moderna, incluindomeios de transporte e suas indústrias ferroviária e aeronáutica, ambas privatizadase desnacionalizadas na década passada. E Forças Armadas de fato armadas.
Irã
Mas, como a crítica do candidato tucanoalcançou o Irã, uma pequena nota divulgada hoje ajuda a jogar luzes seuposicionamento. Trata-se de uma advertência dos EUA ao Brasil, lembrando que assanções impostas ao Irã incluem a proibição da venda de etanol à nação persa.Fica claro então que as sanções visam não apenas manter o monopólio datecnologia nuclear em mãos das potências nucleares, como também prejudicar orelacionamento econômico do Irã com diversos países, incluindo o Brasil.
O ex-ministro da Saúde, no episódio, écolhido na posição contrária ao desenvolvimento tecnológico das naçõesemergentes no terreno nuclear. Posicionamento que, se hoje é contra o Irã,amanhã pode ser perfeitamente lançado contra o Brasil, já que há muitasinsinuações de estranhos porta-vozes das grandes potências de que o Brasiltambém estaria pretendendo ter a sua bomba atômica. Não precisa ser verdade.Lançou-se devastadora agressão militar contra o Iraque com base em mentiras,hoje reconhecidas, de que aquela nação árabe possuía armas de destruição emmassa.
Revisão necessária em curso
Só muito recentemente aquela política dedesarmamento unilateral vem sendo revista com robustez. A Estratégia Nacionalde Defesa, o reforço orçamentário ao Programa Nuclear Brasileiro, o apoioconsistente ao Programa Espacial Brasileiro, a retomada dos concursos públicospara equipamento da Polícia Federal, a criação do Sistema de Rastreabilidadedos Medicamentos combatendo com tecnologia avançada o contrabando e afalsificação, a retomada da Telebrás Estatal, são algumas das medidas queapontam para esta revisão. Vale citar a regulamentação da lei do tiro deinterceptação de naves que penetram ilegalmente as fronteiras brasileiras,nunca regulamentada no governo anterior, estimulando sua prática, já que osmilitares brasileiros nada podiam fazer além de constatar a ilegalidade.
Há a necessidade de muitas outras medidas.Mas, uma delas, é inescapável lembrar aqui, embora tenha sido apresentadadurante da Conferência Nacional de Comunicação, sem ter tido o número de votosnecessários à aprovação: a retomada do controle da Embratel para o estadobrasileiro. Ou será admissível num mundo de tensas e complexas tensões, e decrescentes divergências do Brasil com os EUA, como nos advertiu Hillary Clinton,imaginar, candidamente, que mesmo em situações de impasse e de conflitos queenvolvam a soberania nacional, os atuais donos da empresa, que controlainformações governamentais e militares brasileiras, atuarão com lealdade esinceridade ante os interesses nacionais?
Para os que desnacionalizaram a Embratel,entre eles o ex-ministro Serra, provavelmente sim. Eles o fizeram. Para aex-ministra Dilma, que atuou intensamente para, a partir da Casa-Civil, darsustentação e viabilidade á nova Estratégia Nacional de Defesa, possivelmentenão. Não creio sejam estas diferenças secundárias entre os dois. E, certamente,ajudam a medir o alcance do discurso do candidato tucano quando aborda o temasegurança.
(*) Jornalista