Agricultores familiares pedem mais investimentos para enfrentar custos da produção
Contag e Contraf Brasil, entidades que representam os agricultores familiares, querem que o país invista mais em assistência técnica, estoque regulador e tenha programas a curto e longo prazos
Publicado: 29 Janeiro, 2025 - 09h00 | Última modificação: 29 Janeiro, 2025 - 09h33
Escrito por: Rosely Rocha

A safra agrícola de 2024 do país fechou o ano de 2024 com a produção de 292,7 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas, o que representa recuo de 7,2% em relação à safra 2023, segundo Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), divulgado em 14 de janeiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O resultado se refletiu nos preços dos alimentos. Nos últimos 12 meses, a tendência para todos os produtos da cesta básica foi de elevação de preços, consequência da instabilidade climática, da demanda externa e do real desvalorizado em relação ao dólar. Seis itens apresentaram alta nos preços em todas as 17 capitais pesquisadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): carne bovina de primeira, leite integral, arroz agulhinha, café em pó, banana e óleo de soja. O pão francês e a manteiga encareceram na maior parte das localidades pesquisadas.
A estimativa da produção agrícola para este ano é de uma produção de 322,6 milhões de toneladas, uma alta de 10,2% em relação à de 2024 – 29,9 milhões de tonelada a mais, em função da recuperação da safra de soja, que passou por muitos problemas em 2024 e à melhoria das condições climáticas favoráveis às lavouras na maior parte do Brasil, mesmo com atraso no início do plantio, avaliou o gerente de agricultura do IBGE, Carlos Guedes, em entrevista à Agência Brasil.
Com a melhora na produção de alimentos, a expectativa do governo federal é que haja uma redução nos preços dos alimentos. O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, disse esta semana que além da maior produção, a queda do dólar (até o meio dia desta terça-feira a cotação da moeda norte-americana estava em R$ 5,88. No dia anterior fechou em R$ 5,91), ajudaria a baixa. Leia abaixo as propostas do governo federal para baratear os alimentos.
Embora a expectativa seja promissora, a coordenadora-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf Brasil), Josana Lima, e o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Secretário-Geral Adjunto da CUT Nacional, Aristides Santos afirmam que para baratear ainda os alimentos é preciso mais investimentos para a agricultura familiar.
Josana Lima, no entanto, entende que o governo federal tem buscado algumas estratégias que ajudem no equilíbrio dos preços como a redução da alíquota de impostos dos alimentos e a importação para os produtos que estão mais caros no mercado interno, mas isso são problemas que se resolvem a longo prazo.
“O que é preciso no momento é o fortalecimento da produção nacional. É urgente a iniciativa que o governo precisa adotar, eu acho que só o Plano Safra não dará conta para garantir essas questões, embora que a gente aponte, a medidas como o crédito subsidiado”, diz a dirigente.
Apesar de entender que essas medidas são importantes, Josana acredita que para garantir que o alimento chegue à mesa do povo brasileiro mais barato é necessário que o governo pense políticas mais estruturantes para aumentar a produção e baratear os custos.
A dirigente conta que os agricultores familiares apresentaram ao governo uma proposta de se trabalhar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da agricultura familiar, já que são eles que colocam comida na mesa do povo brasileiro, geram emprego e renda. Leia abaixo sobre a proposta PAC da Agricultura Familiar.
No Brasil 77% dos estabelecimentos agrícolas são familiares, abrangendo 80,9 milhões de hectares e sendo responsáveis por 67% da força de trabalho no campo. A agricultura familiar é a base econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes.
“Quem tem a condição de contribuir para diminuir a inflação do preço dos alimentos é o maior número de produção. Os agricultores familiares que produzem, então acho que hoje pensar nessa tecnificação para a agricultura familiar é muito essencial para dar a condição e a garantia para o preço dos alimentos e o aumento da produção”, afirma Josana Lima.
O presidente da Contag, Aristides Santos concorda que para baixar os preços dos alimentos é preciso investir mais na agricultura, especialmente em assistência técnica para auxiliar nos processos de cultivo.
“Nada se faz sem assistência técnica, mas no ano passado a previsão era a de investir R$ 2 bilhões. Ainda assim são necessários R$ 3 bilhões, mas só foram utilizados R$ 600 milhões”, afirma Aristides Santos.
Na avaliação do dirigente da Contag, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) precisa focar seus investimentos onde se produz alimentos.
“É preciso investir na agricultura familiar, nos processos de comercialização, no plano safra. Não pode faltar dinheiro para compra pública. O governo deve cuidar dos estoques reguladores, evitar a especulação nos preços do arroz e feijão e trabalhar numa perspectiva de curto, médio e longo prazo. Infelizmente esses processos ainda estão lentos”, diz.
Aristides conta que a Contag levou ao Ministério propostas de um plano de abastecimento e mais investimentos para a agricultura familiar.
Diálogo com o governo federal
Embora 2024 tenha sido um ano recorde em investimentos para a agricultura familiar e a reforma agrária, na semana passada, representantes da Contag, da Conab e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) se reuniram em Brasília e enfatizaram a necessidade de ações mais amplas e transformadoras.
“Foi um debate franco e construtivo com MDA, que permitiu avaliar o que já foi entregue e ouvir as reivindicações dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Ficou evidente o compromisso de construir um planejamento alinhado à realidade do campo brasileiro. Nossa expectativa é que, com base nesta avaliação, possamos ampliar o orçamento do MDA e implementar políticas públicas ainda mais eficazes e que cheguem na vida das pessoas que estão lá na base," avaliou Aristides Santos.
Como encaminhamento, ficou acordado que uma nova reunião será realizada em março ou abril de 2025, com o objetivo de monitorar as ações implementadas e atualizar o balanço para o próximo ano.
Crise climática
Sobre as mudanças climáticas que têm atingido duramente a agricultura, ou com excesso de chuva e seca extrema, a Contag apresentou ao MDA um Plano de Adaptação específico para a Agricultura Familiar para garantir políticas públicas, oferecer resiliência aos povos do campo, das águas e das florestas e impulsionar a agricultura de baixo carbono de quem realmente precisa e oferece soluções reais.
A coordenadora-Geral da Contraf Brasil conta que a seca no Centro-Oeste, o excesso de chuva no Sul, geraram essas grandes perdas na produção de grãos como o milho e a soja, fundamentais para a alimentação da cadeia produtiva.
O Rio Grande do Sul , entre abril e maio do ano passado, sofreu com fortes cheias e inundações, já hoje o cenário é de estiagem, com ocorrência de chuvas isoladas e irregulares, resultando em uma série de problemas para a agricultura familiar, como o mau desenvolvimento da produção, o baixo índice de germinação, a diminuição e ressecamento dos frutos, morte das plantas e a perda de valor comercial dos produtos agrícolas. Os impactos da situação meteorológica são relatados por diversos agricultores familiares gaúchos, que demonstram preocupação em relação aos resultados da produção.
“Os preços dos alimentos estão muito conectados com a questão da crise climática, porque a gente observa que isso impacta diretamente os agricultores familiares, que enfrentam esses desafios com a perda de lavouras, o aumento da imprevisibilidade da colheita, principalmente das culturas básicas, como o feijão, o milho e as hortaliças que sofrem com essas mudanças climáticas”, diz Josana Lima.
Ela explica que a crise climática não só reduziu a oferta no mercado interno num momento de alta demanda internacional, o que pressionou os preços. Além disso, os custos como energia elétrica, logística, insumo agrícola seguem elevados. E isso dificulta a redução do preço do mercado.
“Por isso é muito fundamental que seja implementada as políticas que apoiem esses agricultores a se adaptarem, com acesso a tecnologias climáticas, acesso à justiça técnica, crédito, enfim, a todas as demandas que elas são pertinentes e importantes para fortalecer e garantir essa diversidade”, finaliza Josana.
Sobre o PAC da Agricultura Familiar
A proposta do PAC, elaborada com base nos eixos estratégicos defendidos pela Contraf Brasil, visa promover o bem-estar das famílias agricultoras, fortalecer a produção de alimentos saudáveis e sustentáveis, e criar condições para uma virada de chave no meio rural. Alguns dos pontos principais da pauta da entidade são:
Transporte Eficiente e Sustentável: Investimentos em estradas vicinais e veículos adaptados para garantir o escoamento da produção agrícola.
Infraestrutura Social e Inclusiva: Construção de centros comunitários e feiras permanentes, fomentando a comercialização direta dos produtos da agricultura familiar.
Água para Todos: Instalação de cisternas e revitalização de bacias hidrográficas, garantindo acesso à água para consumo e produção.
Inclusão Digital e Conectividade: Implantação de internet acessível e rádios comunitárias para integrar o campo às inovações tecnológicas e;
Saúde e Educação no Campo: Fortalecimento da saúde pública rural e criação de programas educacionais voltados para a agroecologia e tecnologias sustentáveis.
Propostas do governo federal para baratear os alimentos
O governo federal está implementando uma série de medidas para tentar conter a inflação dos alimentos e garantir o acesso da população a produtos básicos, garantiu o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário Paulo Teixeira em entrevista nesta terça-feira (28), ao programa Ponto de Vista da revista Veja.
Segundo Teixeira, o governo federal está estimulando a produção nacional, diminuindo os juros para os produtores de alimentos que abastecem o mercado interno e quer ampliar a produção com o desenvolvimento de novas semente, além de controlar a tarifa de importação de forma seletiva e progressiva, a fim de evitar que o preço de produtos importados prejudique a produção interna, entre outras medidas. As informações são do UOL.
O governo federal também deve apresentar esta semana um plano estratégico para minimizar problemas na logística de escoamento da safra agrícola, com foco em rodovias, ferrovias e portos. A ideia é mapear e endereçar possíveis problemas logísticos que possam encarecer o frete e impactar o preço dos alimentos.