Agente diz que Goulart foi assassinado: 'A CIA foi responsável por muita coisa'
Publicado: 29 Janeiro, 2008 - 11h57
O ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio, Mario Neira Barreiro, preso desde 2003 no Rio Grande do Sul, afirmou em entrevista no fim de semana que o ex-presidente João Goulart não morreu de ataque cardíaco, mas teria sido assassinado a mando de Sérgio Paranhos Fleury, numa ação batizada de "Operação Escorpião", financiada pela CIA. Jango morreu em 6 de dezembro de 1976, em sua fazenda na Argentina.
"Fleury foi quem deu a palavra final", afirmou Barreiro. "A CIA pagou fortunas para saber o que Jango falava e foi responsável por muita coisa", prosseguiu o agente uruguaio. "O plano consistia em pôr comprimidos envenenados nos frascos dos medicamentos que Jango tomava para o coração: o efeito seria semelhante a um ataque cardíaco. As cápsulas envenenadas eram misturadas aos remédios no Hotel Liberty, em Buenos Aires, onde morava a família de Jango, na fazenda de Maldonado e no porta-luvas de seu carro", informou.
"Ele tomava Isordil, Adelfan e Nifodin, que eram para o coração. Havia um médico-legista que se chamava Carlos Milles. Ele era médico e capitão do serviço secreto. O primeiro ingrediente químico veio da CIA e foi testado com cachorros e doentes terminais. O doutor deu os remédios e eles morreram. Ele desidratava os compostos, tinha cloreto de potássio. Não posso dizer a fórmula, porque não sei. Ele colocava dentro de um comprimido", explicou o agente.
Segundo Barreiro, a fazenda de Jango foi espionada durante anos. "Estive na fazenda de Maldonado para colocar uma estação repetidora que captava sinais dos microfones de dentro da casa e retransmitia para nós. Esta estação repetidora foi colocada numa caixa de força que havia na fazenda. Aproveitamos essa fonte de energia para alimentar os aparelhos eletrônicos e para ampliar as escutas. Isso possibilitava que ouvíssemos as conversas a 10, 12 km de distância. Ficávamos no hipódromo de Maldonado ouvindo o que Jango falava", revelou.
O ex-agente afirmou possuir as gravações das escutas feitas na fazenda de Jango, mas ainda não apresentou as provas que diz possuir. Argumentou que precisava de dinheiro para entregar as fitas. Mesmo não tendo comprovado suas informações, e, inclusive, parecendo querer "valorizar" sua história, e as fitas, o fato é que o possível assassinato de Jango, revelado agora por ele, ocorreu no mesmo ano em que vários outros crimes contra lideranças sul-americanas foram cometidos. Todos com participação da CIA.
Em setembro de 1976 foi assassinado em Washington o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Allende, Orlando Letelier. O crime foi assumido pelo agente da CIA, Michael Townley, que também já havia eliminado com uma bomba o general chileno, Carlos Prats. Neste mesmo ano de 1976 ocorreu, em junho, o assassinato do General Juan José Torres, ex-presidente da Bolívia, morto com um tiro na nuca. O ex-presidente da Câmara dos Deputados do Uruguai, Héctor Gutiérrez Ruiz,e o ex-senador Zelmar Michelini, também foram mortos em Buenos Aires, em 1976. Morreu também neste ano, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas, o ex-presidente Juscelino Kubitschek.
A CIA, balançada pelas revelações de parte de seus crimes pela Comissão do senador Frank Church, instalada após o escândalo de Watergate, pareceu ter intensificado as suas ações na América Latina no ano de 1976. A evidência de que a CIA já vinha "correndo contra o tempo" ficou evidente no diálogo entre Henry Kissinger, então conselheiro para política externa de Gerald Ford e o contra-almirante Cesar Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores da Argentina, ocorrido em outubro de 1976, na suíte de Waldorf Astoria Hotel, em New York. Kissinger disse a Guzzetti que a situação política no Estados Unidos estava "crazy" (louca). Que estava claro que Jimmy Carter seria o candidato do Partido Democrata à sucessão de Ford no final do ano e que havia fortes pressões domésticas para que se fizesse alguma coisa sobre os direitos humanos. Kissinger recomendou que o governo argentino se apressasse para terminar a "dirty war" (guerra suja) antes das eleições e disse que quando o Congresso se reunisse haveria cortes na "ajuda" militar.