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Acordo Mercosul–UE deve ser assinado dia 20. Centrais reivindicam espaços de diálogo

Após décadas de impasses, tratado pode ser assinado. Centrais Sindicais do Cone Sul seguem críticas pela ausência de garantias sociais e buscarão espaços de diálogo após vigência do acordo

Publicado: 10 Dezembro, 2025 - 18h07 | Última modificação: 11 Dezembro, 2025 - 10h02

Escrito por: André Accarini

Portal Gov.br
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Negociado desde o final dos anos 1990, o Acordo Mercosul–União Europeia está mais uma vez às portas da assinatura e, desta vez, com chances reais de se concretizar. A expectativa, de acordo com o próprio governo brasileiro, informada durante a reunião de cúpula dos presidentes do Mercosul, em Foz do Iguaçu, é de que o anúncio ocorra no dia 20 de dezembro

Para a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), entidade que reúne as centrais dos países do Mercosul e da qual a CUT faz  parte, trata-se de um momento decisivo. A entidade reafirma sua oposição ao conteúdo do acordo, destacando que o texto não contempla direitos, proteção e desenvolvimento social para trabalhadores. “Não há mecanismos de participação social e ameaça a estrutura produtiva da região”, diz Quintino Severo, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT e secretário-geral da CCSCS, sobre o acordo.

Ainda assim, após décadas de idas e vindas, a avaliação política é que o acordo será firmado e que o movimento sindical precisa se preparar para disputar sua implementação.

“Acho muito difícil que o acordo não seja assinado e que não entre em vigor. O desenho dos parlamentos da nossa região faz com que seja difícil rejeitar o tratado. Aqui, nós não temos esperança de que ele não seja aprovado”, avalia o dirigente.

Entre resistências internacionais e o peso da conjuntura

Ao longo de quase três décadas, a assinatura do acordo se aproximou da assinatura inúmeras vezes. Outras tantas, recuou diante de divergências políticas, mudanças de governo ou resistências setoriais. Atualmente a oposição vem da França, onde o setor agrícola mantém forte pressão contra o tratado e organiza, inclusive, uma greve geral de agricultores em torno do dia 20 de dezembro.

Mesmo assim, Quintino Severo observa que o movimento europeu pode não ser suficiente para reverter o cenário. “A parte econômica do acordo já passou pelo Parlamento Europeu, e a parte política seguirá tramitando posteriormente, país por país”, explica.

No Mercosul, o modelo de ratificação também favorece a aprovação: cada país vota individualmente, o que reduz a possibilidade de veto coletivo. “O acordo vai ser ratificado pelos parlamentos do Mercosul, ou seja, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O cenário político das casas legislativas torna isso muito provável”, reforça o dirigente.

Por que a CCSCS critica o acordo?

As críticas do movimento sindical se referem a um desequilíbrio entre as regiões. “Todo mundo sabe que somos contra ao acordo em função de todos os problemas que ele acarreta”, diz Quintino.

A perspectiva é de desindustrialização, menos produção nacional e maior dependência de produtos industrializados da Europa. Isso significa enfraquecimento da indústria local e perda de empregos de qualidade
- Quintino Severo

Quintino resume os principais pontos:

  • ausência de transparência nas negociações;
  • falta de participação da sociedade civil, especialmente dos trabalhadores;
  • ameaça à indústria regional, com risco concreto de desindustrialização;
  • reforço à lógica primário-exportadora, que mantém o Cone Sul dependente da venda de commodities;
  • impactos ambientais graves, agravados pelo estímulo ao agronegócio brasileiro;
  • desigualdade estrutural entre os blocos, que favorece grandes corporações e economias mais fortes.

A CUT e a CCSCS também apontam que o texto mantém estruturas de integração consideradas ultrapassadas, que não dialogam com os desafios ambientais, tecnológicos e sociais do século XXI.

Se é inevitável, o que fazer?

Quintino Severo relata que a representação da classe trabalhadora do Mercosul manté, as críticas, mas reconhece que a conjuntura exige ampliar o campo de incidência.

“É preciso buscar outros instrumentos. Se o acordo for efetivado, qual é o espaço que a sociedade civil, especialmente nós, trabalhadores, vamos ter para acompanhar, fiscalizar e opinar?”, questiona Quintino.

A construção de mecanismos institucionais de participação é o caminho mais adequado e possível para o futuro, segundo o dirigente.

Articulação com a Confederação Europeia de Sindicatos

A CCSCS e a Confederação Europeia de Sindicatos (CES) estruturaram um fórum conjunto, que já funciona e será a principal ferramenta para pressionar por espaços nos dois blocos. A ideia é que esse fórum se torne uma instância reconhecida no acompanhamento do acordo.

O movimento sindical no Mercosul também pretende fortalecer e utilizar mecanismo como;

  • a Comissão Sociolaboral do Mercosul, instância tripartite para debate de condições de trabalho;
  • o Fórum Consultivo Econômico-Social (FCES), espaço bipartite entre trabalhadores e empregadores.

A expectativa é criar estruturas semelhantes no âmbito europeu, garantindo simetria e diálogo permanente com governos e instituições dos dois blocos.

“Queremos abrir espaços institucionais para intervir sobre o que está acontecendo no acordo. A nossa prioridade agora é reconstruir esses espaços de monitoramento”, afirma Quintino.

O Acordo: implementação, revisão e disputa de médio e longo prazo

O texto do acordo prevê uma revisão formal somente após cinco anos de vigência. Para o movimento sindical, esse prazo é excessivo e precisa ser tensionado desde o início da implementação.

Não vamos ficar apostando só no ‘ser contra’, porque podemos perder a oportunidade de intervir O acordo não é bom, não é o ideal, mas é inevitável. O que temos que fazer é garantir um espaço para sermos ouvidos, o que até hoje nunca aconteceu
- Quintino Severo

Esse é o ponto central da estratégia da CCSCS. Se a assinatura é provável, a disputa política começa agora e deve continuar de forma permanente, para reduzir danos, construir alternativas e buscar revisões antecipadas que contemplem emprego, direitos e desenvolvimento sustentável.

Uma disputa que continua após o dia 20

Enquanto a data de assinatura se aproxima, a CUT e a CCSCS intensificam a articulação com organizações sociais, movimentos ambientais, pesquisadores e parlamentares, tanto na América do Sul quanto na Europa. “Se o acordo é inevitável, sua forma de implementação não precisa reproduzir o modelo desigual que tem sido criticado pelos sindicatos há quase 30 anos”, pontua Quintino.