Sobre unidade e unicidade
Publicado: 02 Julho, 2012 - 00h00 | Última modificação: 10 Setembro, 2014 - 11h02
Textos divulgados pelas centrais defensoras da unicidade e do imposto sindical e contrárias à ratificação da Convenção 87 da OIT, que trata da liberdade e autonomia sindical,partem de um falso argumento, pois tratam como sinônimos unidade e unicidade.
Os vários dicionários da língua portuguesa dão uma única definição de unicidade: “Qualidade ou fato de ser único”.
Para o termo unidade, porém, são várias as definições:
1-O número um; 2. Qualidade do que é único, do que não se pode dividir: a unidade de um país; 3. Homogeneidade, uniformidade, identidade (unidade cultural); 4. Cada parte que forma um todo dentro de um conjunto ou sistema (unidade hospitalar);5. Cada um dos objetos que se podem contar: Fabricam mil unidades por dia;6. Quantidade tomada como referência para comparar grandezas da mesma espécie (unidade de medida);7. União, coesão (unidade partidária);8. Coordenação das diversas partes de uma obra artística, literária etc., de modo que ela apresente um todo harmônico.
Como se vê, a unicidade apenas pressupõe o único e o único, uma só identidade; ou seja, não admite a diversidade, a pluralidade, a diferença, o contraditório.
A unidade, diferentemente, admite tudo isso e, mais que isso, é um processo permanente de construção de consensos a partir de divergências, de diferentes visões que se propõe uma finalidade, um objetivo ou uma meta.
A unidade não mascara as diferenças. Ao contrário, só se afirma a partir de suas explicitações. Contra a unicidade, pensamento único, a construção da unidade a partir das diferenças que enriquecem os debates. A unicidade é totalitária.
A unidade remete também à união e à coesão.
Coesão significa “ Harmonia e equilíbrio entre as partes de um todo ou entre membros de um grupo”(dic. Caldas Aulete)
Já União pode ser:
1-Ação ou resultado de unir, ligar ou juntar(-se);
2. Associação de pessoas ou coisas, formando um todo;
3. Conformidade de esforços, de pensamentos, de sentimentos.
Ou seja, ambos os termos remetem à existência de partes (plural) que conformam um todo (singular). E, como sabemos que o todo não é a soma das partes, mas uma articulação delas que produz algo novo, esse algo novo só pode ser um constructo da unidade a partir da diversidade. A unidade é democrática.
Outra confusão dos defensores da unicidade diz respeito à ação e organização, ao tentar estabelecer uma correlação direta do plano organizativo ao plano da ação. Nessa equação, unidade de ação implicaria necessariamente unicidade organizativa. Nada mais falso. Foram várias as centrais que construíram a unidade de ação em 2010 e em várias outras ocasiões e não uma única. Chegaram a consensos após negociações de suas distintas visões e análises, ou seja, construíram a unidade em processo. Em outras palavras não se precisou da unicidade para se construir a unidade.
Mais uma confusão: Ao afirmar que a opção pela liberdade contém uma opção individualista e que a posição da unicidade seria a posição coletiva (classista), se esquece que quem defende a liberdade sindical defende o direito de trabalhadores/as se organizarem em sindicatos, ou seja, se organizarem para ações coletivas. Voltemos ao dicionário para a definição de sindicato: “ Associação que tem como objetivo a defesa dos interesses dos seus integrantes.” (Caldas Aulete) Ora, se é uma associação, é um coletivo. E se alguém se associa a um coletivo não é por opção individualista. Elementar meu caro...
E porque defendemos a liberdade desde a base? Pelo simples fato de que as pessoas que se associam ao sindicato para a luta coletiva podem optar, seja pelas opções políticas e ideológicas que comungam com o sindicato, seja por que identificam aquele que melhor o represente nas negociações e nos embates gerais.
Ora, se temos pluralidade na cúpula, porque cercear a liberdade na base? Aqui chegamos ao cerne da questão: os defensores da unicidade são exatamente os mesmos que defendem o imposto sindical, isto é, a “contribuição” compulsória (que, portanto não é contribuição) de um dia de salário por ano para manter a estrutura sindical.
A defesa da unicidade/ imposto sindical carrega dentro de si uma visão autoritária de Estado, pois delega a ele o poder de impor ao cidadão a obrigatoriedade de pertencer (e pagar) a uma organização a sua revelia.
Ora, uma sociedade democrática assegura o direito de escolha do cidadão a que organização se filiar. Cabe ao Estado estabelecer regras de funcionamento democrático dessa sociedade. Não lhe cabe impor ao cidadão que ele deva pagar à sua revelia uma organização sindical que deve ser autônoma em relação ao Estado. A imposição do imposto sindical fere o direito de cada um de optar, pois está impondo ao cidadão a quem se associar e sustentar. É autoritário.
O Estado estipula os impostos e taxas que são relativos à sustentação das máquinas do Estado, tais como o ICMS, o IR, o IPTU etc, mas não a contribuição para a sustentação de organizações da sociedade, como são os sindicatos.
É o famigerado imposto sindical que enfraquece o movimento sindical porque possibilita a existência de milhares de sindicatos de gaveta, que são criados apenas porque a diretoria receberá o imposto sindical, não precisará mobilizar os trabalhadores/as, organizar campanhas de sindicalização, promover lutas, convocar assembleias, submeter-se a decisões da sua base.
A bagunça sindical que há hoje no Brasil só terminará quando acabar o imposto sindical, pois aí a sustentação dos sindicatos deverá ser decidida pelos trabalhadores em suas instâncias e somente sindicatos realmente combativos e representativos que tenham capacidade de negociação e de conquistas é que serão sustentados pelos trabalhadores. Não serão os sindicatos assistencialistas, mas os combativos que se consolidarão junto aos trabalhadores da base. Ou alguém acha que a Apeoesp, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o dos Bancários, só para citar alguns exemplos, que prescindem do imposto sindical, são assistencialistas ou de serviço?
Por isso, a primeira batalha é pelo fim do imposto sindical, sustentáculo de uma unicidade imobilista como atestam milhares de sindicatos de fachada. Que os trabalhadores decidam em suas instâncias como vão sustentar seu instrumento de luta, o sindicato.
A CUT defende em substituição ao imposto sindical, a implantação de uma taxa de negociação a ser definida em assembleia dos trabalhadores, dentro de uma legislação que garanta ao trabalhador o livre direito de sindicalização e de organização por local de trabalho.