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Artigo

"Só falta a mordaça e as algemas"

Publicado: 21 Maio, 2007 - 00h00 | Última modificação: 10 Setembro, 2014 - 11h08

Estimulada pela postura preconceituosa e anti-sindical ainda existente na sociedade brasileira e em segmentos do próprio governo, a Advocacia Geral da União enviou projeto de lei à Casa Civil propondo a regulamentação da lei de greve.

 

A proposta é surpreendente. Algumas das peças do baú de maldades são verdadeiras pérolas, amplamente divulgadas pela grande mídia, cujos patrões insistem em pautar e impor o programa neoliberal derrotado nas últimas eleições.

 

Em oposição aos setores mais reacionários, defendemos a aprovação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como importante resposta às expectativas da sociedade brasileira, que necessita de um Estado indutor do desenvolvimento, fortalecendo sua infra-estrutura e fazendo frente à enorme dívida social. Diante deste inegável avanço, onde as forças progressistas tomaram a dianteira na ação, qual foi a resposta dos setores elitistas? A aprovação do Projeto de Lei Complementar 01, dando um tiro no pé do PAC ao limitar as despesas com pessoal da União nos próximos 10 anos à inflação mais 1,5% ao ano, o que significa na prática um mero crescimento vegetativo da folha. Reconhecemos que no primeiro mandato do presidente Lula houve avanços inquestionáveis na relação e nos aumentos salariais para o funcionalismo. No entanto, esta proposta representa uma política de arrocho salarial para os servidores, pois engessa a realização de concursos públicos, inviabilizando novas contratações e a necessária valorização dos serviços.

 

Agora, soma-se ao abusivo e absurdo PLP 01, medidas draconianas como a multa a sindicatos, a necessidade de assembléia com a presença de 2/3 da categoria para decretar greve, a classificação de todos os serviços como essenciais e a exigência de que 40% dos trabalhadores permaneçam em seus postos. Ou seja, por um lado o governo anuncia um limitador para os próximos anos e por outro tenta impedir o direito natural e constitucional dos trabalhadores a dizerem não, querendo impor regras até mesmo para a reação às mazelas que seriam praticadas nos próximos dez anos contra as condições de vida e de trabalho dos servidores. Não é à toa que esse projeto de degradação de direitos navega com tantos ventos a favor na grande mídia e arranca aplausos de um ultradireitista como Alexandre Garcia e os pitbuls do neoliberalismo do PSDB e do PFL: ele representa uma afronta aos interesses dos trabalhadores, da sociedade e do país. Em última instância ele é a negação de tudo o que esperamos de um governo do PT.

 

Qual é a verdadeira situação do funcionalismo hoje? São trabalhadores sem direito à negociação coletiva, cuja imensa maioria ganha mal. Seus sindicatos não são sequer recebidos pela maioria dos governadores e prefeitos. Muitos deles pressionam a base, não admitindo que sequer se associem ao Sindicato, chegando ao cúmulo de cortarem o desconto em folha das mensalidades dos associados, como ocorreu recentemente em Pernambuco e Rondônia.

 

Se a eleição e a reeleição de Lula representaram um marco para a democracia brasileira, isso não significa que tenham sido alteradas as relações extremamente autoritárias ainda existentes nos locais de trabalho. Projetos da natureza do PLP 01 fortalecem os que não querem a democracia, o que se traduz em perseguições absurdas como a feita pelo governo tucano em São Paulo ao professor Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp que, por conta de uma simples passeata na avenida Paulista, está com seus bens indisponíveis. O mesmo ocorre com os dirigentes metroviários da capital de São Paulo demitidos por lutarem contra a emenda 3. Exemplos desta natureza, de desprezo, preconceito e perseguição, existem aos milhares.

 

Diante desta dura e crua realidade, regada a salários ínfimos, fica fácil de explicar as razões de tantas greves no funcionalismo. Paralisações que muitas vezes se transformam em longas e penosas jornadas, com graves conseqüências não apenas para a sociedade, mas também para os servidores e suas famílias. Como não há prejuízo econômico para os governos, a maioria deles aposta na maior lentidão possível para a resolução dos problemas, na ânsia de matar o movimento de inanição, manipulando com a mídia os sentimentos da sociedade, transformando as vítimas em culpados, tentando fazer crer que quem está com a greve está contra a população. Quanto à longevidade do movimento, é bom lembrar que mesmo na iniciativa privada onde o prejuízo econômico é evidente, já tivemos greves de 42 dias, como no ABC paulista.

 

Como se tudo isso não bastasse, o presidente Lula declarou que quem está de greve sem desconto nos salários é como se estivesse em férias, desconsiderando as razões que levam determinadas categorias a lançarem mão deste último recurso. Infelizmente, faltou sensibilidade na apreciação de um assunto tão delicado. No nosso entendimento, é direito dos trabalhadores poderem espernear, assim como é responsabilidade do executivo encontrar a melhor forma de gerir a administração pública, ampliando os canais de negociação e diálogo, com os seus servidores e a sociedade. É urgente a implantação do Direito de Negociação Coletiva ao funcionalismo público, assim como existe na iniciativa privada. Esta sem dúvida é a principal questão a ser resolvida, a fim de solucionar os conflitos existentes.

 

Quando fui presidente da Apeoesp pude comprovar que muitas administrações tiveram de acabar cedendo após um longo período de paralisação. Se tivessem oferecido, num processo de negociação natural, as mesmas propostas que ofereceram em decorrência da greve, com certeza ela não teria ocorrido. No caso do funcionalismo federal, como já afirmei, ocorreram avanços, mas em vários casos não houve o cumprimento do acordo. Por isso algumas greves acabaram ocorrendo. Sou testemunha disso. No caso dos controladores de vôo faltou a necessária agilidade e antecipação ao conflito.

 

O problema é mais do que grave, chegando a uma situação insustentável, como em Minas Gerais, onde o governador tucano Aécio Neves paga um salário miserável e os servidores não conseguem espaço algum na grande imprensa para denunciar, devido ao controle exercido pelas gordas verbas publicitárias.

 

A exigência da presença de dois terços de uma categoria em assembléia para a aprovação de uma greve, implicaria na mobilização de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, o que tornaria praticamente impossível a sua realização. Uma categoria de 200 mil, por exemplo, precisaria colocar quase 140 mil na assembléia. Se esta categoria for estadual, seria praticamente impossível mobilizar, se fosse nacional, estaria anulada a possibilidade de greve. Além do mais, se uma categoria conseguisse juntar numa única assembléia tanta gente seria desnecessário fazer a paralisação, pois o governo estaria praticamente sitiado.

 

Ao mesmo tempo, não aceitamos ser culpados pelo não oferecimento de um serviço essencial, quando o responsável é o poder público. Ou seriam as greves as responsáveis pela péssima qualidade do ensino, pelo trágico abandono dos hospitais e pela insegurança pública? Também não é verdade que as paralisações sejam um passeio em busca de um bônus - que na verdade é um direito -, pois o serviço é reposto posteriormente. Ninguém faz greve porque gosta. Além disso, no caso da educação, há uma exigência legal de que a criança necessita ter 200 dias letivos. Nunca nos recusamos a repor o serviço não prestado. Eu mesmo repus aulas aos sábados e no mês de janeiro por ter feito greve.

 

Ao defender o projeto de regulamentação de greve, o presidente da República entra em choque com o movimento sindical e social que foi às ruas para defender a democracia e derrotar o golpe da direita. Enquanto isso, é aplaudido pelos mesmos que tentaram derrubá-lo, o que deve servir de elemento de reflexão e, mais do que isso, intensa preocupação. Definitivamente, o movimento sindical brasileiro não merece uma legislação que regulamente a sua vida de forma tão truculenta.

 

Ao mesmo tempo, considero que a forma como algumas das autoridades do campo progressista têm se pronunciado sobre este assunto, intencionalmente ou não, acabam disseminando na sociedade um sentimento de aversão ao que é público, tão ao gosto dos neoliberais. Quem vive o cotidiano de uma escola, hospital ou delegacia de polícia, e não somente quando fazemos greve, sabe perfeitamente a dura realidade vivida por esses profissionais. O discurso que procuram disseminar que a baixa qualidade dos serviços oferecidos é culpa dos profissionais, é inaceitável. Usar o argumento apelativo, para nós, de que é a população mais pobre quem mais precisa deste atendimento, é uma manipulação grotesca. Por favor, essa não! Sabemos disso mais do que ninguém. A responsabilidade por esta questão está na prática desavergonhada dessa elite que há séculos manda e desmanda no país e que jamais considerou o serviço público como prioridade, justamente porque não possui qualquer compromisso com os mais necessitados.

 

Num país tão grande quanto desigual, nada mais natural que a existência de conflitos, cabendo aos dirigentes governamentais e sindicais a responsabilidade do diálogo, tendo como norte o bem comum. Neste sentido, tivemos importantes avanços como na negociação do salário mínimo ou mais recentemente quando a CUT, Apeoesp, Sindsaúde e Afuse acordaram com o ministro Luiz Marinho a manutenção da aposentadoria dos servidores pela rede pública no Estado de São Paulo. Mas, infelizmente, o que está colocado na mesa é pura imposição e as exceções, como a Mesa Nacional de Negociação Permanente concretizada com o governo federal no ano passado, apenas confirmam a regra.

 

De Norte a Sul do país, os conflitos com os governos se ampliam quando há uma aposta na terceirização, no não cumprimento de acordos, na imposição de políticas de abonos que arrocham e comprometem a aposentadoria. Ninguém em sã consciência, exceto as coisas e os pitbuls, defende que um eletricitário apague as luzes da cidade, que um operário abra as comportas de um reservatório ou um médico não atenda ao seu paciente agonizante. Mas o fato é que o movimento se auto-regulamenta, estabelecendo alternativas para o conflito, que não é uma luta de vale-tudo.

 

Assim penso e ajo. Na presidência da Apeoesp, sempre fomos contrários a convocar numa sexta-feira uma greve para que iniciasse na segunda, pois respeitamos o direito da comunidade escolar a estar informada. Por outro lado, como dirigente sindical, há dois anos não recebo do governo de São Paulo o salário devido, e esse é apenas um exemplo da selvageria existente na relação capital-trabalho no Estado mais rico do país.

 

Vejam a situação do sindicalismo cutista: terceirização no Banco do Brasil, tentativa de imposição do PLP 01, reforma da Previdência, reforma Trabalhista, parcelamento de férias, piso do magistério composto por penduricalhos que comprometem a carreira e a aposentadoria. E ainda querem retirar nosso direito de greve. Durma-se com um barulho desses. Como se pode notar, a agenda dos cutistas já está traçada para o próximo período, isto é, está sendo determinada pelo governo, por meio de ações e intenções não reivindicadas pelo movimento sindical. Ao invés disso, a CUT gostaria de ter como prioridade a defesa das categorias mais submetidas à sanha do capital, como os cortadores de cana diante de usineiros inescrupulosos, que impõem criminosas condições de trabalho nos canaviais; ou como os trabalhadores da construção civil, mineiros, comerciários e outros.

 

Com certeza, o governo Lula deixará um legado de ações extremamente positivas para o país, que seriam profundamente maculadas, caso um projeto como esse fosse irresponsavelmente levado adiante para ser aprovado pelo Congresso Nacional.

 

Desafio os redatores desta excrescência a andarem pelo país, conversando com pequenos sindicatos sobre as imposições do capital e a ausência de negociação pela maioria de governadores e prefeitos, chegando a mais pura criminalização.

 

Certa vez o presidente Lula afirmou que daria muito trabalho aos sindicalistas. No entanto, jamais imaginaríamos tamanha perversidade nas suas últimas intenções.

 

Rechaçamos por extremamente graves esses ataques ao sindicalismo e aos servidores. Na nossa opinião este é um perigoso descaminho a ser trilhado, que irá se enfrentar a uma gigantesca onda de protestos da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos e da justiça. Estão enganados os que crêem que essa regulamentação servirá para alguma coisa a não ser a lata de lixo da história.

 

Para nós, está claro que para essa coisa se transformar em política de servidão, só falta a mordaça e as algemas.

OIT