Ouvir o Povo, Confrontar os Ricos: O Sentido da Luta Política do Plebiscito Popular
Publicado: 18 Junho, 2025 - 00h00
Num país atravessado pela polarização política e por uma elite cada vez mais distante da realidade do povo, o Plebiscito Popular 2025 surge como uma importante ferramenta de escuta ativa e mobilização popular.
O campo popular brasileiro já fez uso dos plebiscitos em momentos decisivos da nossa história recente. Em 2000, questionamos o pagamento da dívida externa, enfrentando o silêncio imposto sobre um dos principais mecanismos de subordinação econômica. Em 2003, quase 11 milhões de brasileiras e brasileiros disseram um sonoro "não" à entrada do Brasil na ALCA, rejeitando um acordo que aprofundaria a dependência da América Latina diante dos interesses dos Estados Unidos. E em 2007, nos mobilizamos contra a privatização da Vale do Rio Doce, exigindo que o patrimônio público voltasse às mãos do povo.
Essas experiências mostram que o plebiscito é, antes de tudo, uma ação coletiva, um instrumento de escuta ativa e formação política popular. Quando alcançamos o povo para perguntar o que ele pensa sobre justiça fiscal, sobre tempo livre, sobre o valor do trabalho, estamos criando condições para que as pessoas se reconheçam enquanto classe, para que percebam que suas dificuldades não são individuais, mas coletivas, estruturais. E que, portanto, também só se resolvem coletivamente.
O plebiscito devolve às organizações populares o contato com quem mais importa: a classe trabalhadora. E abre espaço para novos diálogos, novas alianças, novos vínculos. Em tempos de redes sociais e desinformação, essa escuta presencial, olho no olho, torna-se ainda mais essencial. É quando o trabalhador informal, o jovem precarizado, a dona de casa, o aposentado, a professora cansada e o gari invisibilizado se reconhecem na mesma pergunta e começam a compartilhar as mesmas reflexões.
É nessa energia que realizamos agora o Plebiscito Popular 2025. Nessa conjuntura marcada pela tentativa da elite econômica de preservar seus privilégios, o plebiscito se torna também um instrumento de pressão direta. A proposta do ministro Fernando Haddad de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil e aumentar a tributação de quem recebe acima de R$ 50 mil é um passo importante na disputa por justiça fiscal. Mas enfrenta forte resistência de um Congresso que, embora seja chamado de “casa do povo”, tem pouco de casa e menos ainda de povo. Deputados da extrema direita, da direita tradicional e dos setores liberais se unem para blindar a taxação dos ricos e impedir que os mais pobres possam pagar menos.
Esse parlamento, que deveria representar o povo, vem se consolidando como um espaço de bloqueio das mudanças populares mais básicas. É nele que a elite brasileira finca suas unhas para impedir qualquer redistribuição de riqueza. Por isso, o plebiscito também cumpre uma função de denúncia e de pressão política: ele aponta diretamente para esse conflito de classe e mostra que há um Brasil que quer mudar e outro que fará de tudo para manter privilégios e desigualdades.
Neste ano, trabalhadores e trabalhadoras também foram às ruas para denunciar a escala 6x1 e as jornadas exaustivas que adoecem, esmagam e roubam o tempo de viver. É nesse contexto que se insere a defesa da redução da jornada de trabalho sem redução de salário, e o fim da escala 6x1 — temas que, assim como a justiça tributária, tocam diretamente na dignidade e na qualidade de vida da classe trabalhadora.
Diante desse cenário, plebiscito popular de 2025 propõe que a população opine sobre dois temas urgentes: a taxação dos super-ricos para isentar quem recebe até R$ 5.000,00 e a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, e o fim da escala 6x1. Os dois assuntos, embora distintos, se conectam profundamente na vida da classe trabalhadora e nos permitem organizar uma luta coletiva por direitos, ainda mais necessária após o período dramático de retirada de garantias, destruição da CLT, crescimento da informalidade e desmonte da proteção social no Brasil.
A primeira pergunta do plebiscito “Você é a favor Que quem ganhe mais de 50 mil pague mais imposto, para que quem recebe até 5 mil não pague imposto de renda?” — escancara um dos pilares da desigualdade brasileira: o sistema tributário. Hoje, quem vive de salário, consome no mercado ou paga por serviços básicos é quem paga os maiores impostos. Já os mais ricos, que concentram renda, lucros, patrimônio e heranças, contribuem proporcionalmente muito menos ou quase nada.
A proposta do governo federal de isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil e aumentar a tributação para quem recebe acima de R$ 50 mil é uma medida importante e possível. Mas encontrou resistência imediata de um Congresso que atua como trincheira dos interesses da elite econômica. E é justamente por isso que nosso plebiscito se torna ainda mais necessário: para ampliar a conscientização, gerar pressão e organizar a indignação popular.
Atualmente, os lucros e dividendos distribuídos a sócios e acionistas seguem isentos de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Isso significa, na prática, que quanto maior a renda proveniente do capital, menor é a tributação efetiva sobre os mais ricos — já que, nesses casos, a maior parte dos rendimentos individuais vem justamente dessas fontes. Além disso, existe outro mecanismo que reduz ainda mais a carga tributária dessas parcelas da elite econômica: os chamados “juros sobre o capital próprio”, um artifício jurídico criado pela mesma legislação que instituiu a isenção e que segue beneficiando quem mais lucra no país.
Nesse esteira de pensar sobre privilégios e exploração da classe trabalhadora, é proposta a segunda pergunta do plebiscito : “Você é a favor da redução da jornada de trabalho sem redução de salário e pelo fim da escala 6x1?”. O Brasil tem uma das maiores cargas horárias do mundo e, ainda assim, milhões de trabalhadores convivem com baixos salários, doenças ocupacionais, ausência de tempo livre e vínculos cada vez mais precários. A escala 6x1, na prática, impõe um regime de esgotamento: são seis dias de trabalho para um único dia de descanso, o que destrói qualquer possibilidade de convivência familiar, estudo, lazer ou participação política.
A última redução da jornada de trabalho no Brasil foi garantida na Constituição de 1988, que estabeleceu o limite de 44 horas semanais e 40 para o serviço público. Desde então, não houve avanços neste tema, para o conjunto da classe trabalhadora. Diante das transformações no mundo do trabalho, a redução da jornada sem redução salarial é a resposta mais coerente e urgente para garantir direitos, enfrentar o desemprego, combater a intensificação do trabalho e reorganizar a vida a partir de outra lógica.
Trata-se, também, de um debate sobre a distribuição do tempo entre trabalho e não-trabalho. Reduzir a jornada significa permitir que a classe trabalhadora desfrute de educação, cultura, descanso, lazer, convivência social, participação política e até do direito de cuidar de si. E esse debate toca especialmente as mulheres, principalmente as mulheres negras, que seguem sobrecarregadas pelo trabalho doméstico e de cuidados, historicamente invisibilizado e desigualmente dividido.
Essa mudança pode redistribuir responsabilidades dentro dos lares, promover maior equilíbrio entre os gêneros e permitir que as mulheres tenham mais tempo livre para viver outras dimensões da vida. Da mesma forma, a população negra, historicamente mais vulnerável à informalidade, ao racismo estrutural e às piores condições de trabalho, é diretamente beneficiada. Reduzir horas de trabalho pode significar menos adoecimento, mais dignidade e uma chance real de romper com ciclos históricos de exclusão.
Além disso, as tecnologias vêm eliminando empregos em ritmo acelerado. As novas fronteiras de investimento já não mobilizam o trabalho vivo na mesma proporção, dissolvendo padrões tradicionais e agravando a informalidade. O crescimento de formas precárias, como o trabalho por aplicativos, exige que visualizamos novos modelos de organização do trabalho.
Por fim, nesta pergunta, é importante salientar que reduzir a jornada de trabalho é, antes de tudo, uma escolha política e ideológica. Uma medida civilizatória que aponta para outro modelo de sociedade, onde a vida esteja no centro e não o lucro. Reafirmar essa bandeira nos ajuda a enlaçar com os trabalhadores e trabalhadoras em torno de um projeto comum. É a luta de classes em sua forma mais concreta.
Diante disso, sabemos que a execução do plebiscito irá exigir presença nos territórios, escuta qualificada e capacidade de diálogo com quem vive as contradições da desigualdade todos os dias. Por isso, nosso chamado é claro: é hora de colocar o plebiscito nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho, nas comunidades, nas igrejas, nas feiras, nos trens, nas filas, nos aplicativos e nos sindicatos. É hora de conversar com quem está do nosso lado e, muitas vezes, ainda não se vê como parte da luta.
É um processo pedagógico de formação política, mas também de retomada de vínculos. O plebiscito nos convida a sair do lugar do diagnóstico e assumir o compromisso com a disputa real: é preciso convencer, escutar, articular e construir.
O papel das organizações populares e dos sindicatos é decisivo. São elas que podem enraizar essa construção nos bairros, nas periferias, nas categorias, nos comitês, etc. É hora de ativar cada militante, cada dirigente e cada trabalhador consciente. A votação acontece de 01 de julho à 07 de setembro, mas a construção é permanente.
Não se trata de acreditar que o plebiscito, por si só, irá mudar tudo. Mas de reconhecer sua potência como ferramenta de luta. Cada voto é uma conversa. Cada urna é um território politizado. Cada comitê é uma semente de organização popular.
Por isso, convocamos todas as entidades sindicais, movimentos populares, pastorais sociais, coletivos de juventude, associações, centros acadêmicos, grêmios e lideranças comunitárias a se somarem a essa construção. Que cada base sindical monte sua urna. Que cada movimento leve essas perguntas onde o povo está. Que cada miltitante abrace essa tarefa com a energia que ela merece.
Vamos disputar ideologicamente a sociedade, colocar nas ruas a agenda politica que tenha relevancia popular, denunciar as injustiças e afirmar, com coragem, que outro Brasil é possível. Um Brasil que taxe os super-ricos. Que reduza a jornada de trabalho. Que enfrente os privilégios. Que valorize a vida.