O lobby e a gentrificação no centro de São Paulo
Publicado: 13 Janeiro, 2012 - 00h00
Nas últimas semanas temos presenciado, de forma mais intensa, vários episódios de violação de direitos que, ano após ano, vitimam as pessoas em situação de vulnerabilidade que habitam a chamada Cracolândia, no centro de São Paulo. Uma verdadeira barbárie no que se refere ao respeito a direitos individuais e coletivos, forjada no falso argumento do cuidado e da proteção às pessoas. Um dos exemplos de violação de direitos foi destaque nos principais jornais impressos de todo do país e em diversos Blogs, onde, um fotógrafo registrou para a Agência Estado, a foto de uma menina de 17 anos com os lábios feridos, depois de polícias obrigarem a menina abrir a boca e receber um disparo de bala de borracha.
É fácil – porém não tão evidente, em um primeiro momento – identificar o que realmente está em jogo em um território estrategicamente carimbado como “Cracolândia”. Os interesses em torno do centro da capital paulista têm perfil e endereço e estão claramente demarcados no projeto de reestruturação da área idealizado pela atual prefeitura de São Paulo.
Intitulado como Nova Luz, o projeto busca a expansão comercial daquela região e foi apresentado pelo próprio prefeito Gilberto Kassab como de cunho estrutural, e não social.
Diante da prioridade estabelecida pelo poder público para a questão, tornam-se mais claros os interesses envolvidos.
O Nova Luz tem seus alicerces na Lei de Concessão Urbanística, que autoriza o poder público a desenvolver projetos urbanísticos comercias, tendo em vista grandes eventos que acontecerão no Brasil, como as Olimpíadas e a Copa do mundo – mesmo que para isso seja necessário desapropriar famílias e comerciantes de seus imóveis. Uma espécie de “vale-tudo” em nome de interesses da prefeitura e de empresas privadas.
A iniciativa traz consigo, portanto, vícios que comprometem objetivamente direitos de moradores, comerciantes e todos atualmente instalados na região da Luz em São Paulo.
O projeto está aliado à especulação imobiliária da elite paulistana que pactuou – seja a partir da pouca atuação do poder público, seja, pelo assédio dos especuladores aos proprietários dos antigos prédios e residências - para a instalação de uma Cracolândia em uma região até então bastante valorizada, de modo que empresários conseguissem adquirir imóveis e terrenos para implementação de seus projetos.
É nesse cenário que estão inseridas as centenas de pessoas que atualmente se encontram na região onde, grande parte delas consumindo substâncias como o crack, em completa situação de vulnerabilidade e desamparo social. Mas, no processo de gentrificação conduzido pela prefeitura de São Paulo com auxílio da Secretaria de Segurança Pública do Estado, ali há apenas obstáculos para o que eles chamam de avanço. A idéia é desapropriar e esgotar os espaços de moradia, para que o avanço do "concreto" tenha seu espaço garantido.
Novo olhar– Como bem define a jornalista e presidenta da Associação AMOALUZ, Paula Ribas, em um documentário sobre a área: “A Cracolândia não é um lugar, mas um agrupamento de pessoas”.
A lógica e a percepção do poder público para com os usuários de crack e as pessoas em situação de rua na região da Luz vão ao encontro da lógica urbanística do empresariado. Há algo atrapalhando os interesses definidos? Pois que se passe o trator, derrube e toque o projeto. No caso dos usuários e da população de rua, o trator se apresenta nas fardas da Polícia Militar.
Se faz necessário a intervenção do Estado para a solução dos problemas, mas seguindo princípios centrados no respeito e no acolhimento, e não na varredura. A linha norteadora deve ser uma política de saúde mental intersetorial, envolvendo áreas como assistência, habitação e saúde, dentre outras, de modo a garantir que o projeto de vida das pessoas que ali se encontram seja construído de acordo com as suas necessidades.
Tudo isso ocorre pelos trilhos de um caminho, que não estão no tempo e na velocidade dos interesses econômicos. Os movimentos sociais organizados, sobretudo os que militam na Luta Antimanicomial e na defesa dos direitos humanos, tem apresentado um novo modelo de atenção à saúde mental, numa proposta que foge dos paramentos policialescos e repressivos. O resultado de mais de 30 anos de debate na área é a Lei 10216/2001, que aponta uma nova forma de olhar e atender os usuários da saúde mental.
Nós, sociedade, não podemos autorizar que – em suposta atuação calcada na saúde e na proteção e, muito menos, atendendo a interesses econômicos – cidadãos e cidadãs tenham seus direitos violados.