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Artigo

Diplomacia sem soberania não basta

Publicado: 17 Maio, 2012 - 00h00 | Última modificação: 04 Novembro, 2015 - 12h47

 

No artigo “Fernando Henrique diplomata” (Folha de S. Paulo, 16/05) Matias Spektor afirma que o ex-presidente FHC chegou ao poder com um projeto internacional explicito: proteger o Real e reposicionar o Brasil diante do fenômeno da globalização. Também afirma que ele utilizou seu primeiro ano de mandato para normalizar as relações do Brasil com o mundo, pois o nosso país era tido pelo Fundo Monetário Internacional como “caloteiro” e, para outras instâncias internacionais, como “violador de direitos humanos e uma ameaça ao ambiente”.

Ora, é preciso ter muito cuidado com determinadas afirmações. O que significa exatamente “proteger o Real” e “reposicionar o Brasil diante da globalização”? Entendo que o verdadeiro fortalecimento do Real se deu a partir do momento em que o país passou a implementar estratégias de desenvolvimento sustentável, combatendo a pobreza, aquecendo a economia e reduzindo de forma drástica o desemprego no país. Não se pode esquecer que FHC encerrou seu governo com taxas de desemprego no patamar de 12% e, hoje, após um conjunto de políticas econômicas e sociais durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff governa o país com taxas de desemprego na média de 6%.

A moeda de um país deve expressar muito mais que uma unidade monetária; ela deve expressar a saúde econômica deste país e sua capacidade de projetar o desenvolvimento futuro e, em consequência, sua inserção soberana no contexto internacional. Como imaginar que o fortalecimento do Real possa ocorrer independente do bem estar da população brasileira, do fortalecimento do mercado interno, da situação da nossa economia? As políticas que vêm sendo aplicadas desde 2003 no país não apenas tornaram a nossa economia verdadeiramente estável como possibilitaram uma inédita reconfiguração da estrutura social da população brasileira. Mais de 40 milhões de pessoas migraram das classes D e E para a classe C e já ocorre um processo de migração de outros milhões de brasileiros da classe C para a classe B.

Este tipo de política é que reposicionou o Brasil frente à globalização. O autor do artigo lembra que o governo FHC enfrentou crises internacionais, mas devo assinalar que, durante o governo Lula ocorreu uma crise econômica internacional gravíssima e que a atual crise é também profunda e, talvez, leve muito tempo para ser superada. Mas o Brasil, como outros países chamados “emergentes” se mantém integro, porque mudou sua forma de se relacionar com o mundo e passou a desenvolver suas próprias capacidades e possibilidades internas, sem virar as costas para o resto do mundo.

Qual foi, efetivamente, a postura do governo de Fernando Henrique Cardoso diante da globalização econômica? Não falo aqui dos fenômenos de globalização associados à cultura, às informações, ao turismo e outras manifestações de intercâmbio entre as nações do mundo, embora alguns aspectos possam ser questionados.

Refiro-me à globalização econômica, capitalista, no sentido da manutenção e aprofundamento da desigualdade nas relações Norte-Sul e das novas formas de dominação das nações mais ricas sobre as demais nações do mundo. Este processo não ocorreu sem grandes resistências. Lembro das manifestações em Seattle e em todo o mundo e do emblemático assassinato à queima-roupa do estudante Carlo Giuliani pela polícia italiana na cidade de Gênova durante os protestos, que abriu os olhos de todos para o que vinha ocorrendo. Como se posicionava o governo FHC diante destes movimentos que deram origem ao Fórum Social Mundial? Manteve silêncio, enquanto o nosso país aceitava as regras do jogo e mantinha uma posição subordinada no cenário da globalização.

O tipo de política que FHC aplicou no Brasil e sua omissão nos necessários embates contra a voracidade do capitalismo especulativo internacional, seguiram posturas recomendadas pelos países mais ricos, que, em boa medida, as aplicavam também em seus territórios. Hoje vemos nos países da chamada Zona do Euro o alcance do desastre. O geógrafo Milton Santos, um dos grandes humanistas do nosso país, costumava dizer, referindo-se ao processo de globalização, que tudo o que é inflexível tende a se quebrar. E estamos hoje assistindo ao esfacelamento de um sistema incapaz de se repensar tendo em vista as necessidades reais das populações de cada país e de todo o planeta.

Os Estados Unidos estão profundamente mergulhados na crise. Começaram a quebrar na crise de 1999 e sofreram as graves conseqüências da sua inflexibilidade com os atentados de 11 de setembro de 2001, mas continuaram agindo com a mesma truculência. Hoje, enquanto países como o Brasil, a África do Sul, a China, a Índia e outros, mesmo não estando imunes aos efeitos da crise internacional, fazem planos para o futuro, os Estados Unidos se vêem às voltas com altas taxas de desemprego, a instabilidade econômica, a desconfiança em sua própria capacidade de superar a dificuldades.

Matias Spektor escreve que FHC “empurrou com a barriga as propostas americanas para a criação de uma área de livre-comércio nas Américas.” Ora, não conseguir o apoio necessário para implementar a ALCA não é o mesmo que “empurrar com a barriga”. Fomos nós, da CUT, com o movimento sindical e social das Américas, que realizamos um plebiscito para combater os planos do governo norte-americano, trazendo o debate para o conjunto da sociedade. E o governo Lula foi pro-ativo diante dessa questão, fortalecendo o Mercosul e a integração dos países latino-americanos e esvaziando definitivamente a ideia da ALCA.

Respeito o direito do articulista Matias Spektor de emitir sua opinião e publicar suas análises, mas não posso deixar de registrar aspectos que ele omite por não serem convenientes à sua forma de pensar.

Se, na visão do autor do artigo, FHC foi um diplomata, considero que ele não foi o estadista de que o Brasil precisava. Por isso, Lula tem tanto significado para o povo brasileiro e para o mundo. Ele mostrou um novo caminho frente à globalização: soberania e desenvolvimento, com justiça social.