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Barack Obama: Ainda uma Incógnita?

Publicado: 29 Agosto, 2008 - 00h00 | Última modificação: 15 Maio, 2015 - 14h14

Assisti ontem, 28 de Agosto, data de grande significado pra todos nós que somos CUT, com uma grande curiosidade o discurso do, agora, candidato oficial do Partido Democrata a presidência dos EUA, Barack Obama. Tal discurso foi proferido na Convenção Nacional do Partido Democrata na cidade de Denver para aproximadamente 70 mil pessoas.

 Assisti com curiosidade e muito atento, por algumas razões: a) por tratar-se de um candidato negro, que pela primeira vez na história dos Estados Unidos pode tornar-se presidente. Algo de extrema relevância, dada a história de segregação racial que marcou uma época não muito distante daquele país. Para termos um exemplo muito recente de como a população negra, menos favorecida, ainda é tratada nos EUA, basta lembrarmos a tragédia de Nova Orleans, quando atingida pelo furacão Katrina.

Esta parcela da população foi a que mais sofreu as conseqüências e teve a total indiferença do Governo Bush, antes e depois da tragédia. Alguns analistas afirmam que este ainda é um dos grandes desafios de Obama para tornar-se presidente, já que o voto racista não está completamente descartado nas eleições de 4 de Novembro. b) porque durante o processo de disputa entre os candidatos democratas – Obama, Hillary Clinton e John Edwards – o primeiro era criticado pelo fato de avaliarem que suas propostas, tanto no campo da economia como no do social e da política externa americana eram evasivas e deixava pouco claro as diferenças com o candidato republicano John McCain. c) porque em se tratando de relações internacionais, quem detém fortes poderes político, econômico e militar, possui grande capacidade de influenciar os rumos da geopolítica mundial.

No caso dos EUA, ainda que enfrentando na atualidade uma grave crise econômica, com impactos sociais significativos, ninguém tem dúvida da sua capacidade de influência mundial. Portanto, nos interessa e muito o desenrolar do processo eleitoral norte-americano. Minha curiosidade era tentar perceber se a linha de discurso do candidato democrata Obama, viria no sentido de dar sinais claros, para a população norte-americana e mesmo para o mundo todo, de quais serão as diretrizes que nortearão as definições das políticas a serem implementadas pelo seu Governo, caso vença as eleições, tanto do ponto de vista interno quanto externo. Minha expectativa, evidentemente, também se deve pelo fato de que há sinais muito claros de uma nova investida dos EUA na América Latina por várias razões que "desconfiamos". Cito apenas duas das possíveis razões: 1ª.

O Brasil acaba de anunciar a descoberta de uma grande área de pré-sal, que segundo especulações, pode colocar o país entre os três maiores produtores de petróleo do mundo. 2ª. Em diversos países da América Latina, como Bolívia, Venezuela, Chile, Paraguai, Equador, além do Brasil, vem conformando Governos de caráter progressistas, que representam uma significativa inflexão na agenda neoliberal no continente, os quais apontam ainda para a possibilidade de ampliação de novos pactos políticos e comerciais, fortalecendo as intervenções de um bloco sul-americano nos processos de negociações multilaterais, o que não é bem visto pelos EUA, porque há profundos choques de interesses entre nossos países e eles, sobretudo no cenário atual do Governo Republicano de Bush.

Não por acaso, os EUA reativou a chamada IV Frota – base militar americana – nas costas do continente latino-americano.

A CUT inclusive lançou uma carta denunciando a ameaça que tal medida representa para a soberania dos povos da América Latina e, posicionando-se, veementemente, contra tal medida. Pois bem, sob os olhares dos 70 mil presentes em seu primeiro discurso oficial como candidato democrata e frente às expectativas de milhares de analistas políticos mundo a fora e milhões e milhões de curiosos como eu, Obama dissertou sobre as bases do seu programa de governo. Em primeiro lugar, percebi e, há certa unanimidade entre especialistas, um grande cuidado do candidato democrata no tratamento a McCain, candidato republicano.

Um cuidado em atacar McCain político, conservador, militarista, seguidor de Bush e, ao mesmo tempo em defender o McCain herói de guerra e patriota, qualidades que a sociedade norte americana admira.

Como se um estivesse apartado do outro. Curioso em alguma medida, mas faz parte das ambiquidades do bipartidarismo norte-americano. E o patriotismo está tão arraigado na cultura norte-americana, que ao fazer essa diferenciação Obama foi aplaudido de pé pelos 70 mil democratas presentes. Na verdade, em minha modesta opinião, trata-se de uma estratégia de quem vai caminhar, o tempo todo, sobre um fio de navalha, tentando conquistar votos de setores racistas e conservadores. Do ponto de vista das propostas para as políticas internas, Obama apontou que terá como prioridades no campo social educação, saúde e previdência. Políticas que estarão voltadas para os "menos favorecidos", para os trabalhadores que, segundo ele, são os que mais sofrem com as mazelas das políticas liberais implementadas pelo Governo Bush.

 Destinará mais recursos para a valorização profissional dos professores e para a viabilização de bolsas de estudos que ampliem o acesso ao ensino universitário. No campo da saúde e previdência, afirmou que baterá de frente com os grandes lobbies e criará condições para ampliar a cobertura para a maioria da população que atualmente carece de um atendimento de qualidade.

No campo da economia, Obama disse que trabalhará pela redução de impostos que incidem sobre os trabalhadores e pequenas empresas. Que criará uma política de isenções para empresas multinacionais que investirem nos EUA e medidas restritivas para aquelas continuarem a investir na precarização e terceirização. Afirmou que, também neste campo, baterá de frente com os lobistas que trabalham na manutenção dos privilégios dos 1% da população mais favorecida. Citando, Luther King – grande líder das lutas contra a segregação racial nos anos 60 – disse desejar a retomada do sonho americano de uma sociedade democrática, justa socialmente, com igualdade de oportunidades para todos e todas. Se seu governo, caso eleito, seguir nesta direção nos processos de definições das políticas internas com certeza representará uma grande inflexão na lógica das políticas neoliberais de Bush, as quais serão aprofundadas pelo republicano McCain, caso eleito.

Sobre o tema da imigração, relevante para os latino-americanos particularmente, não fez menções significativas. Ainda no campo econômico, afirmou que deseja tornar, nos próximos 10 anos, os EUA independente do petróleo do oriente médio. Para tanto, investirá em tecnologias que permitam a produção de fontes energéticas renováveis como o biodiesel e que intensificará a exploração do gás natural em território americano. No campo das políticas externas, condenou a manutenção do exército americano no Iraque, dizendo que, retirá-lo de lá, será uma de suas prioridades. Atacou Bush por implementar e, McCain por defender a continuidade de uma estratégia de ocupação que tem causado grandes danos para a economia americana. Somente no Iraque já foram investidos mais de U$ 72 bilhões, quando a economia no país apresenta crescentes déficits e penaliza os menos favorecidos, os trabalhadores. Condenou a ocupação do Afeganistão, que segundo ele, também fracassou em seu principal objetivo: prender Bin Laden. Ironizando McCain, disse que este, juntamente com Bush, tinha prometido "caçar" Bin Laden até no inferno após o 11 de Setembro de 2001, no entanto não chegaram nem nas "bocas" das cavernas onde Bin Laden se esconde até hoje. Afirmou que reformulará toda a estratégia da diplomacia americana, apostando sempre no diálogo e nas negociações.

Priorizará os países que historicamente são parceiros dos EUA (sem citar quais). Não descartou o uso da máquina de guerra que o país possui. Mas afirmou que esta somente será utilizada em casos extremos, com objetivos muito claros e instrumentos muito bem definidos, para se evitar o sacrifício de vidas de inocentes e a garantia do retorno dos soldados americanos.

Não fez menções claras as relações com os países latino-americanos. Percebo também neste campo das políticas externas, o anuncio de bases (ainda que genéricas) que podem representar mais uma inflexão na lógica das estratégias de Bush, baseadas, sobretudo na manipulação de informações (a invasão do Iraque é um caso ilustrativo), no militarismo e na constante pressão e ameaças sobre a soberania dos povos. Evidentemente, que se trata ainda de um discurso. Mas um discurso que aponta uma estratégia de retomada do papel do Estado como indutor do desenvolvimento e promotor da cidadania, características obscurecidas na era neoliberal sob as bençãos do Governo Republicano de Bush.

Enfim, para nós que temos outra cultura política, é difícil entender o bipartidarismo da política norte-americana. Pelas próprias passagens de democratas pela presidência dos EUA, para quem conhece um pouco da história desse país, temos muitas duvidas em relação a sua postura ideológica e programática. Dúvidas por não sabermos se para os democratas já é hora de rever a postura imperialista dos EUA, frente a outras nações. De qualquer forma, como trabalhador, em solidariedade aos trabalhadores norte-americanos, ficarei na expectativa para que as bases do programa de governo anunciadas, saiam vitoriosas e sejam, efetivamente, implementadas. Mas ainda caberiam algumas questões a Obama que interessam a nós trabalhadores em âmbito internacional:

Qual será o tratamento aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes, particularmente aqueles que se encontram em situação ilegal nos EUA?

 

Dará continuidade a retomada da IV frota na costa dos países latino-americanos. Se sim, por quais razões? Que interesses dos EUA estão ameaçados em nossa região que justificam tal medida ? Estaria tal medida relacionada a conjuntura política e econômica da América Latina (Advento de Governos Progressistas e novas descobertas no campo do Petróleo )?

 

No processo de reformulação da diplomacia dos EUA, será reconhecido efetivamente o direito a soberania do Estado Palestino?

 

Qual será o tratamento com as empresas de guerras, privadas, que têm grandes influências nas definições das políticas externas de Bush e que atuam como milícias nos países ocupados, colocando em risco a vida de milhões de trabalhadores, trabalhadoras e crianças inocentes?

 

Qual a futura posição dos EUA sobre a proposta de taxação de recursos financeiros utilizados de forma especulativa no mercado financeiro internacional e, que muitas vezes colocam em risco a estabilidade econômica, principalmente dos países em desenvolvimento?

 

Certamente, há outras questões que interessam a classe trabalhadora internacionalmente. E apresentá-las neste momento é fundamental para que possamos ter maior clareza dos rumos que a política norte-americana seguirá, sob a égide de Barack Obama. Você deve estar se perguntando que importância isso tem. Como falei anteriormente, em se tratando de relações internacionais quem tem poder político, econômico e militar, dita as regras do jogo.

Os EUA as têm. E em minha opinião, a tarefa de problematizar, de questionar e buscar contribuir em um processo de definições que interessa ao mundo todo, dado a capacidade de influência dos EUA, não é somente dos trabalhadores e trabalhadoras americanos(as). É da classe trabalhadora do mundo todo também. Por isso, estou curioso e quero saber mais!

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