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Artigo

As contradições de um país escravocrata e racista

Publicado: 28 Novembro, 2016 - 00h00 | Última modificação: 28 Novembro, 2016 - 13h01

O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, e quando o fez, há 128 anos, não criou condições objetivas para assegurar a igualdade de tratamento e de oportunidades ao povo negro. Ao não assegurar essas condições, o país convive com consequências que impactam profundamente sua realidade social, ao longo dos anos.

A condição precária que a maioria da população negra ainda vive no país é resultado do abandono político, social e econômico a que os escravizados e seus descendentes foram submetidos após a abolição.

O desenvolvimento que outros países que também traficaram e escravizaram negros obteve - tomemos como exemplo os Estados Unidos que, com apenas 18% da população negra conquistou um maior protagonismo em suas lutas - são incomparáveis ao Brasil, pois, embora sejamos 53% da população, não estabelecemos, ainda, condições decentes, que incluam socialmente a população negra.

Os indicadores sociais demonstram e confirmam a situação de exclusão dos negras e negros brasileiros, mesmo após os governos democráticos e populares, que, sem comparação, foram o melhor período de conquista de direitos e ascensão da população negra brasileira na sociedade, em seus mais significativos aspectos.

Parte deste atraso histórico ocorre, possivelmente, no fato de que as denúncias de racismo sejam mais frequentes nos países desenvolvidos, enquanto nos países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda encontremos dificuldades para denunciá-las e para exigir as retratações necessárias cabíveis, ao rigor da lei.

Contribuiu para essa dificuldade, a construção da mítica “democracia racial”, que desde o século XIX já tinha seus primeiros rascunhos, mas que foi cunhada, efetivamente, pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Freyre em sua obra “Casa Grande e Senzala”, de 1933, apresentava ao mundo um Brasil, como exemplo positivo de tolerância, ao conviverem os negros, índios e brancos, numa suposta “democracia racial” que jamais existiu. No entanto foi propalada ao mundo como verdade, levando, inclusive, a que, na primeira metade do século XX, os negros norte-americanos tentassem mudar para cá, em busca do mito da harmonia entre as raças, diante do enfrentamento radical nos Estados Unidos, coisa que a história tratou de desmistificar.

Na contramão dessa visão idealizada, o racismo era exposto e enfrentado nos Estados Unidos por uma população que sentiu cortar na pele e ferir de morte a opressão racista.

Os enfrentamentos aos conflitos violentos fortaleceram a altivez e identidade negra, em países como Estados Unidos e África do Sul. No Brasil, entretanto, ela se deu de forma igualmente cortante, mas sutilmente mais perversa e traiçoeira, pela eliminação dos direitos fundamentais e na forma de uma opressão velada, que segregava “elegantemente”, colocando o que se estabelecia ser “o lugar do negro” na sociedade. Este lugar não era o dos direitos, do respeito e da integridade de quem construiu com suas mãos a riqueza deste país, mas o lugar da discriminação.

No mercado de trabalho, por exemplo, isso se deu com a chegada dos imigrantes europeus e sua ocupação dos melhores postos de trabalho, com cargos de chefias aliadas a opressão à mão de obra negra. A partir da organização dos movimentos negros, seu contato com a realidade e discriminação racialmente vividas, cada vez mais a elite procurou maquiar as definições de preconceito racial, mais uma vez camuflando o racismo na fundamentação social da luta de classe.

Não por acaso, continuamos a testemunhar as dificuldades existentes para homens e mulheres negros no mercado de trabalho, quando a estes são destinadas as ocupações precárias, com menores salários e maiores riscos de acidentes.

 Enfrentar esse turbilhão de opressão exige que reconheçamos nossas origens e nossa história, observemos as manipulações do passado e transformemos com luta e determinação a história presente e futura.

Para o mês da Consciência negra, a CUT realizou o seminário: “A Questão Racial no Novo Contexto Político Brasileiro” que contou com expositoras e expositores altamente qualificadas/os e que muito contribuíram para as reflexões exigidas por uma conjuntura política e social profundamente impactada pelo avanço mundial da direita, que terá como principal consequência, mais opressão e retrocessos para o povo negro. 

Unanimemente, as/os expositores não hesitaram em chamar a atenção para o momento presente, em que profundas transformações afetarão o mercado de trabalho e as condições gerais da população, com reflexos e impactos sobre nossas conquistas recentes.

A conjuntura aponta para profundos retrocessos em que somente o conhecimento da história, o resgate das lutas e uma postura consciente e ativa nos fará impedir a piora das condições de vida, saúde, previdência e trabalho de negras e negros, bem como da população pobre em geral, neste país.