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Artigo

A irresponsabilidade social da Vale

Publicado: 19 Dezembro, 2008 - 00h00 | Última modificação: 12 Setembro, 2014 - 13h02

 

"Não é possível que um banco financiado em parte pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador continue financiando empresas que desamparem o trabalhador".

Artur Henrique, presidente da CUT, na reunião das centrais sindicais com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho

{mosimage}Irresponsavelmente, o presidente da Vale privatizada, Roger Agnelli, resolveu atacar as leis trabalhistas, usando a mídia - sempre disposta a servir às piores causas - para elencar suas propostas de extorsão de direitos: ''suspensão de contrato de trabalho, redução da jornada com redução de salário, coisas assim, em caráter temporário''. Segundo o funcionário que o Bradesco emplacou na segunda maior empresa do país, ''seria algo para ajudar a ganhar tempo enquanto essa fase difícil não passa''.

Em sua ânsia de tirar uma casquinha da crise e transformar o boato em fato, Agnelli ignora olimpicamente que a Companhia Vale do Rio Doce teve dois anos de lucros líquidos esplendorosos: R$ 13,4 bilhões em 2006 e R$ 20 bilhões em 2007. Embalada pelo monopólio do minério de ferro, sua roda da fortuna não pára: somente nos primeiros nove meses de 2008 registrou um lucro líquido de R$ 19 bilhões. Mesmo com esta tremenda bonança, a empresa que faz marketing com "responsabilidade social" privatizou o quanto pôde os lucros, tirando o couro dos seus funcionários. Resultado: a Vale é ré numa montanha de processos trabalhistas que já superam oito mil, incluindo as empresas terceirizadas, na Justiça do Trabalho do Pará.

Aproveitando a oportunidade, lembro que a participação do Bradesco na Vale é completamente ilegal, já que o banco foi um dos (sub)avaliadores do processo de privatização da empresa. Devido às reservas que o desgoverno FHC privatizou junto com a companhia, hoje a Vale é a 12ª empresa do mundo em "valor de mercado" (US$ 196,5 bilhões). Este é um dado que reforça a reivindicação dos movimentos sociais brasileiros pela imediata anulação do leilão de privatização da Companhia.

Notícias veiculadas pela imprensa dão conta que três dias depois de ter falado de crise, no dia 17 de dezembro a Vale se apoderou das minas de cobre da TEAL Exploration & Mining Incorporated, subsidiária da empresa sul-africana ARM, adquirindo minas localizadas no Congo, Namíbia, Moçambique e Zaire. Na prática, isso significa que a Vale surfa na crise que assola as economias centrais, ampliando seu monopólio minerador pelo planeta com recursos públicos, retirados do Fundo de Ampara ao Trabalhador brasileiro.

A mesma mídia que reverbera as declarações do presidente da Vale, a quem tenta passar como exemplo de "administrador", esconde que até o desgoverno FHC a Vale era uma empresa estatal, dona de estratégicas e incomensuráveis reservas, tendo sido privatizada por insignificantes R$ 3,3 bilhões, com generoso financiamento do BNDES aos "compradores". E que neste momento, continua turbinada com recursos públicos, dos contribuintes.

Entrando no mérito do debate sublinhamos que a crise que estamos assistindo é resultado do projeto neoliberal de privatização e financeirização da economia, que procurou afastar o Estado e conferir todas as regulações, econômicas, financeiras e sociais, ao mercado. Agora, quando desmorona o castelo de cartas da especulação, atingindo pesadamente a economia dos países que adotaram e praticaram tal modelo, a crise encontra um Brasil mais preparado, pois a partir de 2003, conforme sempre defendemos, começou-se - ainda que de forma limitada - a redimensionar o papel do Estado, dinamizar o mercado interno, reconstruir suas reservas, investir em programas sociais, em projetos de desenvolvimento produtivos, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo assim, é uma crise global que mostra o esgotamento de um sistema, o que torna necessário que o governo tome medidas que busquem uma vacina, a fim de evitar o contágio e preservar emprego e renda.

A CUT tem propostas para isso, com distribuição de renda e valorização do trabalho, e que precisam ser implementadas para que os trabalhadores não paguem a conta, reivindicando do governo e do legislativo medidas em defesa do emprego, do salário e dos direitos, que vitaminem nosso mercado interno, como resposta firme do Estado em apoio à classe trabalhadora e ao setor produtivo.

Portanto, reiteramos nossa posição contrária ao receituário neoliberal propagandeado por setores empresariais e da mídia, que neste momento voltam a defender corte de investimentos e flexibilização de direitos, o que só jogaria água no moinho do retrocesso, do atraso e da concentração de renda. Em suma, no moinho da crise.

Quintino Severo, secretário geral da CUT Nacional