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“Foi por pouco, mas conseguimos realinhar o Brasil com a democracia”, diz Nasi

Vocalista da Banda Ira!, que encerra dia de shows em homenagem aos 40 anos da CUT, fala sobre a derrota da extrema direita e racismo religioso

Publicado: 24 Agosto, 2023 - 17h41 | Última modificação: 25 Agosto, 2023 - 14h35

Escrito por: Luiz Carvalho | Editado por: Rosely Rocha

Ana Karina Zaratin
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Em outubro de 1981, Marcos Valadão Ridolfi e Edgar Scandurra se juntavam a Fábio Scattone e Adilson Fajardo para fazer o primeiro show em um festival ao lado de grupos punk da região do Grande ABC.  A banda Ira!, ainda sem o ponto de exclamação que a caracterizou, dava os primeiros passos para se tornar uma das maiores da história do rock brasileiro.

Scandurra se tornou uma referência da guitarra no Brasil e Valadão, mais conhecido como Nasi, a voz inconfundível por traz de clássicos como  “Dias de Luta”, “Núcleo Base”, “Envelheço na Cidade” e “Flores em Você”, que virou tema da novela da Globo “O Outro”, de 1987.

Neste sábado (26), o Ira! encerrará o show de celebração de 40 anos da CUT, na Praia Grande, litoral paulista, e deve desfilar canções como  “Gritos na Multidão”, presente no primeiro compacto, de 1984, e que tem versos inspirados nas greves do Grande ABC do início dos anos 1980, que forjaram a fundação da CUT.

Nasi, 59 anos, conta que trechos da letra como “Estou desempregado, estou desgovernado / A fome me faz mal, estou passando mal / Mas vou entrar na luta, eu vou sair na rua”, renderam um caso de censura à banda.

À época, o regime militar já perdia força, mas ainda interferia nas produções artísticas. “Ela foi proibida pela radiodifusão quando a lançamos, ainda havia um pouco de censura”, lembra. 


Com mudanças na formação, em março de 1985, já com Ricardo Gaspa no contrabaixo e André Jung na bateria (que substituiu o atual baterista dos Titãs, Charles Gavin), o grupo gravou o primeiro disco “Mudança de Comportamento”.

Depois dele, vieram mais 15 álbuns, o último de inéditas lançado em 2020, que tem entre as canções “Mulheres à Frente da Tropa”, composição de Scandurra, principal letrista da banda, em homenagem às lutas do movimento feminista.

A história contará

Durante a pandemia de Covid-19, dentre os inúmeros processos de reinvenção pelo qual muitas pessoas passaram, Nasi passou a realizar lives nas redes sociais com artistas, lideranças religiosas, políticas e sentiu na pele a força do conservadorismo e do reacionarismo em comentários que atacavam qualquer posicionamento contrário ao ex-presidente, hoje inelegível, Jair Bolsonaro (PL).

Para ele, a guinada conservadora do país, encampada por muitos artistas, inclusive roqueiros, é decepcionante.

“Vejo com muita tristeza, mas não fico julgando biografia alheia. A história já está contando a verdade sobre como foram esses anos terríveis e como estivemos próximos de um rompimento democrático, uma ditadura. Fardada, inclusive. Foi muito triste e espero que o Brasil caminhe na direção oposta, como já está fazendo. Foi por pouco, mas conseguimos realinhar o Brasil com a democracia e a justiça”, analisa.

Desde 2003, Nasi é filiado ao Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e diz que, atualmente, o que o move é a luta em defesa de um país com menos desigualdades e principalmente, maior autonomia cultural, em que “artistas de verdade e não criações de gravadoras, tenham espaço”.

Para além disso, o vocalista do Ira!, iniciado em Ifá, tradicional filosofia iorubá, também se posiciona contra o racismo religioso e vê com grande preocupação casos como o recente assassinato da Ialorixá e líder quilombola Mãe Bernadete Pacífico, na Bahia, e o asilo político na Suíça da mãe de santo Carmem Flores, do Rio de Janeiro, em 2017, atacada por traficantes “evangélicos”.

Em 2022, o cantor lançou o filme “Exu e o Universo”, sobre o controverso Orixá, como forma de discutir e debater o tema. O longa ganhou prêmios de melhor documentário em festivais de cinema de São Paulo e do Rio de Janeiro e segue em cartaz em mostras internacionais.

“Espero que esteja em breve disponível ao menos em streaming, porque é difícil encontrar salas enfrentando os blockbusters. Mas é um filme que recomendo porque fala justamente sobre o racismo religioso que impera no Brasil da bancada evangélica”, afirma. 


No sábado, será a vez da classe trabalhadora ver de perto o Ira! e muito mais em uma justa celebração às quatro décadas da maior central sindical do Brasil.

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