Escrito por: Rosely Rocha e André Accarini

Servidores estaduais: o meio da pirâmide salarial que sofre com congelamentos

Com 30% dos vínculos do setor público, servidores estaduais têm remuneração média de R$ 4 mil, faixa intermediária, sofrem com políticas de arrocho e congelamento salarial

CUT-MG - arquivo
Servidores protestam em BH (MG)

A ideia de que servidor público ganha muito não resiste aos dados. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os servidores estaduais estão no meio da pirâmide do funcionalismo brasileiro — com salários intermediários e crescentes perdas reais provocadas por anos de ajuste fiscal e congelamentos salariais.

O analista do Ipea, Félix Lopes, explica que do conjunto do setor público, 30% dos servidores estão nos estados, a maioria (60%) fica nos municípios com os salários mais baixos e apenas 10% trabalham no nível federal. Os dados analisados pelo revelam que a mediana da remuneração no nível estadual gira em torno de R$ 4 mil, ou seja, metade dos servidores estaduais recebe até esse valor.

“É importante ter isso em mente, porque as narrativas sobre salários altos se baseiam quase sempre no topo federal, e não na realidade da maioria”, diz.

São valores modestos, considerando a responsabilidade e a formação exigida para grande parte das funções, especialmente na educação e na segurança pública. Não se trata de supersalários- Félix Lopes

Para o secretário de Relações do Trabalho da CUT Nacional, Sérgio Antiqueira, que também coordena o coletivo das entidades cutistas das Três Esferas, que representam os servidores municipais, estaduais e federais, o estudo do Ipea reforça o entendimento dos sindicatos de que a proposta de Reforma Administrativa de Hugo Motta é uma farsa.

“A maior parte do funcionalismo está nas faixas de renda mais baixas e os valores maiores estão vinculados a cargos técnicos e a alguns setores específicos. Os supersalários e os privilégios estão restritos, por sua vez a uma casta pequena, mas que Hugo Motta [presidente da Câmara] não quer combater de verdade”, diz

Segundo ele, se Motta quisesse colocaria em votação os projetos de lei de autoria de Guilherme Boulos, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, a bancada do PT. Há também projeto do governo Lula que reduz os privilégios de militares.

Motta está sentado sobre estes projetos. O que ele quer mesmo é reduzir a autonomia dos estados e municípios e os investimentos nas políticas sociais, como educação, saúde, assistência e segurança, e não mexer com os verdadeiros privilégios, seja o da farra das emendas parlamentares, seja com rentismo da Faria Lima em cima dos juros altos- Sérgio Antiqueira

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Pressão fiscal e congelamentos

A situação dos servidores estaduais também é marcada por políticas fiscais rígidas, que limitam contratações e reajustes. “Os estados enfrentam uma combinação de rigidez orçamentária e dependência de transferências federais. Nos últimos anos, muitos congelaram salários, o que corroeu o poder de compra de categorias inteiras”, observa Félix.

De acordo o analista do Ipea, a ausência de reposições inflacionárias, somada ao aumento do custo de vida, tem rebaixado o rendimento real.

“Em vários estados, os salários estão praticamente estagnados há mais de cinco anos. Quando se compara isso com a inflação acumulada, é possível ver que boa parte do funcionalismo estadual perdeu renda.”

Essas perdas impactam diretamente setores essenciais. Professores, policiais civis, técnicos de saúde e servidores administrativos compõem a maior parte do funcionalismo estadual, e enfrentam tanto baixos salários iniciais quanto carreiras pouco valorizadas.

Desigualdades entre estados

Outro aspecto importante é a desigualdade regional. Estados com economias mais robustas, como São Paulo e Distrito Federal, pagam remunerações médias mais altas que estados das regiões Norte e Nordeste.

“Essa diferença tem efeitos diretos sobre a qualidade dos serviços e sobre a capacidade de reter profissionais qualificados. O Brasil tem um problema federativo grave, e ele aparece claramente nos dados de remuneração pública”, afirma Félix.

Ele lembra que, embora os estados estejam no meio da pirâmide, 90% dos vínculos públicos do país estão fora da União. “Quando se fala em reforma administrativa ou em corte de gastos com pessoal, o impacto real recai sobre estados e municípios — mas o debate é feito com base nos salários do Judiciário Federal ou de carreiras específicas, o que distorce completamente a discussão.”

A falsa simetria das reformas

Para o assessor do Ipea, a maior distorção está justamente na tentativa de aplicar regras uniformes a realidades completamente distintas. “As reformas são nacionais, mas o diagnóstico é feito com base no funcionalismo federal. A partir daí, impõem-se medidas que atingem de forma desigual quem está na base. O servidor estadual, que ganha quatro ou cinco mil reais, é tratado como se tivesse salário de trinta mil”, critica.

Ele acrescenta que a lógica do congelamento, travestida de política de responsabilidade fiscal, acaba sendo um mecanismo de desmonte. “O problema não é só orçamentário. É também de projeto. Quando se paralisa a reposição salarial e se cortam concursos, o Estado perde capacidade operacional, e quem sofre é o cidadão que depende dos serviços públicos”.

O elo esquecido

Os servidores estaduais estão entre os mais afetados pela falta de uma política nacional de valorização do serviço público. São eles que sustentam boa parte das políticas estruturais — educação básica, segurança, universidades estaduais, sistemas de transporte — e, ainda assim, são os mais esquecidos nas discussões sobre carreira e remuneração.

“A imagem do servidor privilegiado não se aplica a essa realidade”, reforça Félix. “Estamos falando de professores que dão aula em três escolas, de policiais com jornadas exaustivas, de técnicos e enfermeiros que garantem o funcionamento dos hospitais regionais. Essa é a base do Estado nos estados.

Para ele, tomar isso como retrato do conjunto é um erro que tem custado caro à sociedade.

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