Escrito por: Luiz R Cabral
O evento aconteceu dentro do espírito do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência e o objetivo foi promover uma compreensão mais complexa sobre o conceito de pessoa com deficiência
O seminário realizado pelo Coletivo Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores com Deficiência da CUT, na noite da quarta-feira (17/09), reuniu cerca de 40 participantes para debater um modelo que propõe uma nova abordagem sobre saúde e funcionalidade humana. O evento teve como palestrante Naira Rodrigues Gaspar, trabalhadora do Sistema Único de Saúde (SUS) e integrante do Coletivo.
Durante as mais de duas horas de duração, os participantes foram convidados a refletir sobre a deficiência não como uma condição exclusivamente pessoal, mas como resultado da interação entre o estado de saúde e os obstáculos impostos pelo ambiente e pelas atitudes sociais. Uma perspectiva que fortalece a autonomia dos trabalhadores com deficiência, ao reconhecê-los como agentes ativos em seus processos de reabilitação e inclusão.
“O objetivo [do seminário] foi promover uma compreensão mais complexa da pessoa com deficiência, capacitando e sensibilizando profissionais e trabalhadores para uma abordagem mais justa e integrada”, afirmou Leninha Taurinho, da coordenação do Coletivo Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores com Deficiência da CUT e da coordenação do Coletivo Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Educação (CNTE).
“Não nos enganemos. Continuamos sendo mão de obra barata, explorada e descartada quando não servimos ao capital”, completou Leninha.
Modelo biopsicossocial redefine conceito de saúde
Segundo Naira Rodrigues Gaspar a partir do final da década de 1970, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a adotar uma abordagem multidimensional para definir saúde. Até então, o entendimento era binário: ou o indivíduo estava saudável, ou doente. A nova perspectiva considera o bem-estar físico, psicológico e social como elementos indissociáveis. Em 1980, a OMS publicou a Classificação Internacional de Deficiência, Incapacidade e Desvantagem (CIDID), que propunha uma leitura integrada da deficiência: o corpo, suas limitações funcionais e os obstáculos sociais.
“Não basta não ter catapora. É preciso comer, e comer bem. Ter água potável, saneamento básico, moradia adequada, acesso à educação e relações sociais saudáveis”, exemplificou Naira.
Linha do tempo
Durante o regime militar (1964–1985), o acesso à informação era restrito. Publicações estrangeiras sobre direitos humanos e inclusão eram censuradas. Nesse cenário, o assistente social Romeo Sasaki teve papel decisivo ao traduzir materiais internacionais e distribuí-los entre lideranças emergentes, contribuindo para a formação de militantes que passaram a se organizar com mais consistência.
Na elaboração da Constituição de 1988, representantes do movimento de pessoas com deficiência participaram ativamente das discussões. Optaram por não criar um capítulo exclusivo, mas garantir presença transversal nos temas centrais — como educação, saúde, trabalho e assistência. Essa estratégia assegurou dispositivos como a aposentadoria especial, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê atendimento universal e equitativo.
Já em 2001, a Lei nº 10.216, conhecida como Lei Paulo Delgado, encerrou o modelo manicomial no país, estabelecendo que pessoas com transtornos mentais devem ser atendidas por serviços comunitários. “Por muitos anos, excluímos esse segmento das nossas discussões.
A partir de 2003, o Brasil passou a debater a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, posteriormente ratificada. O artigo 1º do documento estabelece os princípios da inclusão e da dignidade. “Pouca gente leu a convenção. É preciso conhecer esse texto”, alertou Naira, reforçando a importância da conscientização e do engajamento coletivo.
Nos dias atuais
Em dezembro de 2024, o presidente Lula sancionou a Lei nº 15.069, que institui a Política Nacional de Cuidados. O plano, previsto para lançamento nas próximas semanas, prioriza pessoas com deficiência e cuidadores — remunerados ou não. A maioria dos cuidadores, segundo dados apresentados, são mulheres da família, sem remuneração, o que gera impactos sociais e econômicos significativos.
Apesar do relatório técnico sobre a avaliação unificada já ter sido publicado e assinado por todos os ministros, a regulamentação ainda não foi efetivada. “Mesmo sendo nosso governo, sabemos que estruturar um sistema nacional de avaliação da deficiência exige enfrentamento político e compromisso institucional”, declarou a conferencista.
Para ela, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) completou dez anos em 2025, sem que o país tenha consolidado um modelo oficial de avaliação.
A agenda de mobilização segue intensa. Em outubro, São Paulo sediará o Congresso Internacional de Estudos da Deficiência, promovido pela USP, com mesa dedicada à avaliação biopsicossocial. Em novembro, Brasília receberá o lançamento de um livro sobre a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), com capítulos sobre participação social e trajetória histórica.
A partir de março de 2026, todas as perícias judiciais relacionadas à deficiência deverão seguir o modelo biopsicossocial, conforme resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“É hora de nos apropriarmos da informação, refletir sobre nossos corpos — físicos, mentais e sensoriais — e garantir que essa pauta não seja conduzida por quem não vive essa realidade”, concluiu Naira.
Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, uma data de luta
Celebrado anualmente em 21 de setembro, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência representa uma data estratégica para reivindicação de direitos, promoção de conscientização pública e fortalecimento da mobilização social. Mais do que uma efeméride, o dia marca o protagonismo de trabalhadores e cidadãos com deficiência na construção de uma sociedade mais justa e acessível.
“A escolha da data, feita em 1982 por ativistas de movimentos sociais, foi estratégica. Ela se aproxima do início da primavera no hemisfério sul (23 de setembro), e essa proximidade simboliza o "renascimento" das lutas por inclusão, igualdade e dignidade. A oficialização da data ocorreu em 2005, com a Lei nº 11.133”, disse Karem Resende –da coordenação Nacional do Coletivo de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT e da coordenação do Coletivo Estadual da CUT de Santa Catarina.
A iniciativa tem como objetivo ampliar o debate sobre inclusão, combater estigmas e evidenciar que a deficiência é parte da diversidade humana. Ao dar visibilidade às pautas desse segmento, a data contribui para sensibilizar a população e pressionar por políticas públicas efetivas.
Segundo representantes de coletivos organizadores, o papel das entidades é reunir ativistas e pessoas com deficiência em torno de uma agenda comum, promovendo senso de pertencimento e ação coletiva. “A conquista de direitos não ocorre espontaneamente. É resultado de articulação, pressão e consciência sobre o lugar de fala de cada indivíduo”, afirmou Karem.
A mobilização do 21 de setembro também reforça a ideia de cidadania plena, ao destacar que os obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência não estão em suas condições físicas ou sensoriais, mas nas barreiras sociais, arquitetônicas que persistem no cotidiano. A data, portanto, simboliza resistência à exclusão e reafirma o compromisso com uma sociedade verdadeiramente inclusiva.