Escrito por: André Accarini

Saúde e segurança: CUT debate pautas urgentes para as mulheres negras

Em encontro do Coletivo de Combate ao Racismo da CUT, professora Maria Palmira da Silva destacou demandas cruciais, do feminicídio à equidade em saúde e finanças, reforçando a luta por justiça social

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Nesta sexta-feira, 25 de julho – Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha –, a CUT realizou mais um encontro do Coletivo Nacional de Combate ao Racismo da Central, que além de discutir estratégias e a organização da Marcha Nacional das Mulheres Negras, prevista para novembro deste ano, contou com a participação da professora Maria Palmira da Silva, mestre e doutora em Psicologia Social.

A professora, que atua principalmente nos temas racismo, preconceito, identidade, movimentos sociais e psicologia social, relações de gênero e sociedade, políticas públicas transversais e geracionais, iniciou sua participação expressando a “honra de estar presente e a emoção” de falar após a apresentação de um poema de Maya Angelou, uma figura icônica da literatura e da militância negra.

“A introdução não apenas conectou a ‘ancestralidade’ da luta da população negra com a urgência das lutas de hoje , mas também serviu como um poderoso lembrete da capacidade de superação da comunidade negra”, disse a professora, citando a importância das palavras do poema de Maya Angelou.

Julho das Pretas: raízes históricas, complexidade e urgência contemporânea

Palmira destacou a relevância do Julho das Pretas em sua participação. “Essa data marcante remonta ao primeiro encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas, que aconteceu em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. A data não surgiu de forma isolada, mas sim de um cenário de descontentamento em relação às pautas feministas, de uma maneira geral, que das mulheres das que lutavam contra a discriminação, contra as mulheres de gênero, mas sem considerar a nossa especificidade na luta", explicou a professora.

Essa "especificidade", como lembrou Palmira, é o centro da complexidade da vivência da mulher negra. Ela explicou que a mulher negra enfrenta uma interseccionalidade de discriminações. 

Não apenas por serem mulheres, mas também por estarem historicamente na base da pirâmide social em decorrência da questão de classe e por sua cor de pele. Além disso, a professora pontuou que outras questões, como a religiosidade de matriz africana são frequentemente fontes adicionais de discriminação e preconceito na sociedade brasileira.

“Essa abordagem multifacetada do racismo é crucial para entender a profundidade das demandas apresentadas”, reitera.

Dia 25 de julho

Apesar do lamentável apagamento histórico que muitas mulheres negras sofreram ao longo dos séculos, a instituição do dia 25 de julho também como o Dia de Teresa de Benguela, que foi um importante líder quilombola que viveu no século XVIII no Brasil. Ela ficou conhecida por comandar o Quilombo do Quariterê, localizado no atual estado do Mato Grosso.

Em 2014, por iniciativa da presidenta Dilma Rousseff, a data foi instituída, e representou um avanço significativo no resgate e na valorização dessas figuras heroicas para o centro da narrativa nacional.

“A data fortalece as nossas ações coletivas, oferecendo uma visibilidade crucial e um palco fundamental para debater e impulsionar ações por uma sociedade verdadeiramente mais justa, igualitária e livre de preconceitos”, diz a professora.

Combate à Escala 6 por 1

Durante a sua fala, a professora ressaltou ainda que a escala de trabalho, que impõe longas jornadas e pouco descanso atinge as famílias brasileiras, principalmente a população negra.

“Atinge nossos familiares, nossos filhos, maridos, irmãos, enfim, atinge diretamente a nossa família, porque ela produz um distanciamento nas relações familiares extraordinária”.

Luta contra o feminicídio:

O feminicídio, que nos últimos anos tem crescido, principalmente nas grandes metrópoles, atinge em especial as mulheres negras.

No ano passado, as mulheres negras continuaram sendo as principais vítimas de violência contra a população feminina no Brasil, conforme revelam os dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24). O estudo, que compila os registros de 2024, mostra que as mulheres negras representaram 63,6% das vítimas de feminicídio, enquanto as mulheres brancas corresponderam a 35,7% dos casos.

Considerando o total de vítimas do sexo feminino, quatro mulheres foram assassinadas por dia no país em 2024. O número absoluto de 1.492 mulheres mortas no período é o maior registrado desde 2015 e representa um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior.

Esses números contrastam com a composição demográfica da população feminina brasileira: segundo o Censo 2022 do IBGE, aproximadamente 55% das mulheres se declaram negras - categoria que inclui aquelas que se autodeclaram pretas ou pardas, conforme o critério adotado por pesquisadores e movimentos sociais

"É doloroso ver, assistir um homem negro que ceifa vida de uma mulher negra", disse a professora, enfatizando a urgência de pensar e implementar estratégias formativas eficazes que ajudem a reduzir esses números.

Direito à saúde

De acordo coma professora, a "negligência dos problemas de saúde das mulheres negras na nossa sociedade é uma coisa urgente". Ela denunciou a falta de acesso à assistência, limitado aos serviços de saúde e a ineficácia dos tratamentos, atribuindo essa realidade ao racismo estrutural e institucional que permeia as instituições de saúde.

Ela explicou ainda que, muitas vezes, o agente direto da discriminação não é identificado, o que impede a responsabilização.

“Essa realidade leva a uma mortalidade por causas preveníveis entre as mulheres negras que é elevada e as estatísticas frequentemente falham em considerar o fator racismo como causa subjacente”, disse.

Desigualdade no mercado de trabalho e sistema financeiro

Além da conhecida desigualdade trabalhista, Palmira levantou uma questão que, segundo a professora, é raramente discutida: a ausência das mulheres negras no sistema financeiro.

Ela fez uma pergunta provocativa e essencial sobre a justiça brasileira: “quantas são as mulheres negras que estão nesse processo? Tem alguma possibilidade de fazer, de dar celeridade na execução para que elas possam se beneficiar em vida desse ganho?".

Encontro do Coletivo de Combate ao Racismo da CUT

Caminho para uma sociedade justa

Ao concluir sua fala, a professora Palmira reiterou que o Julho das Pretas, embora seja um momento crucial de denúncia do racismo e do machismo enfrentados pelas mulheres negras, deve ser fundamentalmente propositivo.

Ela reconheceu os avanços já conquistados pela comunidade negra, ressaltando que "toda conquista das mulheres negras, do povo negro em especial, é sempre precedido de uma linda luta".

A professora convocou o Coletivo de Combate ao Racismo da CUT, e toda a sociedade, a continuar construindo agendas robustas que promovam o protagonismo e a autonomia das mulheres negras. Ela enfatizou que "quando melhora a condição socioeconômica também melhora a autonomia".

“A busca por recursos financeiros que beneficiem as mulheres é, portanto, de suma importância para que elas possam ter controle sobre suas vidas e seus futuros”.

O encontro virtual do Coletivo Nacional de Combate ao Racismo da CUT reafirmou o compromisso e a ação dos sindicatos e movimentos sociais na promoção de uma sociedade justa, com equidade e livre de todas as formas de discriminação.